sábado, 31 de julho de 2021

052 - RECUSA AOS HERÓIS GENOCIDAS

(Antoine Caron - 1521-1599 - triumph of winter)



Se não existem categorias de bem e mal, como punir o assassino? Essa pode ser a pergunta que não quer calar. No entanto, não há por que duvidar da punição àquele que comete crimes contra a natureza. Embora a natureza humana seja, ainda, cruel, porque não nos livramos de nosso lado instintivo de preservação da vida através da destruição de outro ser, temos que fazer o esforço necessário para superar esse instinto e ascender como ser racional, para nos convencer de que provocar a morte de outro ser humano é um crime contra a nossa atual natureza e, portanto, deve ser condenado sob todos os pontos de vista como o crime mais cruel e desumano. Atingir esse estágio de evolução é proscrever da face da terra o crime de morte, as lutas e guerras, as armas e seu poder de destruição. O ser humano precisa deixar de ser o seu próprio predador. Precisa deixar de cultuar os heróis guerreiros e passar para uma fase de total condenação de todos aqueles que construíram reputações em cima da morte de outros seres humanos. São totalmente absurdos homens como os césares romanos ou como Carlos Magno ou Napoleão. Deverão ser considerados, no futuro, numa civilização mais avançada, como loucos, imbecis ou homens cujo exemplo não contribuiu para o aperfeiçoamento da raça humana. Deviam, desde já, ser execrados nos livros de história, nos ensinamentos a nossos filhos, e não servirem de exemplo de vidas gloriosas. São apenas loucos assassinos e nada mais. Seus atos são fruto de imbecilidade ou de loucura. Seus feitos devem ser jogados na lata de lixo da história, como seres desprezíveis que se aproveitaram de momentos únicos da história para revelar o lado monstruoso da natureza humana, o lado da conquista sem limites, do assassínio frio e sem motivos. A guerra, sim, é o ato mais doloroso da espécie humana, o lado mais negro da dura luta do ser humano para se tornar mais civilizado. Não há, no entanto, nessa condenação tácita do ato guerreiro o julgamento moral de que ele representa o mal. A guerra não é o mal e a paz, o bem. Apenas julgamos a guerra um ato desprezível, inventado pela incapacidade humana de buscar, no atual estágio de evolução, o verdadeiro equilíbrio que lhe possibilite compreender as diferenças e viver em harmonia com outros seres humanos. E na raiz de todas as lutas, de todas as guerras, está sempre o estranhamento pelo diferente, a não aceitação do que parece ameaçador à primeira vista, como hábitos distintos, cor da pele ou um jeito diferente de olhar. O ser humano não compreende que não precisa rosnar e defender o seu território com garras (ou armas), diante da aproximação do estrangeiro, como o faz o animal acuado diante do desconhecido. Os humanos possuem um grau de inteligência que lhes permite avaliar situações e uma capacidade que nenhum outro animal possui: a comunicação, para expor suas dúvidas e ouvir as razões do outro lado. O encontro entre desconhecidos, sejam indivíduos ou povos, não podia se transformar em tragédias anunciadas como aconteceu entre o europeu e os povos americanos, por exemplo. Somente a arrogância de um e o temor, confundido com a fraqueza, de outros pôde determinar um dos maiores crimes já perpetrados contra a raça humana e já cometidos por um povo contra outro. O preconceito e a ignorância nunca foram elevados a tal potência, como no encontro entre o cristão e o pagão, em terras da América. O olhar que viu o ameríndio não soube reconhecer o igual. E por não reconhecer, destruiu civilizações, matou milhares de seres humanos e contaminou outros milhões com o vírus de seu ódio, muito mais pernicioso do que os vírus reais que ajudaram a dizimar com a influenza e outras doenças milhões de outras vidas ao longo do tempo. A dominação selvagem do europeu repetiu-se em outras terras, como na África, sem que a lição anterior fosse devidamente apreendida. E se outros contatos houver, novos genocídios ocorrerão. Assim é o ser humano. E assim não devia ser o homem. No entanto, a compreensão dessa natureza selvagem podia ter um olhar um pouco mais ameno, se não tivesse a raça humana se vangloriado de suas crenças, de suas filosofias e de seus deuses. Crenças, filosofias e deuses que, segundo os livros ditos sagrados, os ensinamentos ditos superiores e os deuses ditos benfazejos deviam ter tornado o ser humano mais cúmplice de si mesmo, mais humano dentro de suas monstruosidades, mas compassivo diante do outro. Por isso, a minha revolta diante de todo esse falso conhecimento adquirido até agora pela humanidade. Não há niilismo em minhas palavras, mas nojo em relação a todos esses princípios deístas fundados em palavras infames, como as dos deuses que dizem que quem não está com eles está contra eles. Temos, todos os seres humanos lúcidos, de combater sempre essa praga que é o deísmo, como, isso sim, um dos maiores males da humanidade, como um desvio de rota da evolução humana, para poder (quem sabe, um dia?) vislumbrar uma nova linha de pensamento e de civilização para a humanidade, liberta de suas malditas crenças e superstições, quando, então, o bem o e mal deixarão de ser categorias absolutas e serão jogados para sempre no esquecimento ou no folclore. E a lata de lixo da história agradecerá, se contiver todos os livros ditos sagrados, todos os deuses ditos benfazejos, todas os ensinamentos ditos superiores e todos os heróis com suas mãos pingando sangue.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

051 - O MUNDO DIVIDIDO ENTRE O BEM O E O MAL

(Bernard Buffet (1928-1999): Dante)


