quarta-feira, 30 de junho de 2021

033 - FALSO HUMANISMO

 

(César Yauri Huanay) 

As minhas diatribes contra o deísmo, representado no ocidente pelo cristianismo, baseiam-se no fato de que há uma aura de falso humanismo envolvendo a crença em deus ou em deuses. Os cristãos, e todos os deístas, não estão preocupados com o homem, em seu conceito de ser vivente, mas apenas como algo abstrato, que eles chamam “alma” ou “espírito”. Ao espiritualizar a natureza humana, ser humano deixa de ser humano. Torna-se integrante da divindade. Como tal, valoriza-se, então, não a vida, mas a morte, o mistério. Essa desumanização, essa crença em valores não terrenos, tem efeitos catastróficos no imaginário da humanidade. A vida, que tantas vezes já repeti que me torno enfadonho, deixa de ser o bem mais precioso para tornar-se o meio de chegar ao divino. Logo, pode ser ceifada sem nenhum profundo arrependimento, pois a divindade irá perdoar todo aquele que se arrepende ou, como no caso de religiões orientais, irá até mesmo recompensar quem mata em nome ou por causa dessa divindade. Há, portanto, um deus carniceiro por trás de cada cristão, mulçumano, judeu ou seja qual for o seu credo. Os profetas do deísmo só valorizam a vida humana como meio, como instrumento de seu deus. Não há, por isso, nenhum humanismo nas ações ditas humanitárias dos deístas. Mesmo quando praticam a caridade, fazem-no com o sentimento na outra vida, como uma forma de agradar a seu deus, não como uma forma de real preocupação com o destino físico dos seres humanos, apenas uma forma de minorar o sofrimento. Afinal, ninguém gosta muito de ver o outro sofrer, apesar de ser o sofrimento o meio pelo qual o deísta pode chegar mais rapidamente ao seu deus. Numa cena antológica de um filme - “Diários de motocicleta”, de Walter Salles, sobre a juventude de Che Guevara -, a madre superiora de um acampamento de leprosos não permite que se sirva o almoço aos que não assistiram à missa. Isto é o que acontece com a moral cristã da caridade: compram, literalmente, a alma dos pobres e infelizes que não têm onde cair mortos, para entregá-la ao seu deus, por um prato de comida, esquecidos de que são um dos produtores da miséria, ao darem seu aval a regimes econômicos e políticos que mantêm o povo nesse estado, ou contribuem para que isso se perpetue, pois, afinal, assim a divindade o deseja. Nesse longo processo de desumanização a que se submeteu a humanidade sob a égide do cristianismo e de outras religiões, a incapacidade de se ver como outra coisa senão um servo da divindade obstruiu a visão dos humanos de si mesmos e criou um dos idealismos mais perigosos para ele próprio: a busca da felicidade. Por mais cruel e pessimista que possa parecer, eu afirmo que o ser humano não nasceu para ser feliz: nasceu para viver, apenas para viver. E o conceito de vida que eu tenho é viver com dignidade, ou seja, dentro do seu plano individual de existência, sem que esse plano possa ser interrompido, impedido de se realizar ou estar a serviço de uma divindade absurda. Viver com dignidade devia significar que eu pudesse traçar o meu destino neste mundo e buscar realizá-lo, seja ele qual for, sem a interferência de deus ou do diabo, apenas seguindo e fazendo aquilo que me traz satisfação. A vida humana consiste nisto: nas pequenas realizações do cotidiano, na segurança de não ser morto em qualquer esquina por qualquer motivo, na segurança de que posso viver e conviver com minha família, meus amigos e realizar os pequenos sonhos que me trazem alegria, que me trazem o prazer de viver em paz. Não há muito que buscar de transcendente, de moral ou de espiritualismo para que a felicidade humana se realize. Não há ideais grandiosos nisto? Que importa? A maioria absoluta da humanidade deseja muito pouco para se considerar feliz: uma casa, emprego que dê o suficiente para se sustentar com a família, as pequenas alegrias cotidianas e segurança. Vive a pessoa comum com, relativamente, muito pouco e se sente feliz com isso. São absoluta minoria os que almejam grandes feitos ou não se contentam com isso. E esses também devem ter o seu quinhão, pois sem eles a humanidade não teria como alcançar outras medidas em sua evolução constante. Não quero fazer, aqui, o elogio da mediocridade, apenas constatar que ela existe e é soberana na composição da humanidade. Os sábios, os cientistas, os aventureiros, os esportistas, os artistas, por mais que pareçam muitos e apareçam na mídia, são poucos, muito poucos. Fazem a diferença, é claro, mas constituem a exceção que comprova a regra. A maioria dos mortais deseja, simplesmente, viver em paz e realizar seus pequenos desejos do dia a dia, sem a ideologia estúpida de ter de se dedicar a um deus que se esconde nas palavras de padres, pastores, rabinos ou seja lá quem esteja pregando, para levá-lo a uma outra vida que não existe e torná-lo um bobo alegre nesta existência, ao pretender alcançar a salvação de algo que ele não tem, a alma, ou pagar um pecado que ele não cometeu, o tal pecado original do cristianismo.


terça-feira, 29 de junho de 2021

032 - OUTROS CAMINHOS

 

(Catherine Chauloux)



Destruir o cristianismo não implica negar sua relevância na história do homem. Há um acervo imenso de obras cristãs no terreno de todas as artes. E isso não se pode destruir. No entanto, se não tivesse existido o deísmo como um mito que se imiscui em todas as culturas, a humanidade teria trilhado outros caminhos para construir seu patrimônio histórico. A criatividade dos seres humanos permitiria escolher outros caminhos inimagináveis agora, por estarmos contaminados pela longa trajetória deísta. Talvez fossem caminhos que não caíssem no julgamento moral do bem e do mal, o que seria um alívio imenso toda a humanidade. A partir do momento em que se criou o conceito de bem e de mal, baseado na existência de deuses que punem e de deuses que abençoam, o ser humano caiu na estrada do moralismo e isso foi sua perdição. Quando deus e o diabo passaram a disputar as almas, jogaram a humanidade no caminho do preconceito, da intolerância e do ódio. A máxima cristã do “amai-vos uns aos outros” tentou mascarar esse moralismo, mas ninguém ama o diferente. E, se é diferente, não pode ser bom. O moralismo impede que o homem enxergue a si mesmo no outro, por mais estranho que o outro seja, num primeiro contato. Assim como, em termos genéticos, há mais semelhanças do que diferenças entre as criaturas vivas, pode-se pensar que entre os humanos há infinitamente mais semelhanças que discordâncias. Os aspectos exteriores de cor da pele, dos olhos, dos cabelos etc. são irrelevantes diferenças genéticas, que se tornam desprezíveis. O ser humano tem na variedade e diversidade aparente o poder de seu predomínio na terra. Graças a essas tão pequenas diferenças, pôde sobreviver a todos os climas e a todas as modificações por que passou o globo terrestre desde que ele surgiu. É o ser humano a espécie predestinada a conquistar outros mundos e manter a vida. Mas, para isso, precisa evoluir em todos os sentidos, principalmente abandonar filosofias moralistas que pregam a exclusão e aceitar a vida tal como ela é, sem subterfúgios deístas, sem instrumentos cristãos, muçulmanos ou de quaisquer outras teorias e seitas moralistas. Quando isso acontecer, a vida passará a ser valorizada em todos os seus aspectos, como o mais preciso bem que se pode ter.


segunda-feira, 28 de junho de 2021

031 - O SAGRADO

(Escultura de Kris Kuski)



