quarta-feira, 30 de junho de 2021

033 - FALSO HUMANISMO

 

(César Yauri Huanay) 

As minhas diatribes contra o deísmo, representado no ocidente pelo cristianismo, baseiam-se no fato de que há uma aura de falso humanismo envolvendo a crença em deus ou em deuses. Os cristãos, e todos os deístas, não estão preocupados com o homem, em seu conceito de ser vivente, mas apenas como algo abstrato, que eles chamam “alma” ou “espírito”. Ao espiritualizar a natureza humana, ser humano deixa de ser humano. Torna-se integrante da divindade. Como tal, valoriza-se, então, não a vida, mas a morte, o mistério. Essa desumanização, essa crença em valores não terrenos, tem efeitos catastróficos no imaginário da humanidade. A vida, que tantas vezes já repeti que me torno enfadonho, deixa de ser o bem mais precioso para tornar-se o meio de chegar ao divino. Logo, pode ser ceifada sem nenhum profundo arrependimento, pois a divindade irá perdoar todo aquele que se arrepende ou, como no caso de religiões orientais, irá até mesmo recompensar quem mata em nome ou por causa dessa divindade. Há, portanto, um deus carniceiro por trás de cada cristão, mulçumano, judeu ou seja qual for o seu credo. Os profetas do deísmo só valorizam a vida humana como meio, como instrumento de seu deus. Não há, por isso, nenhum humanismo nas ações ditas humanitárias dos deístas. Mesmo quando praticam a caridade, fazem-no com o sentimento na outra vida, como uma forma de agradar a seu deus, não como uma forma de real preocupação com o destino físico dos seres humanos, apenas uma forma de minorar o sofrimento. Afinal, ninguém gosta muito de ver o outro sofrer, apesar de ser o sofrimento o meio pelo qual o deísta pode chegar mais rapidamente ao seu deus. Numa cena antológica de um filme - “Diários de motocicleta”, de Walter Salles, sobre a juventude de Che Guevara -, a madre superiora de um acampamento de leprosos não permite que se sirva o almoço aos que não assistiram à missa. Isto é o que acontece com a moral cristã da caridade: compram, literalmente, a alma dos pobres e infelizes que não têm onde cair mortos, para entregá-la ao seu deus, por um prato de comida, esquecidos de que são um dos produtores da miséria, ao darem seu aval a regimes econômicos e políticos que mantêm o povo nesse estado, ou contribuem para que isso se perpetue, pois, afinal, assim a divindade o deseja. Nesse longo processo de desumanização a que se submeteu a humanidade sob a égide do cristianismo e de outras religiões, a incapacidade de se ver como outra coisa senão um servo da divindade obstruiu a visão dos humanos de si mesmos e criou um dos idealismos mais perigosos para ele próprio: a busca da felicidade. Por mais cruel e pessimista que possa parecer, eu afirmo que o ser humano não nasceu para ser feliz: nasceu para viver, apenas para viver. E o conceito de vida que eu tenho é viver com dignidade, ou seja, dentro do seu plano individual de existência, sem que esse plano possa ser interrompido, impedido de se realizar ou estar a serviço de uma divindade absurda. Viver com dignidade devia significar que eu pudesse traçar o meu destino neste mundo e buscar realizá-lo, seja ele qual for, sem a interferência de deus ou do diabo, apenas seguindo e fazendo aquilo que me traz satisfação. A vida humana consiste nisto: nas pequenas realizações do cotidiano, na segurança de não ser morto em qualquer esquina por qualquer motivo, na segurança de que posso viver e conviver com minha família, meus amigos e realizar os pequenos sonhos que me trazem alegria, que me trazem o prazer de viver em paz. Não há muito que buscar de transcendente, de moral ou de espiritualismo para que a felicidade humana se realize. Não há ideais grandiosos nisto? Que importa? A maioria absoluta da humanidade deseja muito pouco para se considerar feliz: uma casa, emprego que dê o suficiente para se sustentar com a família, as pequenas alegrias cotidianas e segurança. Vive a pessoa comum com, relativamente, muito pouco e se sente feliz com isso. São absoluta minoria os que almejam grandes feitos ou não se contentam com isso. E esses também devem ter o seu quinhão, pois sem eles a humanidade não teria como alcançar outras medidas em sua evolução constante. Não quero fazer, aqui, o elogio da mediocridade, apenas constatar que ela existe e é soberana na composição da humanidade. Os sábios, os cientistas, os aventureiros, os esportistas, os artistas, por mais que pareçam muitos e apareçam na mídia, são poucos, muito poucos. Fazem a diferença, é claro, mas constituem a exceção que comprova a regra. A maioria dos mortais deseja, simplesmente, viver em paz e realizar seus pequenos desejos do dia a dia, sem a ideologia estúpida de ter de se dedicar a um deus que se esconde nas palavras de padres, pastores, rabinos ou seja lá quem esteja pregando, para levá-lo a uma outra vida que não existe e torná-lo um bobo alegre nesta existência, ao pretender alcançar a salvação de algo que ele não tem, a alma, ou pagar um pecado que ele não cometeu, o tal pecado original do cristianismo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...