Não acredito na existência do mal. Tampouco do bem. São categorias criadas pela mente adormecida pelas crenças deístas. Se não houver o mal, não há necessidade de um deus para opor-se-lhe. O diabo precisa de deus e deus precisa do diabo. São faces da mesma moeda. Criações necessárias não ao equilíbrio de uma pretensa luta entre eles, mas necessárias para manter a mente humana ocupada em servir a um e a exorcizar o outro, conforme o lado da balança em que se coloque a imbecilidade humana. Na natureza, essas duas categorias não existem. As forças que regem a natureza apenas atuam. Não julgam, não se opõem entre o bem e o mal. A enchente do rio não tem a pretensão disso ou daquilo. Ela apenas ocorre, porque é de sua natureza ocorrer. O vulcão explode sem intenção alguma, a não ser porque existe para explodir como consequência de forças poderosas no interior da terra, que devem equilibrar-se por alguma lei que não conhecemos muito bem. E assim, com todos os fenômenos naturais: não há bondade ou maldade, apenas cumprem leis que os seres humanos vão pouco a pouco descobrindo. Também no reino animal, o leão não mata o cervo porque lhe quer mal, mas o cervo é, para o leão, apenas a comida que o mantém vivo. Há uma lei natural sob cada acontecimento na natureza. A humanidade, dentro desse mundo de absoluta neutralidade, por um capricho da própria natureza, ganhou a capacidade de interpretá-la. E, ao fazê-lo, sempre o fez mal. Ao ganhar consciência e, por extensão, inteligência, não soube primitivamente interpretar os acontecimentos como tais. Precisou dar-lhes conteúdos que eles não têm, ao não entender as causas de suas ocorrências. Assim, criou, sem querer, a metafísica. O mundo além do físico. E povoou esse mundo de seres imaginários. Quando nos referimos aos deuses do olimpo grego, tenho a impressão de que muita gente imagina que verdadeiramente esses seres conviviam diariamente com os humanos e que se podia encontrar com eles nas ruas e estradas, ou nos templos, aonde acorriam os filósofos, os governantes e até mesmo o homem comum, para falar com eles e ouvi-los. As desavenças e lutas entre eles são relatadas com tanta “humanidade”, que parecem velhos conhecidos que viveram, amaram, sonharam e um dia morreram, quando a cultura grega deixou de ser o que era. Afinal aí estão os relatos dos poetas, dos filósofos e dos dramaturgos e as estátuas e pinturas para provar sua existência. E esses seres inventados podiam trazer o bem, quando a chuva apenas contribuía para matar a sede e fazer crescer as plantas, ou trazer o mal, quando a chuva inundava pastagens e plantações e destruía e matava humanos e animais. O mundo categorizava-se, dividia-se, para poder ser compreendido ou controlado. Compreender e controlar as forças da natureza dependia, então, dos seres imaginários, dos deuses, enfim dos donos de todas essas forças. E como eles eram irascíveis, precisavam ser adulados com palavras ou sacrifícios. Uns, no entanto, atendiam. Outros, não. E a noção de bem e mal se instalou na mente humana. Não para sempre. Até hoje. Não conseguimos, ainda, viver sem essa dualidade. Porque, afinal, praticamente tudo na natureza que nos rodeia e que enxergamos tem dois componentes, a partir do próprio ser humano: se tem um só cérebro, há dois hemisférios; se há um só corpo, há dois braços, duas pernas etc. Pensamos dualmente. Não é à toa que o computador tem uma linguagem dual. Sempre buscamos o outro, para nos completar. Na vida animal, incluindo o ser humano, o casal constitui a situação dita normal. O sexo masculino e o sexo feminino. Essa forma dualista de pensar ocasiona, é claro, inúmeros problemas: rejeitamos ou temos a tendência de rejeitar tudo o que contraria essa “normalidade”. Daí ao preconceito, é um pulo. O diferente representa o mal ou a sua manifestação e, por isso, deve ser destruído: o índio, que era diferente para o europeu; o negro, que é diferente para o padrão branco que se diz prevalente; o homossexual, que contraria o modelo... Enfim, categorizar o mundo em mal e bem está na fonte de muitas incompreensões, de muitas guerras, de muitos genocídios. O preconceito, fruto do estranhamento, somente será totalmente superado, quando o ser humano deixar de dividir o mundo, mesmo que inconscientemente, nas categorias de bem e mal.


segunda-feira, 26 de julho de 2021

050 - DEUS É UM GENE

 

(Remedios Varo - Naturaleza-Muerta-Resucitada-1963)


A genética não é apenas a ciência do futuro, mas será através dela que a humanidade se libertará das superstições que fazem de sua história um misto de horror e vergonha. A genética libertará o ser humano dos deuses, ao confirmar para todos a origem biológica da vida, sem intervenção de forças divinas. Deus está no gene. Ou, melhor, deus é um gene. A cadeia da vida revelará o passado do ser humano e descortinará seu futuro. Ainda provocará muita polêmica, mas sobreviverá ao obscurantismo que deseja engaiolar a genética, mas as experiências laboratoriais, feitas dentro de uma ética humana e não divina acabarão prevalecendo e propondo para a humanidade dilemas até então impossíveis. Um desses dilemas será a intervenção humana para controle de doenças, de deformidades e, consequentemente, da melhoria do código genético da humanidade, o que contribuirá para acelerar o processo evolutivo da raça humana. Um outro dilema consistirá na adequação da população à capacidade do globo. Um controle populacional, eugênico, será posto em prática, como política de salvação do gênero homo sapiens, o que vai gerar, no começo, muita discussão e polêmica, mas será a única saída para manter as condições da Terra favoráveis à existência da humanidade. O globo não suporta níveis elevados de população. Não faz sentido termos uma humanidade de dez, vinte ou mais bilhões de pessoas, com uma quantidade insuportável de miseráveis e famintos por causas estruturais, por ser impossível haver produção suficiente de alimentos e de condição de vida minimamente decente. Uma visão objetiva, não deísta, deverá prevalecer, para que a explosão populacional seja contida. Não se trata de adotar políticas de controle populacional para acabar com os miseráveis, mas para acabar com a miséria. Os recursos são escassos ou finitos e deles depende a sobrevivência genética do ser humano. Não adianta, nesse caso, nenhum tipo de raciocínio ideológico. Não haverá paz, nem democracia, nem melhoria de condições de vida para todos, com uma população que exceda os recursos possíveis de serem produzidos. Isso é lógica, não ideologia. Porque a humanidade compreenderá que não há possibilidade de igualdade absoluta, de que todos os seres humanos tenham exatamente as mesmas probabilidades de vida. Também não consentirá que permaneça o atual estágio de capitalismo selvagem. A distribuição melhor da riqueza, numa espécie de socialismo não-utópico, realizado dentro de leis mercadológicas mais humanas, tornar-se-á o caminho único para a própria sobrevivência ser humano. Se esse sistema atual permanecer por muitas décadas, aprofundando as diferenças, o risco de levantes dos miseráveis contra os mais ricos fará das guerras anteriores da humanidade parecerem brincadeira de criança, pois a barbárie total será o mote dessas lutas, com um tão forte conteúdo iconoclasta e destruidor que pode mergulhar a humanidade num longo período de anarquismo e trevas, com a desorganização de todo o aparelho de controle social, com a destruição de conquistas longamente acalentadas. E isso atrasará por alguns milênios a capacidade civilizatória da humanidade. Assim, não vejo saída senão a adoção, e isto dentro do mais breve espaço de tempo possível (no máximo, em um ou dois séculos), de políticas sociais de inclusão e de controle da quantidade de miseráveis no mundo. Isso porque eu acredito que, não havendo possibilidade da igualdade absoluta, sempre haverá miseráveis. Mas esses devem permanecer na cota dos que não se integram, dos marginalizados, dos que se mantêm, por motivos tribais, religiosos, culturais, em oposição à ideia de viverem num mundo em que se acham deslocados. No entanto, esses bolsões de pobreza e miséria, que constituirão uma exceção, poderão ser controlados através de políticas sociais que não permitam que eles cresçam e ameacem a sociedade. Serão os excluídos de um quase paraíso, mas, adotados pelas populações mais abastadas, terão o seu direito de exclusão respeitado e, de certo modo, sobreviverão, como um resquício de um mundo antigo, arcaico e cruel. Serão anomalias consideradas “normais” e assimiladas pela sociedade.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

049 - VIOLÊNCIA E SOCIEDADE

(Fernando Botero - Abu-Ghraib)