Uma das criações-mores do deísmo, o conceito de sagrado, precisa ser destruído e banido para sempre do pensamento humano. Ergue-se, esse conceito, como uma barreira intransponível à crítica ao deísmo. Ocasiona temores profundos qualquer tentativa de se insurgir contra aquilo que se considera sagrado. Há na mente dos humanos, desde tempos imemoriais, uma espécie de gene que acende uma ponta de terror diante de algo considerado sagrado. Por isso, templos são sagrados, livros e palavras são sagrados, objetos de culto são sagrados e homens que os manipulam se dizem santos, colocando-se, assim, todos eles, seres humanos comuns, objetos e lugares, na categoria de inatingíveis. E isso atemoriza. Faz que o ser humano se dobre a desígnios absurdos, por conta do temor do sagrado. Basta declarar que algo é sagrado ou santo, para que se ergam altares, para que se instalem o medo e o respeito e, em seguida, a exploração desses sentimentos pelos velhos espertalhões de sempre – os padres e pastores da igreja e das seitas subsidiárias e herdeiras dos conceitos deístas e cristãos. Atribuir poderes ou qualidades divinas a si mesmos e a seus objetos de culto deve ter sido a forma encontrada pelos primeiros feiticeiros para se impor diante do grupo e de se proteger de qualquer ameaça dos concorrentes. E esse conceito, que originou o maior embuste do deísmo, permitiu que se hierarquizassem as qualidades humanas, o que levou, até mesmo, ao surgimento do conceito de realeza. Também a divisão em castas ou a determinação de diferenças hierárquicas entre os homens tem no conceito do sagrado sua possível origem. Por ele, foi possível estabelecer seres superiores e inferiores e, com isso, subjugar e escravizar quem fosse considerado inferior. A presença de deuses entre os humanos, em todas as civilizações, permite que se estabeleçam diferenças. Embora todos possam recorrer aos deuses, somente os mais espertos e inteligentes conseguem convencer aos demais de terem sido realmente agraciados por eles. Se o esperto obtém riqueza, foi graças a deus e, portanto, tem mais direito sobre os demais, também graças a deus. E assim se perpetuam as desigualdades, pois o rico, esperto e agraciado por deus, tem cada vez mais possibilidades de crescimento, enquanto ao pobre resta pedir e rezar cada vez mais ao deus que o agracie, sem obter, no entanto, qualquer sucesso, pois, com certeza, deve ter feito alguma coisa que desagradou profundamente a divindade. E o conceito de pecado se instaura no rastro do sagrado, como outra nódoa a manchar o pensamento humano. A igreja, hábil na manipulação dos conceitos, avançou um pouco mais: criou o conceito do pecado original, isto é, todos os homens nascem com a nódoa e é preciso adular muito a divindade para se livrar desse caminho para o inferno. A partir daí, tudo foi permitido à igreja e a história pode exemplificar todo o mundo de absurdidades criadas para enganar o ser humano e mantê-lo prisioneiro do deísmo. A figura do Cristo crucificado e morto para pagar os pecados do mundo torna-se, assim, um dos mais poderosos mitos já criados pela torpe imaginação de homens dedicados a conservar os demais seres humanos atrelados a seus desígnios, para explorá-los e manter uma organização por dois mil anos, através da mentira e da ameaça do fogo eterno. Não pode ter havido maior conspiração do ser humano contra ser humano em toda a história. E, o que é pior, com ares de se manter inabalável por ainda muitos séculos. Infelizmente. Para a humanidade e sua trajetória na terra.

domingo, 27 de junho de 2021

030 - A TRAJETÓRIA DA IGREJA

 

(Garrote da santa inquisição)
 


O lado obscuro da igreja, sua face oculta, perde-se nas dobras da história. Desde o seu início, com o esperto Paulo de Tarso, até os dias de hoje, há muito de perseguição e dor na trajetória dos papas e padres e santos que construíram durante séculos um edifício rígido de conceitos e doutrinas que escondem um poderio econômico que, embora fragilizado, hoje, pelas grandes potências, ainda mantém dispersas por inúmeras nações propriedades e riquezas consideráveis. Não é necessário citar os primeiros anos do cristianismo, quando, de crença perseguida pelos romanos, passou a religião oficial do império e, por conseguinte, a uma tenaz perseguidora de seus inimigos, nem os tempos nefandos da inquisição, quando queimar um judeu rico, para tomar suas posses, ou uma bruxa, para servir de exemplo, mantinha o terror permanente nas cidades e aldeias e era a forma de controle das mentes e corações contra qualquer possibilidade de insurreição à sua ditadura. Mesmo a grande cisão promovida por Lutero e seus seguidores, no fundo, terá sido uma farsa, pois consistia apenas em opor-se a aspectos formais e políticos de controle e não uma verdadeira revolução que contivesse o germe da descontaminação da mente humana contra os conceitos básicos do cristianismo. Serviu para criar opções de obediência ao mesmo deus, não para libertar ser humano desse deus. Foi a porteira por onde entraram, depois, principalmente no século XX, todos os espertalhões que se propuseram a enriquecer à custa da ignorância humana, fundando e disseminando dezenas de seitas e igrejinhas caça-níqueis que se escondem sob as leis de não perseguição religiosa dos inúmeros países onde se instalam. São uma praga que precisa ser combatida como se combate a erva daninha nas plantações. No entanto, elevar a voz contra essas seitas e igrejas é comprar confusão legal, graças ao poder político que elas adquirem, espertamente, para se protegerem. Aos pastores dessas igrejas e seitas tudo é permitido. Podem dizer as besteiras que quiserem, podem envenenar o pensamento das pessoas com suas afirmações destituídas de qualquer fundamento lógico, podem amedrontar fiéis e não fiéis com a existência de demônios e com o fogo do inferno, para tirar mais e mais dinheiro de quem, às vezes, não tem o que comer, mas não podem ser processados e presos por enganar a fé pública, por crime contra a economia popular. Alcançam prestígio social e político e, assim, permanecem inatingíveis por uma legislação conivente com esse tipo de falcatrua. Repetem, de forma mais sutil, os mesmos métodos usados pela igreja em seus primeiros tempos, para arrebanhar infiéis que idiotizam com pregações que são verdadeiras lavagens mentais, em templos imensos erguidos com dinheiro tomado à força de persuasão e muita promessa impossível de cumprir, como a igreja vendia outrora as suas indulgências e o perdão dos pecados cometidos pelos homens, de preferência os mais ricos. Por isso, pregam essas seitas, exatamente como a igreja, a força dos pobres, dos humildes, como uma forma de convencimento a que os ricos doem parte de sua fortuna e os que têm tão pouco também doem tudo o que têm. Somente os pobres entrarão no reino de deus, mas os ricos são sempre bem-vindos aos cofres desses pastores, para enchê-los cada vez mais.


sábado, 26 de junho de 2021

O29 - A IGREJA DIANTE DO SER HUMANO

 

(Georg Emanuel  Opitz)


O deísmo é uma doutrina contra a vida. Ao entulhar a imaginação do ser humano com histórias de outras vidas, outras dimensões, o deísmo torna-se antinatural em si mesmo e condena a humanidade a privilegiar uma pretensa outra vida ou, até mesmo, a reencarnação, e desprezar o bem mais precioso que ela tem. E o cristianismo, fruto podre do deísmo ancestral, tende a ser a doutrina que legitima absurdos como instituições religiosas interferirem em todos os setores da vida humana. A igreja, com todo o seu passado torpe e negro, tem a desfaçatez de, através de papas trêfegos e imbecilizados pela doutrina, querer ser a moral do mundo. Vive ditando regras, não só a seus seguidores, mas a todos, como se fosse dona da verdade. No mundo atual, quando há desafios imensos, como a luta contra doenças transmissíveis por vírus quase imbatíveis (a Aids), uma declaração do papa contra o uso de preservativos coloca em risco a vida de milhões de pessoas. E a esse papa não se pedem contas de suas assertivas criminosas. Aliás, o moralismo canhestro, muito além do próprio moralismo, que já é uma praga, constitui um dos aspectos mais cruéis da face aberta da igreja católica. Prega-o em templos, praças públicas e meios de comunicação, intoxicando a mente das pessoas com conceitos de intolerância e exclusão escondidos em belas e vazias palavras, como fé, esperança e caridade, os três pilares da igreja, sobre os quais se assentam todas as falsas promessas de salvação disfarçadas em atemorização. Para convencer os mais titubeantes, acena com o fogo do inferno e com outros castigos atrozes, proferidos pelo deus que ela defende, um deus sempre pronto a brandir a maça de guerra contra os seus detratores. A vida humana fica, assim, em plano ínfimo diante do poder desse deus. Não há saída para o ser humano, dentro do deísmo.


sexta-feira, 25 de junho de 2021

028 - MISSÃO DA HUMANIDADE


(Escultura de Albert Gyorgy: cheval)