O tecido social forma-se a partir da harmonia entre as diversas camadas que o compõem, formando uma malha harmônica de interdependência e de inter-relações. Há espaço para determinadas degenerações, como a brutalidade, o estupro, o assassínio, porque esses atos são parte, ainda, da natureza animal do ser humano, de sua carga genética através dos tempos. E muito tempo correrá ainda para que esse tipo de herança se esvaia e se torne uma lembrança dos tempos tenebrosos em que ainda vivemos. Mas, mesmo nesses tempos, há um certo nível de crimes que a sociedade assimila, o que poderíamos chamar de uma certa “normalidade”. No entanto, quando esse nível atinge números assustadores de violência, é que o tecido social se acha corrompido, não por um mal, mas por injunções de crescimento populacional, miséria, falta de perspectivas de vida, falta de princípios éticos que refreiem os instintos de violência. O século vinte foi o século em que mais se matou, na história da humanidade. Não apenas nas duas grandes guerras que o marcam para sempre, mas também em milhares de outros pequenos conflitos regionalizados, com um índice absurdo de massacres, genocídios, assassinatos, perseguições. E também foi o século em que a humanidade atingiu picos de crescimento populacional. O mundo entrou em processo de desequilíbrio, porque o ser humano não está preparado para conviver com o outro em tão grande quantidade. É como se tivéssemos num pequeno jardim um efervescente surto de plantas e, de repente, começassem a surgir de todos os pontos ervas daninhas a atacar as demais plantas e destruí-las. Essa explosão de ervas daninhas é resultado, ao mesmo tempo, do excesso e da necessidade de ganhar território que dê sobrevivência às ervas “naturais” e da necessidade de destruir as que impedem o seu desenvolvimento. É como se as ervas daninhas fossem o câncer usado para destruir as outras, mas que na verdade destrói quem o cria. De uma forma “natural”, a humanidade cria “monstros” (genocidas, assassinos etc.), para se proteger do desmesurado crescimento, mas quando esses “monstros”, fruto do descontrole populacional, também começam a crescer descontroladamente, voltando-se contra o tecido que o criou, gerando mais violência, é que esse tecido está irremediavelmente doente. As barreiras éticas foram rompidas, porque eram frágeis, baseadas nos princípios deístas de sobrevivência após a morte e no próprio culto à morte, incentivado por seitas niilistas como o cristianismo, o islamismo, o judaísmo e tantas outras. O direito à vida deixa de ser fundamental, e a morte torna-se elemento de convivência tão próxima e diária, que se torna banal. Um cadáver na rua não mais assusta. Uma bomba que mata vinte ou cem também não. E assim, banalizada, a violência cresce em círculos concêntricos, tornando a vida cada vez mais perigosa de ser vivida. Os facínoras perdem a noção dos limites e creem-se dotados do poder de vida e morte sobre os outros. A sociedade permissiva de quando os crimes estavam sob controle, como acontecimento “natural”, dentro dos limites do tolerável, começa, então, a buscar reações que podem levar a mais violência, como a pena de morte, a perseguição implacável a supostos inimigos, a decretação de leis draconianas. Uma sociedade que se respeita não pode, nunca, ser tolerante com marginais, com aqueles que buscam a destruição de seu equilíbrio. A ideia cristã do perdão é um de seus grandes equívocos. Os “monstros” têm de ser afastados da convivência social e, dependendo de seu crime, para sempre, sem necessidade da pena de morte, que é antinatural e contra todos os princípios de valorização da vida. Mas, se um indivíduo comete um crime hediondo, não pode haver leis que o libertem após uns poucos anos de prisão, porque um crime contra a vida não pode ser perdoado, para ser repetido. Essa tolerância também é responsável pelo crescimento da violência, tanto quanto a glamourização de certos aspectos antissociais, como o uso de drogas proibidas, traficadas sob a complacência de famílias que protegem o seu membro usuário, esquecendo-se de que atrás de cada porção da droga está o crime organizado, violento e antissocial. A armadilha da proibição de drogas alucinógenas ajudou a criar a violência que a proibição pretendia combater. Assim, não há saída para esse tipo de ajuda à violência: quanto mais proíbe, mais se usa e quanto mais se usa, mais se alimenta o crime, num círculo vicioso difícil de ser rompido por uma sociedade preconceituosa e organizada em torno de ideias de pecado, punição, perdão e outros princípios deletérios e destruidores de sua capacidade de julgar os fatos de forma racional. O crime, as guerras e as lutas genocidas levarão a humanidade a um esgotamento perigoso, pois nesse caso não há distinção de espécies e o ser humano pode estar destruindo seus melhores genes, o que levaria a um retardamento do processo evolutivo rumo a uma seleção genética natural, que conduzisse a raça humana a uma situação de melhor equilíbrio e às grandes possibilidades de existência que a esperam no futuro. Para retornar ao equilíbrio, à “normalidade”, há que se estabelecer políticas públicas e sérias de controle da natalidade, de melhoria de condições de vida das populações carentes até à extinção total da miséria, dando possibilidade de sobrevivência a todo ser que nasça não importa onde. O esgarçamento das fronteiras nacionais deve ser um elemento precioso na luta pela sobrevivência de uma nova forma de relacionamento entre os povos. Se, por um lado, haverá o fortalecimento de culturas regionais, essas mesmas culturas serão responsáveis pela abertura das fronteiras, pois não se sentirão ameaçadas em sua individualidade pela convivência com as demais culturas do planeta, ao se estabelecer uma relação de respeito mútuo. Embora a noção de país, de pátria, permaneça, estará sobrepujada pela ideia de defesa do globo e das condições de sobrevivência na terra como um celeiro para a humanidade do futuro. Assim, prevalecerá a noção de ser humano como um ser terráqueo, intermediário da noção do humano como ser interplanetário, responsável por espalhar a vida ao universo possível de ser conquistado.



terça-feira, 20 de julho de 2021

048 - O FALSO PODER QUE VEM DOS FRACOS


(Marianne von Werefkin:1860–1938)



O homem-rebanho sempre necessitou de líderes – religiosos ou leigos. Os religiosos são uma praga que se aproveita da ingenuidade do rebanho para atiçá-lo ao niilismo e, assim, tornar mais fácil o saque. São, portanto, sempre perigosos. Já os líderes leigos, principalmente os políticos, dividem-se em inúmeras classes, mas basicamente se compõem de aproveitadores, a maioria, e de sinceros, uns poucos que existiram ou existem sobre a face da terra. No segundo grupo, pode-se contar nos dedos e cito-os, mesmo com o risco de cometer inúmeros erros de avaliação e de deixar fora alguns que realmente pautaram suas ações em prol do homem: Luther King, Che Guevara, Gandhi... Sim, todos da era moderna. Não foram guerreiros no sentido tradicional do termo (embora Che tenha sido guerrilheiro), não comandaram exércitos e deram a vida por aquilo em que acreditavam. Se tiveram poder, não foi poder político, mas poder de ideias, de vontade de um mundo melhor. Não cultivo admirações por nenhum líder religioso nem conquistador, como Alexandre ou Napoleão. Têm o seu panteão na história em virtude de grandes realizações, não de realizações que se possam aplaudir ou admirar. O sangue escorre de suas consciências. Foram, todos eles, vampiros. Construíram sua glória à custa de sacrifício do homem-rebanho, do homem fraco que necessita de um líder que lhe diga como agir. E dizer como agir implica, quase sempre, dar a vida por aquele líder, não por suas ideias, mas para lhe dar mais poder sobre mais vidas e, assim, levar ao limite ambições, conquistas e, claro, o poder de decidir sobre a morte e a vida. É preciso que a história da humanidade supere a necessidade desse tipo de líder, para o ser humano deixar de ser homem-rebanho, com destino de escravo, subserviente, sub-homem. O futuro nada reserva para esse tipo de ser humano, fraco e estúpido, sem consciência de si mesmo e da sua força. A história, também, não se fará com os líderes vampiros, com os homens de alta potência e pouca inteligência para compreender que é necessário construir uma sociedade que supere os instintos animalescos de sangue, para que o ser humano sobreviva e se constitua no guardião da vida. Os vampiros desejam apenas a morte, cultuam-na como forma de impor sua vontade, seus desejos. Não têm noção da história e não conseguem enxergar dois dias além do seu presente, pois não têm visão de futuro. O seu ódio à vida se transforma no culto à morte, como consequência, quase sempre, de um furor religioso misturado a um furor de batalha, de sangue e de sacrifício. Basta de sacrifícios. O ser humano precisa compreender que não há deuses a quem sacrificar. O bode expiatório já há muito cumpriu o desejo dos carniceiros. A realização de justiça, por mais tênue que seja, não precisa de sofrimento, mas de racionalidade. Os pobres e miseráveis do mundo só desaparecerão quando a razão estiver acima da moral religiosa, política e social. E a razão defende que não há motivos para haver diferenças, a não ser por uma questão histórica e de complexo de subserviência que têm os deserdados. O ser humano não precisa de humilhações para deixar de ser o rato do esgoto de uma sociedade consumista e absurda, que só vê a si mesma, no espelho do capitalismo de ganhos fáceis e de exploração do homem pelo homem. O deixar-se explorar constitui, mais até do que o explorar, num dos fatos mais lamentáveis da trajetória da humanidade. Significa a desumanização absoluta do ser, como durante a tortura e a sevícia. Significa adonar-se da integridade do outro, anulá-lo e torná-lo coisa. E isso, os grandes líderes vampiros sempre souberam manter. Pois da escravidão é que tiravam o seu poder. E o poder que vem dos fracos é sempre falso poder. Pode ter a duração de suas vidas, mas é sempre um falso poder. Oriundo da força bruta, relega seu detentor ao lixo da história, tornando-o desprezível.


sábado, 17 de julho de 2021

047 - PESSIMISMO E UTOPIAS


(Yves Tanguy (January 5, 1900 – January 15, 1955- French surrealist painter)


Quando procuro descortinar, de maneira até meio irresponsável, um provável futuro, com o otimismo dos ateístas, dos materialistas, não o faço porque acredito piamente que esse futuro seja luminoso. A vida, em todo o seu processo de evolução, nunca foi coerente. Atrasos e deformações, experiências e tentativas são parte desse processo. Na história, o único animal coerente tem sido o ser humano, coerente na adoração quase fanática de sistemas absurdos, como o deísmo e o culto à morte, mas a sua história tem apenas alguns milhares de anos, conta muito pouco na dimensão temporal do universo. Somos menos do que um átomo dentro da escala espaço-tempo de um universo que não cabe, ainda, em nossa mente limitada. Nossos sistemas de raciocínio são ainda tacanhos frente a uma realidade que está tremendamente além de nossa capacidade de apreensão. O futuro é indescortinável, diante do desafio de entender o passado e apreender o presente. O que eu procuro superar é a falsa impressão de que, ao desenvolver um raciocínio materialista, ateísta e extremamente realista, o meu discurso pareça pessimista aos olhos daqueles que cultuam o niilismo e o pessimismo com um sorriso idiota de esperança em benesses deístas de outras vidas ou de um nirvana absurdo, como se a vida não fosse aquilo que se nos apresenta diante de nossos olhos, quer queiramos ou não, com uma trajetória definida que vai do nascimento à morte e nada mais, e que é preciso dar o valor que ela tem como bem único e impossível de ser resgatado, por mais que desejemos sonhar com vãs utopias. Sim, é utopia, também, aquilo que prevejo. Seja, no entanto, uma utopia sem ilusões, sem trapaças, sem cultos e sem deuses que nos sufoquem e exijam de nós sacrifício daquilo que temos de mais precioso, a vida, em troca do nada. Não quero ser nem otimista nem pessimista. Quero apenas ter livre a minha mente para construir um outro mundo, sem compromissos com a coerência estúpida do deísmo e da ilusão. A realidade, sempre, tem muito mais encantos do que a fantasia, principalmente se essa fantasia está envolvida pelo manto da mentira e da falsidade, da promessa de esperanças inúteis ou da ameaça de deuses inúteis. O meu livre pensar não precisa da coerência de padres, pastores, aiatolás, rabinos ou falsos filósofos. Todos eles são vampiros da vida. São assassinos frios que só desejam do ser humano aquilo que ele não tem – a alma. E, portanto, tornam-se construtores de pirâmides, ou seja, exaurem a capacidade humana no culto à morte. Como os faraós fizeram com os egípcios. Como os papas fazem com os católicos e todos os demais líderes religiosos fazem com seu “rebanho”. Não é à toa que usam o termo “rebanho” e autodenominam-se “pastores”. Tratam seus fiéis como gado que levam para o matadouro, para saciar sua sede vampiresca de sangue. Para satisfazer a um deus também sanguinário e vingativo, que despreza a humanidade, tornando-a apenas massa de manobra para os interesses vis dos seus “representantes”, os sacerdotes, que, qualquer que seja o seu credo, constituem sempre uma classe de indivíduos desprezíveis, ao se colocarem acima de seu “rebanho” , como se fossem ungidos e diferentes, como se tivessem uma marca de nascença e fossem áugures de deuses estúpidos que exigem o sacrifício humano para “salvar a alma” dos idiotas e infelizes que acreditam nas suas obras ditas sagradas, para melhor enganar e estupidificar o ser humano. Sacerdotes e militares, as classes mais desprezíveis que o sistema odioso de exclusão e de ódio que a ideologia deísta criou para manter a humanidade na ignorância e na miséria e, assim, poder melhor escravizá-la. Nesse sistema, sim, reside todo o pessimismo trágico da história humana até agora.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

046 - RELAÇÃO DO SER HUMANO COM A MORTE


(Pietr Bruegel)