A minha crítica ao cristianismo, fonte de todas as superstições, embora reconheça alguns princípios éticos em tal doutrina, não pode deixar de ser contundente, porque, se colocarmos na balança o bem que possa ter trazido aos homens e as bobagens que tal crença perpetua na mente das pessoas, sendo um dos fatores da ignorância e da barbárie dos seres humanos, veremos que a última tem um peso infinitamente maior. Não consigo imaginar um mundo sem a doutrina deísta e, principalmente, sem o cristianismo, porque essa praga tem sobre a humanidade um poder imenso, depois de milhares de anos de implantação, como uma lavagem cerebral coletiva, sem nenhuma oportunidade para o racionalismo. Mas tenho a absoluta certeza de que o o ser humano encontraria outros princípios éticos para pautar a sua vida e esses seriam muito mais higiênicos, em termos de respeito à vida e ao próprio ser humano. O ser humano não precisa de nenhum deus. Ele é dono de seu próprio destino e tem, a seu favor, a inteligência e, com ela, pôde criar obras tão magníficas como a ciência, a filosofia, as artes, sem precisar buscar em um deus qualquer a inspiração para criá-las. Deus é apenas uma desculpa para fraquezas que criamos para nós mesmos. E deus é uma desculpa para muitas ações sórdidas que cometemos contra nós mesmos. Quando o ser humano se conscientizar de que ele é o deus que criou e deixar de se esconder atrás dessa entidade para desculpar seus crimes e a estupidez que são guerras, assassinatos, ódios e estranhamentos por diferença de cultura, de usos e costumes, terá, então, compreendido que dedicar-se a melhorar as condições de vida do planeta onde mora e a melhorar as condições de sobrevivência de todos os povos nesse planeta é a missão mais importante de sua vida, a mais nobre de todas, pois implica preservar-se e preservar a vida que existe nesta casca de noz e que, quase com certeza, daqui poderá espalhar-se por todo o universo. Não sabemos e provavelmente não saberemos nunca se estamos sós nesse universo. Mas garantir a vida, aqui, e espalhá-la por onde for possível é garantir a própria existência desse universo, pelo menos enquanto conceito de vida e diversidade.


quinta-feira, 24 de junho de 2021

027 - O BEM E O MAL


(Francisco de Goya)


O combate às trevas da ignorância é, talvez, o mais duro combate a que se pode dedicar um ser humano. As absurdas superstições estão tão arraigadas na mente dos humanos, que se torna um processo sobre-humano tentar convencer as pessoas de que certas crenças só têm trazido sofrimento, guerras e ódios. As seitas que acreditam no demônio proliferam e seus pastores se tornam cada dia mais ricos e influentes, a despeito de todas as tentativas de desmascarar a prestidigitação que usam para convencer os ignorantes da veracidade de suas afirmações. Crer no demônio é tão estúpido quando crer em deus ou em gnomos. Mas, muitas pessoas se acham endemoniadas, quando têm algum tipo de distúrbio. E haja pastor para tirar o capeta do corpo do coitado, vítima da má fé e da esperteza do tal pastor. O mundo torna-se, para essas pessoas, apenas o palco onde lutam forças opostas, o bem contra o mal. Com isso, não conseguem dar à vida a sua verdadeira dimensão, tornam-se reféns miseráveis da ignorância e, pior, da exploração desavergonhada dos inescrupulosos que povoam o universo das crenças absurdas.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

026 - ECOLOGIA HUMANA

(Paul Delvaux - ecce-homo -1949)
 


Tendo como princípio básico ser a vida o bem mais precioso, o respeito a ela levará o ser humano a banir a guerra, a cometer menos assassínios, a punir com mais vigor os que os cometem, a combater a miséria e a buscar, enfim, a felicidade aqui mesmo, compenetrado de que não há uma segunda chance. Vejo, no entanto, com horror, nesse começo do terceiro milênio, que a guerra, a violência e o fanatismo têm proliferado no mundo, a despeito de toda a oposição a isso por muitos homens e mulheres esclarecidos, que condenam a barbárie e buscam um mundo melhor. Parece que a humanidade entrou num túnel escuro de insensatez, que não terá fim se não se tomarem medidas urgentes que, entretanto, só terão resultado no longo prazo. Um processo de desmistificação das doutrinas hoje defendidas todos, como o culto religioso, a crença em outras vidas e a noção de pecado, deve entrar em curso imediatamente, para que haja algum tipo de conscientização de que não é possível que a humanidade continue trilhando os caminhos da destruição de si mesma e do seu planeta. Há que haver algum tipo de ecologia humana, possível de ser posta em prática, para que se detenha o tremendo rolo compressor dos ódios raciais, das cisões entre pobres e ricos, dos estranhamentos entre povos que tenham usos, costumes e cultura diferentes.


terça-feira, 22 de junho de 2021

025 - EVOLUÇÃO DO SER HUMANO

 (Cardeal Rodrigo de Borja - Papa-Alexandre-VI-1492-1503)



Se Nietzsche sonhava com um papa – César Bórgia – que pudesse eliminar o cristianismo, eu sonho com o dia em que a humanidade deixará de acreditar em deuses, para se libertar, definitivamente, de superstições e evoluir para um tipo melhor de ser humano. O sonho não é impossível, só não sei como ele vai se realizar. O ser humano pode evoluir em termos orgânicos e seu cérebro não acompanhar. Mas, provavelmente, não será isso o que vai ocorrer. Ambos deverão evoluir. E quando isso acontecer, o que provocará mudanças profundas, embora lentas, em seu comportamento, é mais do que provável supor que novos conceitos e princípios e a crença na sua capacidade, não de criar mitos, mas de superar obstáculos, farão que ele se integre realmente na natureza e compreenda que ele é e será sempre um ser em evolução, um ser que depende dessa interrelação com as forças naturais para sobreviver. Compreenderá que não pode destruir a natureza, mas também não pode impedir que ela siga o seu curso. Pode, até, intervir para que a natureza acelere processos ou tome rumos menos cruéis, mas o fará sob o comando de uma ética de respeito e de conhecimento científico suficientes para saber o que realmente está fazendo, sem receios supersticiosos ou influência de crenças absurdas.

A visão mágica da vida, responsável por tantas e tantas superstições, deverá, então, desaparecer da face da terra, mas isso não implicará uma vida menos rica em termos de imaginação e criatividade. Pelo contrário, livre das idiotices que resultam da ignorância, o cérebro humano poderá processar com muito mais clareza os aspectos mais interessantes e muito mais criativos daquilo que se pode chamar de “milagre da vida”, ou seja, a própria vida se manifestará como o maior bem que existe, em toda a sua plenitude.


segunda-feira, 21 de junho de 2021

024 - FÉ, PILAR DO DEÍSMO

 

(Escultura de Fernando Botero - Adam and Eve)

Se formos pensar na origem das crenças deístas, de como o ser humano primitivo construiu pouco a pouco todo o imaginário que deu origem a todas as religiões, teremos de concordar que há milhares e milhares de anos de impregnação de conceitos, de usos, de costumes e de princípios no coletivo que constitui hoje o acervo mental da humanidade. Desde as pinturas rupestres até a invenção da escrita e, depois, com a possibilidade de transmissão do conhecimento para as gerações posteriores, o ser humano passa e repassa as mesmas crendices que, tal qual um fóssil numa pedra, imprimiram nos neurônios de nosso cérebro uma marca indelével. Se pensarmos na literatura existente, quase tudo que se escreveu até agora está impregnado de conceitos deístas, está impregnado de crenças e crendices consideradas verdades universais que, por isso, não precisam ser contestadas, mesmo que não possam ser comprovadas. O pior é que, quanto mais se fala contra o deísmo, mais crentes se tornam as pessoas. Não há processo de convencimento que funcione, quando se trata de combater as ideias deístas. As pessoas argumentam com uma das justificativas mais difíceis de serem trazidas para uma base lógica: a fé. A fé realmente remove montanhas. Remove para cima de quem a utiliza como argumento todo o lixo deísta que vem dos primórdios da humanidade até os dias de hoje. E não haverá mais nada que se possa dizer ou fazer, para que o ser humano consiga sair de sob essa montanha. Por isso, sabiamente, um dos pilares do cristianismo (e, por extensão, das demais seitas e religiões de todo o mundo) seja a fé. Como não há conceito lógico para a fé, ou seja, é impossível defini-la, por se tratar de algo absolutamente abstrato e de foro íntimo (o que a torna muito conveniente), não há também como combatê-la no terreno da argumentação, da lógica. A fé é a grande cortina negra que mantém mais fechada ainda a humanidade dentro das trevas obscurantistas. Não se divisam, de imediato, frestas por onde entrar alguma luz, seja da ciência, seja da lógica. Como uma tartaruga, o ser humano coloca para dentro de si mesmo sua capacidade de raciocínio e de tirocínio, quando se trata de argumentos que abalem a sua fé. Por isso, os cientistas, mesmo os mais esclarecidos, mesmos os que não professam crenças deístas, têm dificuldade de colocar a ciência acima da fé. E os filósofos, que têm argumentos e capacidade para isso, não alcançam a popularidade necessária para sequer abalar um átomo do edifício deísta.


domingo, 20 de junho de 2021

023 - CONHECIMENTO X BARBÁRIE

 



Referi-me há pouco aos cientistas que não conseguem emergir do obscurantismo para, com seu conhecimento, combater a barbárie. Não é uma crítica genérica. É mais uma crítica à dificuldade de qualquer um de colocar a cabeça para fora desse oceano imenso que se chama religião e conseguir enxergar, no meio das trevas, quão obscurantistas são as crenças que nossos antepassados criaram e que nós herdamos. Não é uma herança da qual possamos nos livrar tão facilmente.

sábado, 19 de junho de 2021

022 - MAIS PESSIMISMO

 

("Não ria!". "Intocáveis 2", filme sucesso de bilheteria do cinema francês)


Sim, ainda há mais pessimismo. Pois só falei do cristianismo, só falei do mundo ocidental. E as religiões orientais? Não há muito mais a comentar sobre elas. Basta ler algumas linhas do alcorão ou de qualquer outro de seus escritos ditos “sagrados”, para chegar à conclusão de que se trata dos mesmos princípios e dos mesmos deuses cruéis e vingativos que são a base do deus cristão. Mudam-se apenas os usos e costumes nos relatos e nas prescrições que fazem os profetas do oriente a seus fiéis, mas a essência deísta é a mesma: o obscurantismo, talvez mais tenebroso lá do que aqui. Mas esse é um juízo de valor que pode estar deturpado por nossos olhos ocidentais e é possível que eles, de lá, tenham de nossos deuses e de nossas crenças a mesma opinião.

Portanto, por mais diferentes que pareçam ser as religiões e as seitas, em suas pregações e instituições, em seus usos, costumes e princípios, no fundo comungam (palavra “cristã”, mas aqui utilizada com todas as suas conotações e com toda a ironia de que sou capaz) a mesma ideia: manter o ser humano em estado de torpor, ou seja, no mais absoluto obscurantismo. E o que mais assusta é que essa orquestra tão bem afinada não tem, agora, um maestro único, mas os seus líderes até mesmo guerreiam entre si pela hegemonia. E não há lado bom, nessa guerra. Quanto mais eles se matam por seus deuses, mais se tornam fundamentalistas, mas se agarram a seus princípios, mas deixam de enxergar no outro o reflexo de si mesmos. E caminham cada vez mais para a barbárie.


sexta-feira, 18 de junho de 2021

021 - CÍRCULO VICIOSO

(Domenico Fetti - Archimedes -1620)



A ciência avança a passos tão largos que, a cada cinco anos, o conhecimento que temos do mundo se multiplica. A era da informática armazena em computadores cada vez mais velozes e potentes tal quantidade de informações, que temos a impressão de que as próximas gerações passarão o tempo a tentar interpretar e entender todos os dados compilados até aqui. Há quinhentos anos, um homem como Leonardo da Vinci podia acumular em seu cérebro quase todo o conhecimento humano obtido até ali. Hoje, isso se torna impossível. Há necessidade de especialistas cada vez mais dedicados a porções mínimas da ciência, com limitada visão do todo. E isso é um mal. Tornam-se extremamente competentes num ramo científico, ganhando, com isso, notoriedade e situação privilegiada no mundo da ciência, mas incapazes de uma percepção generalista do homem e de terem uma visão de mundo abrangente. Não conseguem, por isso, com seus cérebros magníficos, convencer os demais seres humanos da importância da ciência e de quanto estão eles ainda na idade das trevas. Até mesmo esses cérebros sucumbem, muitas vezes, às superstições. E isso obstrui uma das mais importantes missões da ciência: livrar o homem do obscurantismo. Porque o obscurantismo, que tem como um de seus maiores defensores o cristianismo, constitui uma das maiores indústrias de exploração do ser humano pelo ser humano já criadas até hoje. Os marxistas jogam na conta do capitalismo todos os males, mas mantêm uma visão meio míope da função da religião no mundo. Ela não é o ópio do povo. A religião é uma máquina de exploração muito mais sofisticada. Por não ter elementos concretos, mas simbólicos, manteve-se distante da visão de Marx. E mantém-se distante da visão dos cientistas de hoje. Sobrevive a todas as catástrofes e prospera com elas. Interpenetra por todos os poros da sociedade e extrai de cada um de seus seguidores o néctar de sua existência que, sabiamente, ela transforma em dólares que se transformam em sistemas de dominação e obscurantismo do qual ela se alimenta, num círculo vicioso que parece não ter fim. Não há como escapar de seus tentáculos. Não em curto prazo. Talvez por isso o meu aparente pessimismo.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

020 - EVOLUÇÃO DE UM EMBUSTE

(Antoine Caron - 1521-1599 - the arrest and execution of sir Thomas More in 1535)


O que mais me admira, na trajetória do cristianismo, é que, no começo, nos primeiros mil anos de sua existência, quando ainda se firmava no imaginário do povo, suas lições moralistas e sua pregação absurda não despertava mais do que riso e galhofa. Seu ideário nunca foi levado muito a sério, até que, aos poucos, ao longo do período que vai, mais ou menos, de 1.000 a 1.5000, quando a igreja romana se estrutura definitivamente, tornando-se poderosa e interferindo seriamente na vida política, social e econômica da Europa medieval, ela se torna mal-humorada, carrancuda e vingativa, instituindo então sistemas de controle e de perseguição de seus inimigos. É quando a igreja romana cria monstros como a “santa” inquisição e papas de linhagem guerreira, como Alexandre VI; institui dogmas e um complexo sistema de valores, crenças e crendices que acabarão chegando aos nossos dias como um dos mais perfeitos sistemas de prestidigitação de toda a história do homem, capaz de conviver com a ciência contemporânea e não se abalar com suas descobertas, que contradizem tudo o que ela vem pregando nesses dois mil anos de embuste.

Dois mil anos de história contam muito no imaginário do populacho ignorante. E o cristianismo, tendo à frente ainda a igreja romana que, embora combalida pelo ataque de centenas de seitas subsidiárias, permanece hegemônica no coração e nas mentes de seus fiéis, impondo ou tentando impor fundamentalismos num mundo carente de lideranças que digam ao povo como agir diante de tantos acontecimentos incomuns ou diante de iminentes conflitos que podem, pelo menos na imaginação do cidadão comum, levar a uma terceira guerra mundial. O cadinho de forças tenebrosas que se aglutinam para isso está fervendo. Os interesses econômicos falam mais alto. Chefes de estado lançam-se em aventuras bélicas de trágicas consequências. Terroristas decretam o fim das imunidades: ninguém pode se considerar seguro. A violência recrudesce nas grandes cidades. A miséria torna-se epidêmica e epidemias de doenças contagiosas e incuráveis tomam de assalto populações inteiras. O diabo parece, sim, estar solto. E, para combater o pessimismo, haja mais pessimismo: visões apocalípticas atraem os ignorantes para os braços dos aproveitadores de sempre. E esses aproveitadores soltam todos os demônios que o cristianismo cultivou durante os dois mil anos de sua história, para amedrontar os incautos e firmar seus fundamentalismos e garantir mais mil anos de obscurantismo.

terça-feira, 15 de junho de 2021

019 - O MUNDO, UM VALE DE LÁGRIMAS

(Antoine Caron - 1521-1599 - juízo final)