As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar. Mas, quando se trata da vida além da morte, essa crença extrapola toda e qualquer possibilidade de racionalismo, porque, mais do que uma crença, é um desejo, um desejo entranhado de tal forma nas estruturas mentais humanas, que é impossível deixar de desejá-lo, por mais cética que seja a pessoa. Quem não gostaria de reencontrar o ente querido? Essa a pergunta que não permite que nos tornemos racionalistas diante da morte. No entanto, por mais crença que tenhamos na vida além da morte, há uma espécie de supraconsciência de fundo, tênue o bastante para que dela não tenhamos noção, provinda do instinto animal de inconsciência da morte, que nos diz a verdade: que não há sobrevida. Por isso, sofremos. A morte traz para quem fica o mais doloroso sentimento que o ser humano experimenta: a noção de sua fragilidade e o sentimento de perda. Por isso, a morte de outro ser humano só nos incomoda quando temos com ele um tipo qualquer de relação, de conhecimento. Choramos a morte do parente e do amigo. Choramos a morte do ídolo ou da pessoa com quem estabelecemos algum tipo de empatia, mas não choramos a morte do desconhecido ou do inimigo. Mortes coletivas só têm impacto nas comunidades que a sofreram, mesmo entre aqueles que não conheciam os mortos, pela proximidade, mas não ocasionam maiores sentimentos entre populações distantes. A morte é individualizada. Porque, como morrem centenas de pessoas todos os dias, os humanos criaram algumas formas de autoproteção em relação a ela. E purgam-se os medos através do espetáculo, das cerimônias fúnebres, quando morrem pessoas de grande reputação na sociedade. Multidões que se arrastam em prantos atrás do caixão da celebridade reproduzem de forma inconsciente todos os temores ancestrais de nossos antepassados diante do desconhecido, desde o funeral do homem das cavernas, desde os faraós e suas pirâmides espetaculares, até o prosaico ato de cremar os corpos e espalhar suas cinzas ao vento. Carregar o corpo morto por ruas e avenidas: o ato simbólico de reverenciar, mais uma vez, o temor da morte. Prestar honras ao morto faz o ser humano encarar o terror da morte e aceitá-la como um fato da vida, pelo menos de forma a suportar a dor e sofrer menos, isto é, chorar ali, naquele momento, uma dor que se carrega para toda a vida. E a esperança do reencontro mitiga a saudade e torna mais suportável a vida. Ao aceitar esse tipo de raciocínio, o mundo se transforma no “vale de lágrimas”; viver torna-se sinônimo de sofrer e, portanto, apenas uma transição para um estado de felicidade, de nirvana, que só acontece com a morte. Num paradoxo dos mais complexos que a humanidade já criou, passa-se, então, a desejar a morte, como forma de redenção. O desejo da morte faz parte desse sistema niilista de reconhecer na vida a existência da morte. E torna o ser humano um ser especial entre todos os seres. Ao desejar aquilo que ele mais teme, a morte, a humanidade supera o terror e entra no terreno tenebroso da metafísica, que complica aquilo que é o mais simples da existência humana, a própria vida, criando teorias complexas e complexos sistemas de ultrapassar a dor da morte. E mergulha, assim, nas trevas da ignorância, usando, para isso, da sapiência que acumulada durante milhões de anos em seu cérebro. Esse, talvez, o maior paradoxo humano: usar a inteligência para justificar a estupidez. E essa inteligência metafísica, ao mesmo tempo em que constrói um monumento de raciocínio estúpido, gera maravilhas do conhecimento científico, por ter sido capaz de criar no ser humano a capacidade de levar o raciocínio a elucubrações magistrais que só se tornariam, talvez, possíveis muitos milhares de anos mais tarde do que efetivamente ocorreram, se não houvesse a metafísica. Somos, portanto, reféns de nossas armadilhas mentais, ao construir realidades e possibilidades científicas a partir de ideias absurdas e destituídas de qualquer lógica. Superamos nossa condição de animais, ao construirmos uma cadeia de absurdidades que nos tornassem suportável a vida. Enredamo-nos numa teia metafísica de sistemas ilógicos, para construir nossa capacidade de raciocínio e não sabemos, agora, pelo menos por enquanto, como sair desse urdimento, para criar um novo ser humano verdadeiramente livre, dono de si mesmo e não contaminado por todo esse lixo niilista e pessimista de aceitação de ideias absurdas como o deísmo e a vida após a morte. Somente outros milhares de anos para que essas ideias sejam suplantadas e uma nova humanidade surja, lentamente, dos meandros da história, numa evolução de mente e corpo, capaz de projetá-la rumo às estrelas. O pessimismo, portanto, não está no ateísmo, na não aceitação de doutrinas ridículas, na vida vista sob a óptica do materialismo, mas, ao contrário, do lado dos metafísicos, dos que desejam a permanência dos seres humanos na obscura via do inferno de Dante, na preservação de ideias e conceitos que contrariam toda a lógica da natureza. E superar esse tipo de pessimismo travestido de esperança inútil não é tarefa para poucos ou para uma geração, é algo que irá nascendo lentamente, a partir da superação da ignorância, da melhoria genética da raça humana, com ou sem intervenção do próprio homem, ao encontrar os rumos de uma ciência verdadeiramente ética e confiável, que tenha olhos de ver não apenas o espaço mas o tempo, a linha tênue mas indelével do tempo, que traz espantos e desvios, mas segue o seu caminho para um futuro certo de superação de muitos dos obstáculos que tornam a vida na Terra um falso “vale de lágrimas”, na visão pessimista dos deístas de plantão.


terça-feira, 13 de julho de 2021

045 - O CULTO DA MORTE



(Hieronymus Bosch)



Os animais contam com o instinto de sobrevivência e têm noção da dor. Mas não têm consciência da morte. Mesmo na boca do predador, o mais fraco sente e sofre dor. Não sabe, no entanto, que vai morrer. O animal apenas vive e sobrevive. O ser humano é o único animal a ter noção da morte e saber que vai morrer. Talvez nisso encontremos a razão de ser o niilismo uma força arrebatadora, aproveitada por todas as religiões do mundo. Ao explorar o medo da morte, o deísmo capta uma fissura na consciência humana e aproveita-se disso para disseminar ainda mais o terror, sob a desculpa de amenizar as agruras daqueles que vão morrer. Assim, o culto da morte torna-se uma espécie de supra religião. Um corpo morto não adquire nenhum significado no reino animal, a não ser para o ser humano. Desde o início dos tempos, as cerimônias fúnebres sempre tomaram um aspecto de reconhecimento da morte, de temor diante dela e de esperança de que a putrefação não seja o destino final. Acreditar numa possível sobrevivência de uma anima, de um espírito ou seja lá o que for, tornou-se, assim, o meio de escapar da destruição, de driblar a morte. Porque, ao tomar consciência de que vai morrer, o ser humano passa a desejar a eternidade, seja como uma forma primitiva de sobrevivência num pretenso céu ou na integração do criador, seja como formas complexas de ideologias reencarnacionistas. O mito da sobrevivência após a morte talvez seja, depois do deísmo, ou até mesmo em consequência deste, o mito mais poderoso da mente humana. Não há uma só prova de vida após a morte, em toda a história da humanidade. No entanto, todos acreditam tanto nisso, que a frase anterior torna-se tão vazia e inútil como afirmar que não existe deus ou deuses. Provas foram forjadas desde tempos imemoriais e são consideradas verdadeiras até os dias de hoje. Sempre haverá alguém disposto a dar um testemunho qualquer sobre a comunicação com os mortos, apesar de, cientificamente, não haver a mínima prova de que isso tenha ocorrido realmente.

domingo, 11 de julho de 2021

044 - GENÉTICA: CIÊNCIA DA ILUMINAÇÃO


(Escultura de  Augustin Pajou - Mercúrio)



Quando olhamos com olhos de ver o conjunto dos seres humanos e, mais ainda, voltando os olhos para o passado, damos conta da barbárie, da estupidez, da ignorância. Parece que a espécie homo sapiens sapiens tem o sapiens apenas no nome pomposo que a ciência (dos homens) lhe atribuiu. Houve sempre, há ainda e haverá por muito tempo, um resquício do bicho que luta por evoluir e sobreviver naquilo que podemos chamar de natureza humana. Não vamos nos livrar de nosso passado tão cedo. Assim como qualquer espécie da natureza, passamos, em nosso processo evolutivo – que não implica necessariamente melhoria – por infinitas experiências que não deram certo. Não sabemos o que realmente funciona ou o que vai dar certo, ou seja, quais são os “dinossauros humanos” que desaparecerão, porque, inclusive, a tecnologia poderá interferir no processo e salvar muitas “espécies” ou adiar seu desaparecimento. Só podemos afirmar, por mais chocante que isso seja, que a natureza produz muito “lixo” humano, tentativas que irão seguir por caminhos espúrios até um ponto em que a “experiência” sofrerá o efeito genético de não ter saída e desaparecer. Não se trata de raças, embora o sistema que denominamos racial também seja experimental, em termos de evolução, mas de capacidade de adaptação e de transformação para algo que torne mais resistente a espécie humana. Sem dúvida que as condições ambientais, que sofrem a interferência humana, como a melhoria de condições de vida, de alimentação e de higiene, fazem que muitos indivíduos que não teriam melhor sorte em ambientes hostis consigam sobreviver e se reproduzir, mas a tendência natural de aperfeiçoamento genético não permitirá que seus descendentes ganhem uma linha do tempo que chegue a interferir na evolução. Também a miscigenação humana tenderá a nivelar certas características, e teremos, em alguns milhões de anos, uma única espécie humana, que superará o conceito racial, produto dos melhores genes de cada uma daquilo que atualmente chamamos raças. Teorias racistas e práticas discriminatórias nesse campo só agem para retardar um processo que se mostra como um fenômeno impossível de ser detido. Além de não ter base em qualquer princípio ético ou filosófico ou, mesmo, genético. Porque, da mistura, é que nascerá um novo ser humano, mais forte e mais capaz de sobreviver aos desafios da conquista do universo. Todas as ciências são úteis à humanidade e devem seguir seu curso, para buscar, embora às vezes por caminhos tortos, uma melhor condição de vida na Terra ou em outros planetas. No entanto, a genética é aquela que melhor servirá para aclarar os caminhos do ser humano, iluminando aspectos desconhecidos de sua origem e de sua capacidade de resolver problemas que as demais ciências só abordam sob o aspecto tecnológico. A genética terá a capacidade de dar ser humano a sua verdadeira grandeza, pois a sua evolução não deixará dúvidas quanto ao absurdo do criacionismo e do deísmo, permitindo que a humanidade se liberte da metafísica e do niilismo pessimista. Isso não será fácil, no entanto. Porque há crenças tão enraizadas no cérebro humano, que sua destruição levará muitos e muitos séculos de um processo penoso de educação e convencimento. Ainda teremos muitas trevas, antes que o ser humano atinja a capacidade de compreender sua origem e aceitá-la. O século XXI terá avanços consideráveis na engenharia genética, mas terá também muita resistência ao encaminhamento da questão ética que envolve o conhecimento dos genes e sua manipulação. Precisaremos de várias gerações de humanos denodados e suficientemente esclarecidos para abrir, literalmente, a cabeça retrógrada de líderes religiosos e pseudofilósofos de doutrinas obscurantistas, que acusarão, não a Nietzsche, mas aos cientistas de matar um deus que já devia estar morto há muito tempo na memória da humanidade.