Esse “espírito cristão” traz, encravados em seu bojo, mil formas de superstições que os cristãos cultivam. Como é uma seita que se diz voltada para os “humildes” e para os “fracos”, o conceito de perdão torna míopes todos aqueles que a professam, num jogo de forças hipócrita e contra a humanidade. Hipócrita, porque os cristãos foram historicamente excludentes, temendo ou odiando tudo aquilo que fosse diferente deles. Haja vista os negros e índios, declarados seres sem alma, para que espanhóis e portugueses, os primeiros conquistadores da América, pudessem escravizá-los, subjugá-los e exterminá-los. É contra a humanidade porque privilegia não a vida, mas a morte, o além-túmulo. Isso torna o cristão um ser que vive para morrer ou para o sacrifício, como o seu fundador. A visão de mundo do verdadeiro cristão é sempre pessimista em relação à vida, ao encarar o mundo como um “vale de lágrimas”, lugar de passagem, estrada para um mundo melhor, após a morte. O cristianismo é, pois, responsável, por uma das mais cruéis formas de superstição que assola o ser humano no ocidente: a crença na imortalidade da alma e na ressurreição dos mortos. Em cima dessa superstição, desenvolveu-se todo um clima de apocalipse, de fim de mundo, de que se aproveitam, hoje, mil outras seitas subsidiárias para vender a salvação e explorar o rico filão dos temores humanos. Espertalhões de plantão faturam alto em cima de atentados terroristas, como o ocorrido nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2002, quando dois aviões foram jogados contra os dois maiores edifícios de Nova Iorque e mataram quase três mil pessoas. Jogando com a imaginação de fiéis embrutecidos pela fé, sem capacidade de raciocínio lógico, pregam o fim próximo do mundo e, com isso, conseguem vender milhões de dólares em livros e outras bugigangas, além, é claro, do faturamento nas pequenas igrejas que se encontram em cada esquina, prontas para dar o perdão e a salvação àqueles que contribuírem com seus parcos recursos para encher os bolsos de pregadores inescrupulosos.


segunda-feira, 14 de junho de 2021

018 - BANALIZAÇÃO DA VIDA

(Artemisia Gentileschi)



O cristianismo inventou um tipo de gente que se pode categorizar como “os pobres de espírito”, que acreditam fundamentalmente na vida além da morte e na recompensa por suas orações e arrependimentos. Isso tem tido uma influência muito profunda em todos os aspectos da vida humana. Por exemplo: na Justiça. Principalmente na Justiça brasileira, embora deva ocorrer também em outros países. Sob a premissa de que todo criminoso merece uma segunda oportunidade, as leis se tornam tíbias e inoperantes. A ideia de que a vida humana na terra é passageira e de que a verdadeira vida ocorrerá após a morte faz que o assassínio se torne um crime comum, com punições ridículas. Sou absolutamente contra a pena de morte: um crime não pode justificar outro. No entanto, não concordo com o abrandamento da pena por crime de morte. Se matou, deve ficar na cadeia por muito tempo, independente do motivo. Não pode haver atenuantes para esse tipo de crime. Tampouco, redução de pena. Deve haver, sim, agravantes que levem o assassino a cumprir, até mesmo, prisão perpétua. O perdão cristão para o crime de morte tem banalizado a vida e contribuído para o agravamento da violência.

domingo, 13 de junho de 2021

017 - SEITAS CRISTÃS


(Tetsuya Ishida)


A grande cisão da igreja romana, com a reforma protestante, no século XVI, não melhorou em nada a face cruel do cristianismo. Por obra e graça dessa primeira rebeldia, os protestantes atuais se subdividiram em centenas de seitas de todos os tipos e gostos, com as mais sórdidas vocações, verdadeiras arapucas para tirar dinheiro do povo em troca de falsos milagres, em troca de assento no céu e de outras bobagens mais. Existem seitas multinacionais e seitas de igrejinhas de esquina de rua, todas elas empenhadas em salvar a alma de seus seguidores e a conta bancária de seus fundadores e dirigentes. Pregam, descaradamente, a discriminação religiosa; agridem usos e costumes tradicionais; não respeitam aqueles que lhes são opostos ou diferentes, tudo sob a capa de leis de proteção religiosa. O combate a esse tipo de seita deve ser feito com muito cuidado, para não cair no argumento de perseguição religiosa, que pode tornar-se tão ou pior do que a própria convivência com todos esses idiotas da bíblia, a falar bobagens pelas esquinas, enganando os que acham que não podem viver sem um deus e tirando dinheiro de pobres basbaques e cretinos que acreditam em tudo o que ouvem.


sábado, 12 de junho de 2021

016 - O MACHISMO

 


Uma vingança especial na história da inquisição marca definitivamente o seu traço de crueldade e estupidez: a perseguição às mulheres, na figura das bruxas e feiticeiras. O livro Malleus maleficarum, escrito por dois inquisidores, em 1489, traz a medida correta de como eram vistas as mulheres pela igreja. Notável por sua justificativa da perseguição aos hereges, volta suas baterias principalmente para as feiticeiras, cuja maldade é descrita como a mais perniciosa à fé e ao homem (no caso, ao macho, o que põe a nu todo o machismo cristão e católico). Era preciso que o feminino fosse reduzido ao que a teogonia católica havia inventado: à de responsável pela condição humilhante do ser humano diante de deus, condenado pelo pecado original, o sexo, a viver uma vida miserável sobre a terra, a fim de purgar esse e os demais pecados e depois conquistar de novo o paraíso, no juízo final. À mulher é destinado o papel de traidora, de tentação e de convite ao pecado, por sua luxúria. Não podia nunca a mulher adquirir o papel de companheira do homem, porque isso poderia impedir os planos de subserviência total dos homens, e a igreja devia ter seus motivos para temer a força do feminino, que representa liberdade e, portanto, ameaça. É mais fácil dominar o homem que domina a mulher do que ter de lutar contra a rebeldia feminina que, um dia, havia de vir à tona. Então, a mulher foi o alvo preferido da inquisição: qualquer deslize, o que implicava desde aplicar ervas curativas a não se deixar dominar inteiramente pelo macho, ela era acusada de bruxaria e queimada, para exemplo de todas as demais. Se o homem era impotente, é porque alguma bruxa o enfeitiçara. Se uma aldeia é tomada pela peste ou por uma epidemia, é porque alguma feiticeira havia lançado maldições. E assim, as fogueiras crepitaram durante longos e terríveis anos, por toda a Europa e por onde mais pudessem ver ou imaginar o martelo das feiticeiras, sempre prontos, os padres e seus apaniguados, a entregar, ironicamente, aos tribunais leigos as pobres e infelizes que caíam nas malhas da santa inquisição. O mal causado às mulheres pela inquisição tem reflexos até hoje em nossa sociedade. Só a partir do século vinte, elas começaram a conquistar alguns direitos, mas ainda estamos hoje, em pleno século vinte e um, muito longe de erradicar o machismo do coração dos homens, principalmente porque o cristianismo não foi a única crença a abominar a mulher e a ultrajá-la. Todas as crenças deístas de cunho monoteísta adoram o deus macho, o deus masculino e poderoso, em detrimento de deusas e divindades do sexo feminino. Por isso, não só no ocidente (que começa a dar às mulheres direitos iguais), mas também no oriente (onde ainda se está muito longe da concessão de qualquer direito às mulheres), a igualdade entre os sexos ainda é uma utopia. O deus-macho pertence ao imaginário coletivo da humanidade e será preciso um longuíssimo trabalho de erradicação desse conceito da mente do homem para que, um dia, a noção de igualdade entre todos os seres humanos e, principalmente, entre homens e mulheres, consiga sobrepujar esse tipo de mentalidade.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

015 - A SANTA INQUISIÇÃO

 

(Um auto de fé - autoria desconhecida)


Talvez o fato mais traumático da história da igreja romana esteja na instituição da inquisição, no século XIV. Numa sociedade europeia de características ainda feudais, mas em processo constante de transformação, a superposição da fé cristã às religiões pragmáticas de centenas de povoações camponesas iletradas deve ter tido por consequência a mistura de ritos. Não se pode negar que, a pretexto de explicar o inexplicável – a criação do mundo por um único deus, a existência de um paraíso terrestre do qual o primeiro homem é expulso, enfim, toda uma teogonia absurda – a igreja teve de sofisticar ao infinito a sua teologia, o que a tornou uma das mais complexas teologias da história da humanidade, baseada em mil sofismas desde os filósofos gregos até os exegetas mais modernos, como Tomás de Aquino e Agostinho, canonizados santos por suas teorias e por darem à fé católica um arremedo filosófico. Ora, todo esse arcabouço teórico sofisticado devia ser traduzido por padres e frades não tão cultos, para dizer o mínimo, a populações que, além de iletradas e ignorantes, muitas vezes, tinham a sua própria teogonia, quase sempre ligada a deuses pagãos de origem, por exemplo, celta, que praticavam cultos ligados aos ciclos da lua e do sol, das estações do ano, do momento certo para plantar e colher etc. A imposição do cristianismo não apaga, com certeza, os cultos antigos que, pouco a pouco, devem começar a ressurgir, aqui e ali, para desespero da então já poderosa igreja católica, com seus interesses agrários e de dominação dos incontáveis reinos e feudos que caracterizavam a Europa medieval. Assim, era preciso erradicar qualquer concorrência. Eliminar todo e qualquer culto heresiarca. E a melhor forma de eliminar a heresia é eliminar os heréticos. Assim deve ter surgido a chamada santa inquisição. Que perseguiu e matou judeus e nobres, para tomar suas terras. Que perseguiu e matou camponeses, para impor a lei da obediência e do silêncio. Que perseguiu e matou intelectuais, para evitar ameaças à sua lei. Que não poupou, portanto, nenhuma classe social. Só não se devorou a si mesma, porque não teve tempo, terminou antes.


quinta-feira, 10 de junho de 2021

014 - O MITO MARIANO


(Peter Paul Rubens - Coronation of the Virgin)




Para tocar corações e mentes, repito, o marketing do cristianismo inventou mil superstições. E uma das mais poderosas e perigosas, pelas consequências que ela trouxe, foi o mito mariano. Maria, a mãe do fundador, concebeu um filho por obra e graça de um espírito, o espírito santo, permanecendo virgem, mesmo que as poucas evidências sobre a sua existência deixem claro, até mesmo nos documentos dos próprios cristãos, que ela deve ter tido outros filhos. No entanto, a virgindade da mãe do fundador tornou-se um mito poderoso. Através dele, a igreja romana atingiu diretamente a condição da mulher e tornou-se uma das organizações mais machistas da história. Sendo virgem a mãe do deus, a igreja condena o sexo por ser o pecado primordial, segundo o relato criacionista da bíblia judaica, e exorta a que a mulher se redima através da pureza. Ou seja, a mulher é vista como a responsável pela perdição do homem, mas como o homem nasce da mulher, o deus fundador só podia nascer de uma mulher pura, uma virgem. O culto mariano sofisticou-se através do tempo e tornou-se um dos ramos mais conservadores da igreja romana. Graças a ele, até hoje é vedada a participação da mulher na hierarquia da igreja e são poucos os cultos a que ela pode dar alguma contribuição efetiva. A perseguição à mulher impura, responsável por todos os pecados do homem, teve reflexos na trajetória da mulher ocidental que, até hoje, luta por direitos iguais aos do homem, numa luta contra o obscurantismo absurdo que levou a queimarem bruxas no passado e a condenar qualquer manifestação de liberação ou de rebeldia das mulheres. Só por esse crime, já merecia condenação a existência de uma organização tão poderosa, influente e perniciosa como a igreja romana, herdeira direta da seita cristã dos primeiros tempos. Mas não ficou nisso, o estrago feito por essa organização na mente e na história humana. Muitos outros mitos e inúmeras outras superstições povoam a trajetória da igreja e condenam milhares de seres humanos ao obscurantismo de crenças absurdas e rituais ainda mais cruéis, como a autoflagelação, a penitência, a venda de indulgências, o temor ao demônio, as procissões de adoração a santos e anjos, a confecção e o comércio de relíquias, a instituição dos sacramentos (batizado, crisma, casamento etc.), o pretenso celibato do clero, o fortalecimento do papado, a cobrança de dízimos e muitas, muitas outras barbaridades que têm mantido essa instituição e dado a ela poder sobre uma quantidade imensa de fiéis em todos os países e, até mesmo, influenciado governos de estados soberanos e laicos a agirem de acordo com seus interesses.



quarta-feira, 9 de junho de 2021

013 - UMA USINA DE SUPERSTIÇÕES: O CRISTIANISMO

 

(Bernini - o êxtase de santa Teresa)


O cristianismo tem sido, ao longo do tempo, uma das maiores usinas de superstições já criadas pelo homem. Milhares de idiotices se espalharam pelo mundo e passaram a fazer parte do dia a dia humano. Absurdos sem a menor base lógica tratados como verdades absolutas e repetidos à exaustão por um povo idiotizado, sem que tenha a mínima possibilidade de pensar no motivo por que repete a mesma ladainha e o mesmo gesto ou por que é obrigado a fazer determinada coisa ou pensar isso e aquilo e seguir sempre as mesmas ordens idiotas de padres, pastores, ou que nome se outorgam os pregadores da fé, ou usar tal ou qual vestimenta dessa ou daquela cor ou ser proibido de fazer aquilo que todos fazem ou de sonhar o que a maioria sonha. Torna-se, com isso, o cristianismo um dos maiores entraves ao progresso intelectual da humanidade, uma religião de fracos, de escravos, como diz Nietzsche, mas também uma religião de homens e mulheres arrogantes e prepotentes até mesmo quando pregam a humildade e o amor ao próximo. Gente que prega o amor, mas não aprendeu a respeitar o próximo. Porque, se o próximo não comunga as mesmas ideias, é ou digno de dó ou digno do fogo do inferno.

Se já havia inúmeras superstições antes da era cristã, torna-se, no entanto, o cristianismo pródigo em inventar absurdidades. Desde a origem do seu criador, um homem-deus gerado por uma virgem, vigiado em seu nascimento por um cometa, adorado por reis que ninguém conhece ou de que jamais ouviu falar, o cristianismo criou, desenvolveu e instalou na mente das pessoas inúmeros contos de carochinha, superstições e mentiras deliberadamente elaboradas para atrair e enganar os incautos. Ao longo dos primeiros séculos, o acúmulo de falsas informações sobre o seu criador, cuja existência não está provada historicamente, os seguidores de Paulo de Tarso, um soldado romano convertido, esmeraram-se na divulgação de documentos apócrifos e evangelhos com a vida e os milagres de um homem que teria dado a vida pela humanidade. A partir daí, o fanatismo fez o resto. Mesmo a intensa perseguição movida pelo Império Romano foi transformada num marketing poderoso, talvez o mais inteligente e agressivo da história da humanidade. Mártires foram elevados à categoria de santos. Hermeneutas traduziam em palavras de mais fácil entendimento da turba ignorante os ensinamentos dos “mestres”. Pregadores aumentavam os pretensos milagres e criavam outros. A esperança tinha um nome: o céu. Para onde deveriam ir ter todos os humildes. Era, pois, a seita que melhor soube administrar o forte apelo de uma mensagem de esperança, ainda que falsa esperança: a de que o rico e o poderoso não conseguiriam entrar no reino de seu deus. Mas só a ideia de céu não era suficiente. Era preciso criar um oponente não só à ideia de paraíso, mas também ao criador do céu e da terra. Ressuscitaram, então, todos os demônios e o inferno, para ameaçar os que se mostravam relutantes. Quem se arriscaria a perder a alma imortal nas chamas de tão poderoso inimigo? E a igreja romana começou a organizar-se, com uma estrutura piramidal copiada das legiões romanas, com inúmeros cargos e divisões até o comando central constituído por um papa, general supremo, senhor de todas as almas, com qualidades que o tempo se encarregou de incrementar, como a infalibilidade, por exemplo.


terça-feira, 8 de junho de 2021

012 - O CULTO À MORTE

 


 (Adolph Menzel-_Drei_gefallene_Soldaten_in_einer_Scheune,1866)