sábado, 10 de julho de 2021

043 - A VIDA É PROCESSO

(Escultura de Giambologna: Rape of a Sabine)



Quando se começa a pensar no ser humano, a primeira coisa que nos ocorre é dizer “o ser humano é...” seguido de predicativo (ou predicado), já que o verbo assume a função de mera ligação entre o ser e o predicado que se atribui a ele. E começa aí a nossa ilusão niilista e metafísica do ser humano. Ele não é um ser mais predicado. Ele apenas é. Ou seja, o ser humano existe e nada mais. Porque não há uma entidade chamada ser humano. Como não há uma entidade chamada humanidade. Há seres humanos. Diversos. Complexos. Unos. E, sobretudo, existentes na sua individualidade genética. O ser humano, assim compreendido, apenas é, apenas vive e sobrevive e está condicionado à sua herança. Quando falo, portanto, ser humano, por falta de outra expressão, não estou falando numa entidade metafísica, composta de complexas elucubrações ideológicas ou ideais, mas no ser que habita cada corpo físico e, como corpo físico, tem lugar num mundo em mutação há bilhões de anos e que ainda não se construiu e talvez não se construa nunca. Quando pensamos nesse ser, vemo-lo na história, em evolução sucessiva até o estágio atual, mas nos perdemos ao tentar olhar para a sua verdadeira identidade, pois o olho com o qual olhamos é um olho limitado e limitador da realidade. Pensamos que estamos no ponto mais alto de uma absurda criação, quando somos apenas o início de um processo evolutivo que nossa capacidade ainda extremamente limitada pelo período histórico de apenas algumas centenas de milhares de anos de existência do ser humano na terra nos impõe. Estamos, sim, apenas no início de um processo evolutivo. Não nos damos conta das mudanças, das alterações genéticas, porque somos parte do processo. Se tivéssemos um olho que olhasse o tempo e não o espaço, como estamos condicionados a olhar, talvez ficássemos cegos pela beleza absoluta do eclodir da vida e da sua capacidade de modificação. Veríamos, sim, além dos séculos, um humano além ser humano, que Nietzsche vislumbrou e não teve tempo de descrever. Para esse ser, todo o tempo vivido até agora seria apenas uma poeira, um tempo niilista para esquecer ou para ser colocado no museu da estupidez humana. Um ser humano novo, que ainda assim seria apenas mais um degrau da experimentação biológica, já construiria uma nova ordem, uma nova ética, superada a ideia de credor e devedor, um ser humano que não deve nada a ninguém, nem a deuses nem a si mesmo, livre e pronto para conquistar novos mundos e espalhar a vida pelo universo. A vida, sim, pode ser definida com o predicado aposto ao verbo ser: a vida é processo. O ser humano apenas é, dentro desse processo. Não há possibilidade de tal criatura ter sido criada, porque o ser humano não é criatura, mas decorrência de um processo de vida. Enquanto houver vida, haverá humanos? Será que, mesmo quando o universo se expandir ao seu limite e houver todo o processo de retração para um buraco negro onde se fundirá e se transformará na não-matéria, no átomo primevo, que explodirá em seguida para uma nova expansão, o que já deve ter ocorrido por vezes incontáveis, muito além de nossa capacidade de percepção, a vida se restabelecerá e surgirá, como decorrente desse processo, novamente esse ser humano, esse que é, agora, parte da engrenagem de um universo em contínua expansão e retração? Não sabemos e não saberemos nunca. Só o que sabemos é que a vida humana, a nossa vida, é o bem mais precioso, por ser única e por ser aquilo que dá sentido a tudo quanto somos, sem sofrimento, sem culpa, sem deuses a quem prestar qualquer tipo de obediência ou de quem esperar qualquer tipo de castigo.


sexta-feira, 9 de julho de 2021

042 - ERVAS DANINHAS: O ESTADO E O MILITARISMO



(Aclamação de Afonso Henriques - autoria desconhecida)