Outro grande estrago causado pelo cristianismo foi o culto à morte. A ideia de recompensa aos justos, ou seja, àqueles que seguem a doutrina, acabou por formar uma raça de iludidos facilmente manipuláveis e manipulados pelos espertos de plantão, desde os que vestem togas e mitras até os que usam paletós e gravatas nos escritórios de Wall Street. E essa massa de coitados e pirados pela salvação faz de tudo para preservar o seu cantinho no céu, independentemente do que venha a fazer em vida. Isso dá lugar a toda forma de exploração e justifica qualquer tipo de doutrina espúria, desde que os atos praticados, quando maus, tenham o devido arrependimento ou o sejam em nome do deus. Admite-se desde a autoflagelação, como testemunho mártir da fé, até jogar bomba sobre a cabeça de inocentes. Afinal, no dia do juízo, ou na outra vida, desde que rezem algumas orações e se digam arrependidos de tudo, o tal “pai” irá se regozijar por esse arrependimento e dar ao estuprador, ao assassino, ao genocida, o mesmo tratamento dado ao santo idiota que viveu a fazer a caridade e a pregar a bobagem da palavra santa, sem nunca ter matado nem mesmo a mosca que lhe contaminou a ferida na perna e causou-lhe dores horrendas.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

011 - A CRÍTICA DAS RELIGIÕES

 

(Agnolo Bronzino- The Holy Family with the Infant Saint John the Baptist)


Abandono, aqui, o discurso antideísta, mas não o discurso antirreligioso. Ou seja, independentemente de qualquer deus, é preciso fazer a crítica das principais religiões que disputam a fé dos homens e apontar suas mazelas e contradições. A divisão da humanidade em seitas e religiões é uma das mais perversas formas de segregação e exclusão que o ser humano exerce sobre si mesmo. Nem a divisão em raças é mais perversa. Acredito, mesmo, que o racismo seja fruto muito mais do estranhamento e do ódio à diferença de usos, costumes e crenças do que da cor da pele ou de traços fisionômicos. Ou seja, a religião tem, sim, alguma culpa pela existência do racismo, já que indivíduos que pretensamente pertencem a raças diversas (com cujo conceito não concordo e o qual discutirei mais adiante) convivem melhor quando têm o mesmo credo. Mas se odeiam mais profundamente quando têm práticas religiosas divergentes. Além de usos, costumes e tradições, é claro.

Como ser gregário, o ser humano se uniu em torno de necessidades básicas, em primeiro lugar: sobrevivência e procriação. Depois, em torno de coisas comuns, como ter ou não o fogo, cultivar ou não determinadas plantas, caçar ou não determinados animais. Ter ou não ter determinadas habilidades etc. Na sociedade mais evoluída, as ideias passaram a ser o fator de união: crenças, costumes, cultos. Assim nasceu a religião. Como elemento mágico e como elemento de união entre indivíduos e de divisão entre tribos e nações. Creio que, no início, cada clã tinha o seu deus, mas novamente o gregarismo apontou para a fusão de deuses até chegar ao monoteísmo, um conceito altamente sofisticado, mas de tremenda força de exclusão. Ou se acredita no deus único ou está fora da criação. E os exilados arderão para sempre na ira desse deus. Assim, religiões monoteístas autoritárias suplantaram e destruíram o politeísmo democrático, embora tão embrutecedor quanto o primeiro.

A assim autodenominada civilização ocidental herdou os princípios do monoteísmo judeu e criou, como uma meia dissidência, o cristianismo. Não vou, aqui, argumentar sobre a origem do cristianismo, ou se esse deus pendurado num madeiro existiu ou não, ou se os conceitos cristãos foram criados por ele ou por seus seguidores a posteriori. Interessa, apenas, nesse momento, fazer a crítica de sua doutrina e do quanto essa doutrina representa em termos de crença estupidificadora para o ser humano moderno.

O cristianismo não tem novidades filosóficas, em relação a seus antecessores. Remontou em máximas de fácil aceitação o que há muito existia em religiões orientais e no judaísmo antigo. Mesmo a ideia de amar uns aos outros já existia em dogmas anteriores. Ao acrescentar “tanto quanto eu vos amei”, sendo aí esse “eu” o do fundador, não há nenhum acréscimo significativo, porque é impossível medir uma quantidade de amor. No entanto, essa máxima tem sido um dos pilares do cristianismo. E também um dos seus maiores problemas. Porque ninguém consegue amar o outro. A louca vontade de amar o outro esbarra em obstáculos intransponíveis: o ser humano não foi talhado para amar o outro, porque, desde os primeiros tempos, no seu código genético, está escrita a desconfiança para com o diferente. Superar essa desconfiança tem sido um dos maiores esforços da humanidade para atingir um grau razoavelmente civilizado de convivência. E isso exige um esforço imenso do cérebro humano, novas sinapses e novas relações químicas têm de ser ativadas para chegar à compreensão do outro e maior esforço ainda para a sua aceitação. Além disso, o conceito de amor, um dos mais sofisticados sentimentos produzidos pela química cerebral, é muito recente na genética humana. Provavelmente, o amor tenha sido desenvolvido pela fêmea para proteger o seu filhote e, depois, num lento processo de convencimento e de transmissão genética, ela fê-lo chegar ao macho, como necessidade monogâmica de proteção ao clã. Portanto, o sentimento de amor é despertado para com o outro apenas enquanto o outro seja visto como o companheiro ideal e para com alguns dos demais membros do clã ou da família, em termos modernos. Quando muito, o amor se estende a um “amigo”, tratado como um ser que não pertence ao clã, mas que pode eventualmente ajudar a proteger esse clã e nunca o ameaçar. Assim, o amor ao próximo pode, quando muito, traduzir-se em reconhecer o próximo, desde que não haja ameaça. É impossível amar o inimigo ou, mesmo, o desconhecido. Porque tudo quanto é desconhecido pode tornar-se inimigo. Então, se não consigo amar o inimigo, por não o conhecer, o sentimento mais próximo é o desprezo e, depois, o ódio. Ou, então, crio um falso amor ao inimigo que me leva a destruí-lo, como uma forma de compensá-lo por ser diferente e não alcançar, como eu, os benefícios prometidos por meu deus àqueles que o louvam e adoram. Ou ainda: como não consigo amar o inimigo, desumanizo-o. Desumanizando-o, posso destruí-lo como aberração, como obstáculo aos desígnios de meu deus. E assim, seguem as guerras e uma boa desculpa para a sua existência.

Só com esse preceito absurdo, do “amai-vos uns aos outros”, o cristianismo criou mais desavenças e mais ódios do que todos os demais preceitos, que se tornam secundários diante desse estrago. Em torno disso, no entanto, mil formas de superstições foram criadas e desenvolvidas, até chegar aos processos complexos que hoje permitem que religiões e seitas tão distintas entre si se digam cristãs e se odeiem pelos mesmos princípios.


domingo, 6 de junho de 2021

010 - ATEÍSMO E DEÍSMO

 

(Benvenuto Cellini - cruxifixo do Escorial)