O nacionalismo e o patriotismo são noções absolutamente estúpidas. Os seres humanos nasceram no planeta Terra e não em uma nação cuja fronteira não se conhece bem, por tratar-se somente de uma linha no mapa. E o mapa é apenas a representação de uma ilusão. Não há estados. Não há pátrias. Existe apenas a tribo, que se assenta e se move ao critério da vontade, do vento e da necessidade de sobrevivência. Ao criar a cidade e delimitar suas fronteiras, o ser humano cometeu o seu segundo maior erro (o primeiro foi adotar crenças deístas e inventar a metafísica). As cidades não são, em si, um erro, mas seus limites, sim. A cidade e o campo constituem na realidade um só continuum, sem que haja qualquer cerca que os limite. Ao construir os muros de defesa, criou-se a fronteira e o campo se opôs à cidade. Assim também, os estados, os países. São construções espúrias da estupidez humana. Subsistem porque foram criados, apenas por isso. O estado se sobrepõe ao país e o país se determina por uma série de fatos e objetos inexequíveis e absurdos, como a construção de falares comuns, de culturas que respeitam fronteiras, de usos que se fixam em determinados cercados, como galinheiros. Os seres humanos, ao defenderem a pátria e o estado que a sufoca, defendem o direito de viver em galinheiros. E têm, por isso, cérebros de galinha. Sob a égide do patriotismo e do nacionalismo cometeram-se os maiores crimes de lesa-humanidade. Mata-se, estupra-se, aterroriza-se, tortura-se em nome de uma bobagem, como as cores de uma bandeira, um trapo colorido na ponta de um pedaço de pau. Isso não representa absolutamente nada. São símbolos vazios que a imaginação doentia dos humanos encheu de significados que só levam à morte, à guerra e à destruição. E, principalmente, à exclusão e ao expansionismo, quando o país se transforma em império, outra praga da história da humanidade. A conquista, por ser conquista, é tão vazia quanto a própria existência do país e do estado. A humanidade inventou deuses e, depois, um só deus, para satisfazer as suas necessidades de fazer mal a si mesma. Depois, criou o estado para satisfazer as suas necessidades de fazer mal aos outros. A ideia de deus desumaniza os seres humanos. A ideia de estado desumaniza a sociedade. Trata-se, agora, de destruir coletivamente, de praticar genocídios em nome da identidade do estado, do país, da região, da tribo ou da cidade. A morte coletiva. Pluralizada. Não há cores, símbolos ou papéis coloridos a demarcar fronteiras que justifiquem a invasão e a destruição daqueles que estão do outro lado dessa linha abstrata. Para impedir a invasão e para, obviamente, invadir, os humanos cometeram o seu terceiro maior erro: criar os exércitos e, com eles, os militares. A arte da guerra é a arte da degradação humana. Ser guerreiro é assumir de forma definitiva a própria estupidez. O militar, na escala de valores humanos, só perde em estupidez para o sacerdote. Ambos têm, no entanto, o mesmo grau de desumanidade. Se o sacerdote destrói a mente, o militar destrói o corpo. Ambos competem na arte de fazer mal. Só não os considero o mal absoluto, porque teria de concordar com a existência de um bem absoluto. Como são categorias abstratas e inventadas pela ignorância humana, ambos, militares e sacerdotes são meros produtos espúrios da idiotice humana. Não sou ingênuo, no entanto, a ponto de acreditar que o chamado espírito guerreiro não seja uma herança profunda da humanidade, desde o seu surgimento, e que foi responsável mesmo pela sobrevivência da raça humana. No entanto, esse “espírito guerreiro” deve ser debitado à necessidade de preservação da espécie, um instinto animal que leva o leão a comer a corça, não porque ele a odeia ou se sinta ameaçado por ela, mas simplesmente porque a corça, por mais bela, inocente e inofensiva que seja, é o alimento do leão. Não há sentimento ou emoção na caçada do leão. Há apenas o instinto. Assim também o ser humano primitivo. O instinto levava-o a matar. No ser humano moderno, a carne continua sendo o alimento necessário. E não há ódio ou rancor ou qualquer outro sentimento na morte do boi que nos fornece as calorias necessárias ao nosso organismo. Apenas a necessidade. O organismo humano ainda precisa da carne, para viver. No entanto, se se usa o boi como divertimento ou sacrifício em nome de um deus ou de uma arte, como na tourada, por exemplo, não podemos deixar de notar que estamos exercitando o lado mais primitivo de nossos instintos. Não há razão que explique sacrificar o animal para atender a esses instintos. Tolera-se a morte por divertimento ou para agradar a deuses porque somos fracos e acabamos justificando, de forma infantil e primitiva, um instinto que já devia estar abandonado há muitos anos. A evolução, como acontece em toda a natureza e, geralmente, não nos damos conta, não segue o mesmo nível em todos os grupos. Não há nisso a defesa da diferença, mas a constatação de uma realidade. Os seres humanos, em termos de evolução mental e cultural, estão colocados em patamares diferentes, o que não implica a noção de qualidade, ou seja, não há os que estão em pior ou melhor situação, mas em níveis diversos do estado de evolução. A tecnologia não está ao alcance de todas as tribos, ainda, não porque essas tribos não tenham condição de assimilá-la, mas apenas que, por uma questão social ou cultural, não interessa a determinados grupos dar saltos na linha da evolução e adotar costumes não consagrados pelo uso. No entanto, ao inventar o militarismo, o ser humano deu um salto qualitativo (não positivo) no instinto guerreiro e adotou princípios e regras para justificá-lo. Aí está o grande erro. O militarismo tentou dar um arcabouço lógico àquilo que pertencia ao instinto primevo. E criou um monstro que se arraiga nas mentes das pessoas, criando necessidades que, na verdade, os seres humanos não deviam ter, que é a defesa de um estado também inventado. O militarismo, como a religião e a noção de estado, é um grude nocivo na mente humana, uma espécie de planta daninha que, se cortada do corpo do hospedeiro, danifica também o organismo que lhe dá a seiva. Vai ser preciso um avanço tremendo, um salto de qualidade de dimensões estratosféricas, para que a humanidade chegue à conclusão de que é necessário, mesmo com aparentes perdas, destruir essas ervas daninhas de seu processo mental. Que novos genes, mais promissores, substituam a necessidade de pensar num ser superior, num estado acima da sociedade e de um sistema militar que dê sustentação aos dois anteriores. Porque militarismo e estadismo andam de mãos dadas, na mente humana. Sustentados pelo deísmo.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

041 - TRIBALIZAÇÃO E UTOPIAS

(Salvador Dalí - dreams)



A democracia nasceu como uma tentativa de conciliar os irreconciliáveis, de dar voz a todos e aceitar as escolhas da maioria. Isso, no entanto, não tem funcionado. As minorias são cada vez mais barulhentas e mais ativas. Com a facilidade de domínio dos meios de comunicação em massa, basta que uma pequena minoria se una e resolva agir, para que se transforme em força poderosa, a impor suas reivindicações, sua ideologia, seus princípios. O ser humano foi sempre um animal de tribo. Esse instinto tribal predomina ainda sobre todos os outros instintos de união, de paz e de convivência. E agora, com voz ampliada, as tribos vão à luta, impõem-se e calam até mesmo a maioria assustada que se uniu, por alguns instantes, em torno de ideias mínimas. Por isso, a democracia não tem funcionado, entre outros motivos. Acatar a decisão da maioria não tem sido a regra. Nas ruas, nos parlamentos, nos congressos, em quaisquer reuniões humanas, se há uma tribo disposta a agir, seu discurso e suas imposições acabarão por exercer uma função deletéria na mente das pessoas e a sua ditadura se estabelece, sem nenhum prurido ético. A divisão do mundo em nações foi, sempre, uma divisão arbitrária, mas agora, isso se torna cada vez mais problemático. Grupos étnicos, sufocados por muitos e muitos anos pela maioria, colocam para fora suas cabeças cheias de ódio e preconceito, para exigirem direitos que têm, sim, mas poderiam ser conquistados de forma mais racional. No entanto, a primeira qualidade a ser jogada na lixeira, nas lutas étnicas, é o racionalismo. O que é racional não conquista corações e mentes, só as mentes. E as minorias são sempre emotivas e sanguíneas e, na maioria das vezes, sanguinárias. Acumularam muitos ódios ao longo do tempo. Quando partem para a ação, querem provocar reações e não ganhar o que reivindicam. Querem vingança e, por isso, não admitem racionalizar o conflito, para resolvê-lo. Esse modo de agir, sem dúvida, tem sido uma das maiores ameaças à democracia. O Estado absolutista, por outro lado, mesmo com alguns princípios democráticos, só tem demonstrado poder de força para tomar decisões errôneas e não é, de forma alguma, confiável. Sempre que se instala um poder absoluto, há guerras expansionistas ou tentativas de expansão. O que se deseja é exatamente o contrário. Eu acredito que as nações de territórios imensos, que abrigam etnias, tribos, aglomerados ou grupos com interesses contrários, tendem a desaparecer, ou pelo menos, isso é o que deveria ocorrer, se pensarmos democraticamente e não economicamente ou militarmente. O caminho para a união e a paz entre os povos, ironicamente, passa pela tribalização da humanidade. Será mais fácil constituir ligas e depois governos comuns a partir de grupos e tribos do que a partir de nações constituídas artificialmente. Quando os interesses minoritários forem atendidos, quando os grupos étnicos não tiverem mais motivo para ódios e lutas de extinção, pode-se ser mais racional e partir para o entendimento num nível superior de interesses comuns. Deixarão, portanto, as tribos, de se constituírem em ameaça à democracia. E esta, por sua vez, pode ser aperfeiçoada num sistema formal mais flexível e mais próximo de buscar atender os interesses comuns do que impor governos de maioria reféns das minorias. A partir de ligas tribais, formam-se ligas e uniões mais amplas, até que, numa ousada utopia, possamos chegar a um governo universal e democrático, cujo princípio maior seja a preservação da vida e cujos esforços se voltem, então, para a saúde do planeta. Estará o ser humano, nesse momento, apto a conquistar outros planetas e outros mundos, espalhando a vida pelo universo e deixando ao planeta Terra a missão de ser apenas o celeiro da vida. Com uma população reduzidíssima, só o necessário para administrar uma avançada tecnologia de produção de alimentos provindos das vastas extensões de terra e dos mares, a Terra dará à humanidade a base para viver tranquilamente em planetas cuja atmosfera ele possa dominar, mas cujo solo é estéril e cujas águas, quando houver, não são próprias para consumo. Todo o alimento produzido no planeta-celeiro será devidamente concentrado em pequenas pastilhas que se revitalizarão ao contato com líquidos previamente preparados com substâncias químicas, para se transformarem de novo em alimento fresco e pronto para o consumo. Afinal, sonhar não é apenas buscar utopias, mas também sugeri-las.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