Não tenho ilusões de que o ateísmo possa prevalecer em curto ou, até mesmo, em médio ou longo prazo. A conscientização do ser humano para uma verdade mais cristalina é trabalho para muitas gerações, desde que a força ateística consiga ganhar, pouco a pouco, posições de destaque no mundo e não seja perseguida pelo lobby deísta, cujos interesses, principalmente financeiros, são muito poderosos. Não adianta dizer às pessoas que não creiam em deus. Isso não leva a nada. É preciso que um trabalho lento de conscientização de massas que hoje trilham o caminho da mais absoluta ignorância seja feito de forma sistemática na busca da diminuição gradativa da influência de deus ou de deuses na vida humana. É preciso que as pessoas se convençam de que não precisam desse deus vingativo, explorador e mercenário. É preciso que as pessoas se convençam de que não serão, primeiro, punidas por não fazerem aquilo que o seu deus manda e, segundo, que não serão expulsas do paraíso depois que morrerem. E esse segundo passo é o mais difícil de todos. Porque a crença na vida após a morte ou na existência de uma alma imortal é um dos mitos mais arraigados na consciência humana, por ser um mito primário, ligado às forças mais primitivas da existência do homem sobre a face da terra. Eliminar esse mito creio ser tarefa hercúlea e quase impossível. Só o conseguiremos daqui a alguns milênios. Com a evolução da ciência, da mente humana, da capacidade de compreender melhor os mecanismos da vida e da natureza. E há ainda a crença mais ou menos moderna de que a religião serve de freio aos instintos maléficos do homem. Muitos argumentam que o ideário deísta, com suas regras e pregações pela união, amor entre os humanos e outras babaquices, tenha o efeito de evitar que os seres humanos se matem mais do que já o fazem. Mas eu penso justamente o contrário: que a filosofia deísta é muito mais responsável por matanças inúteis e assassínios absurdos do que a crença numa única existência que é o bem supremo do ser humano e deve ser preservada a todo custo. Por não dar valor à vida, já que haverá a recompensa após a morte, o deísta sofre diante da morte brutal de outro ser humano, mas a ela se conforma, não condenando de forma cabal a violência ou a guerra. Já o ateísta, tendo consciência de que não haverá segunda oportunidade, defende com maior vigor a punição do assassino, luta contra a pena de morte e contra a existência das guerras, procura sempre a melhoria das condições de vida na terra e tem uma visão mais humanista das relações entre as pessoas. Não quero, com isso, dizer que todos os deístas são maus e todos os ateístas sejam bons, porque isso seria uma grande bobagem. Estou dissertando em termos teóricos e abstratos, na busca de uma sociedade mais humana e mais igualitária. Não posso negar que a maioria dos grandes beneméritos da humanidade tenham tido suas crenças deístas, e muitas vezes justificaram suas ações com a fé em deus. No entanto, não há lógica em pensar que não fariam tudo quanto fizeram ou muito mais se não tivessem essa fé ou essa crença. Portanto, o que eu quero dizer, para concluir esse longo discurso ateísta, é que o homem não precisa de deus ou deuses para ter um conjunto de normas éticas de conduta, já que não foram os deuses que instituíram os tais mandamentos ou normas éticas, mas foram criadas pelo próprio homem. Basta continuar seguindo os mesmos princípios, agora sem a tutela de um deus inútil e vingador.


sábado, 5 de junho de 2021

009 - A MAGIA INÚTIL DOS DEUSES

(Augustin Pajou - Mercury)



Eu não sou ateu porque não creio na existência de um deus. Porque deus existe, sim, criado pelos seres humanos para satisfazer suas necessidades de magia. Eu sou ateu porque acho inútil a crença em deus, tão inútil quanto dançar para fazer chover. Eu sou ateu porque acho que a humanidade não precisa de deus ou de deuses. Eles são parte do imaginário humano tanto quanto o saci-pererê e a mula-sem-cabeça. Só que o saci-pererê e a mula-sem-cabeça, pelo que eu sei, não exigem do homem templos para seu culto nem orações por suas bênçãos nem dinheiro por suas graças. E os deuses que o homem inventou exigem isso e muito mais. Além de ocupar uma grande parte da capacidade de imaginação e de invenção do cérebro humano, que poderia e deveria ter sido orientado para coisas muito mais importantes e úteis e mais belas que a crença e o culto em divindades que, se formos pensar com objetividade, nunca trouxeram nada de aproveitável para o conhecimento humano. Trouxeram, sim, divisões e exclusões, maldições e guerras. Contribuíram para aprofundar diferenças e provocar ódios. Impediram e impedem descobertas e criações que tornariam melhor a vida humana. Separam países e famílias e pessoas. Pregam amor e semeiam ódio. Pregam o perdão e exigem a vingança. Ameaçam os seus seguidores e até mesmo os não seguidores com o fogo do inferno e outras desgraças. Enfim, as divindades que a humanidade criou e a quem presta cultos são divindades medonhas, em suas exigências e doutrinas. Sugam do ser humano o entendimento mais claro e lógico e, por isso mesmo, mais belo e verdadeiro, do mundo que o cerca. Impedem uma visão mais simples da vida e a desvalorizam com a crença em espíritos, almas ou vida além da morte. Acabam, por isso, sendo deuses da morte e não da vida. Livrar-se deles pode ser um exercício difícil e complexo, mas não há saída para a humanidade senão deixar de cultuar esses deuses malditos. Ou amenizar sua influência em sua vida. Ou, ainda, humanizá-los de tal modo que eles passem a permitir que o ser humano seja dono de si mesmo. Mas, nesse caso, o paganismo acabaria por prevalecer e os deuses pagãos são tão perniciosos quanto os deuses cristãos, muçulmanos, judeus ou de qualquer outro povo moderno. A saída é mesmo botar porta fora todos os resquícios de magia inútil prometida pelos deuses.


sexta-feira, 4 de junho de 2021

008 - ARMADILHAS DO PENSAMENTO

 

(Francisco de Goya - Le Sabbat)


A armadilha de que falamos anteriormente deve ficar um pouco mais clara. São armadilhas do pensamento humano as crenças ilógicas, as superstições absurdas, as religiões e o desejo de entender e resolver o mundo através do pensamento mágico. O ser humano ainda crê que é possível quebrar a relação causa e efeito. Assim, mergulha sua capacidade criativa na vontade de sobrevivência, ritualizando a vida, praticando magias através de cultos inúteis e crendo em deuses e espíritos e em vida além da morte. São ritos que não trazem nada de bom para o ser humano, ou por mergulhá-lo em preconceitos excludentes ou por serem inúteis. Não me adianta dançar uma dança, por mais bonita que seja, no terreiro de minha casa, que isso não vai trazer nuvens e provocar chuva. Se chover, não terá sido pela minha dança, mas por um simples acaso e por circunstâncias da natureza, já que chover é algo que ocorre de vez em quando. E pode muito bem ocorrer enquanto eu estiver dançando. A necessidade de magia tem mantido o ser humano envolto em trevas de que ele precisa livrar-se, para realmente começar a ter alguma percepção real do mundo que o cerca. Nenhum ser humano está livre do pensamento mágico, até agora. Porque somos condicionados a ele e por ele. No nosso dia a dia, a todo instante podemos nos surpreender tendo pensamentos mágicos. Mesmo os mais céticos. Quem já não teve o vislumbre de, ao ver, por exemplo, os mesmos números repetidos em várias placas de carros, pensar em jogar na loteria esses números e ficar milionário? Ou de sonhar que um parente remoto e desconhecido nos deixe uma fortuna? Ou que o amigo há muito perdido retorne de repente numa tarde de primavera? O pior é que isso – e muitas outras coisas aparentemente inexplicáveis – ocorrem, porque assim é a vida, cheia não só de som e fúria, como disse Shakespeare, mas de zonas cinzentas e coincidências absurdas que reforçam em nós, pequenos idiotas do cotidiano, a idéia de que forças mágicas dominam nossas vidas ou convivem conosco, mudando nosso destino. E que bastam alguns salamaleques ou alguns gestos mágicos para que essas forças se manifestem.


quinta-feira, 3 de junho de 2021

007 - A IMAGINAÇÃO HUMANA


(Jacques Dhont - flying machines)


A capacidade de imaginar e de inventar acabou se tornando uma armadilha para a capacidade que tem o ser humano de estabelecer ligações lógicas, ou seja, sua capacidade de ação. Uma armadilha da qual ele ainda não se livrou e, com certeza, levará muito tempo para se livrar definitivamente. Quando isso acontecer, a liberdade que ganhará o pensamento humano poderá leva-lo a um estágio um pouco superior ao que hoje estamos. Ou diferente. Porque a evolução humana – que vai ocorrer em termos biológicos e filosóficos – caminhará de forma mais rápida na capacidade de pensar. O cérebro humano evoluiu como uma usina de capacidade quase infinita: há espaço para crescer e estabelecer ainda milhões de sinapses ou ligações químicas que ainda não exploramos. É o cérebro humano até agora a mais fantástica máquina já desenvolvida pela natureza. Se fizermos um exercício de futurologia baseada nas leis da lógica evolucionista, poderemos ter a surpresa de chegar à conclusão de que o ser humano de um futuro muitíssimo remoto será só cérebro. É claro que isso não vai acontecer, porque precisamos de uma máquina que seja comandada por esse cérebro, senão ele se tornará inútil. E essa máquina é o corpo humano, que também deverá evoluir. Para quais outras formas, não sabemos. Fica o desafio de as pessoas interessadas tentarem imaginar.


187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...