040 - SOBREVIVÊNCIA DA HUMANIDADE


(Valquíria Cavalcante)



A democracia precisa afinar seu discurso com os verdadeiros ideais socialistas de busca não de igualdade, porque isso não existe, mas de dar a todos oportunidade de uma vida digna, mesmo que essa vida seja simples e sem grandes perspectivas intelectuais. O sol nasce para todos, mas seus efeitos variam de pessoa a pessoa, conforme suas necessidades. E isso tem de ser respeitado. Assim como surgem gênios entre as pessoas mais pobres e ignorantes, nascem ignorantes totais nas chamadas classes privilegiadas. E a cada um deve ser dada a oportunidade de viver sua vida dignamente, com todo o respeito que o ser humano merece. Se se usa um automóvel por vez, é total estupidez e fora de qualquer lógica alguém, por ser rico, possuir dez automóveis, assim como é um crime de lesa-humanidade encontrarem-se populações inteiras vivendo com menos de um dólar por dia. Também não se pode permitir que a população mundial cresça de forma descontrolada. O planeta deve ter um limite e esse limite são os meios de sustentação da humanidade. Estudos têm de ser feitos para equacionar a capacidade de crescimento populacional com a capacidade de produção de alimentos e bens necessários à sobrevivência do ser humano na terra. Eu acredito, mesmo, que o destino do planeta Terra é tornar-se o celeiro de víveres para as populações terrestres que migrarão para outros planetas e dependerão da estupenda capacidade que tem a Terra de produzir alimentos, em comparação com os desertos dos demais planetas vizinhos. Isso, daqui a alguns milhares de anos, talvez. Porque o germe da vida está aqui e daqui se espalhará para outros mundos, povoando-os com homens e mulheres biologicamente mais avançados do que os que existem hoje. Talvez mais resistentes às doenças, mais inteligentes, com menos propensão à guerra e à violência, mais respeitadores de vida e da natureza e com a aparência física mais adaptada ao meio-ambiente hostil que os espera em outros planetas, mas sempre seres humanos, tremendamente parecidos uns com os outros mas, ao mesmo tempo, tão diferentes em seus sonhos, pensamentos e idiossincrasias, o que torna o ser humano um ser privilegiado no universo e diante das demais criaturas com as quais ele deve conviver e aprender a respeitar.

terça-feira, 6 de julho de 2021

039 - DEMOCRACIA

 

(Richard Hubal - carnival of democracy)


A democracia, apesar de todos os discursos de que é um governo do povo, com o povo e pelo povo, na verdade não atingiu plenamente seus objetivos, porque, na prática, tem-se tornado governo das elites. Na verdade, proliferam ditaduras disfarçadas ou governos que ainda seguem a cartilha iluminista, soberbos no seu pretenso conhecimento do que querem as massas, que continuam sendo usadas como escada para manter no poder governantes vaidosos que absolutamente não se preocupam com o povo. Os aspectos formais – dominados por processos que privilegiam o poderio econômico – impedem que pessoas provindas das classes populares ascendam ao poder. Para se eleger um vereador ou vereadora de qualquer cidadezinha perdida no mapa, é necessário gastar, às vezes, o dobro ou o triplo do que o indivíduo vai ganhar durante todo o seu mandato. Para se eleger, então, o mandatário de uma nação, são queimados milhões de dólares que, mesmo provindo de contribuição de eleitores, acabam sendo arrancados das mãos dos capitalistas que, eleito o novo presidente, irão cobrar a fatura ou através de benesses do poder ou, o que é pior, através da promessa de manutenção do status quo, que é a continuação de leis que não permitam distribuir renda e riqueza, o que faz que o pobre continue sendo explorado pelos mais diversos meios. A superação dos formalismos excludentes da democracia vai exigir um esforço imenso de educação do povo para que ele saiba realmente escolher seus representantes, não somente através do voto, mas também através de assembleias e congressos populares que filtrassem e impedissem a chegada ao poder de líderes demagogos e populistas, com suas falsas promessas e total descompromisso com seus eleitores.


segunda-feira, 5 de julho de 2021

038 - POLÍTICAS EXCLUDENTES




Em termos políticos, grassam por todo o globo ditaduras fascistas das mais diversas colorações, com perseguições e torturas para todos os gostos, sem que a humanidade consiga se livrar delas, presa que está pela situação econômica de pobreza e miséria e pela situação social de desagregação e ignorância. Por outro lado, a democracia tem falhado constantemente em seus aspectos formais, em que pese ser o sistema até agora menos propenso a escravizar o ser humano. O sistema de governo democrático não tem, contudo, obtido vitórias significativas no campo social. Se permite, por um lado, a participação de amplos espectros da comunidade, quando distribui os recursos, geralmente o faz de forma excludente, sem que aqueles que participaram do processo tenham voz ativa na execução dos programas de governo. E a pobreza e a miséria mantêm o povo na ignorância de seus direitos, sem que nada se faça para tirá-los dessa situação. Os ricos continuam ficando cada vez mais ricos e os pobres ganham apenas a compensação de promessas nunca cumpridas. O fosso entre as classes se aprofunda, mesmo com o fantástico sistema de comunicação, que permitiria, teoricamente, que os mais fracos tivessem acesso a seus direitos, mas a ignorância, mantida por um sistema educacional incompetente, apesar de estar milhões de anos luz à frente do sistema medieval, impede que as populações reivindiquem de forma contundente e correta a resolução de seus reais problemas, pois nem mesmo conseguem, essas populações anestesiadas pela ignorância, diagnosticar as causas e soluções para suas agruras. O sistema democrático deverá ser aperfeiçoado em seus aspectos formais, para que se possa testá-lo efetivamente como um sistema confiável e definitivo para a humanidade, mas isso só será possível quando forem banidas a ignorância e o analfabetismo e diminuída a interferência do deísmo paralisador no seio das populações mais pobres. O critério cristão de caridade deve ser substituído por políticas claras de inclusão social. O pobre não prescinde da caridade do estado, instituída através de programas sociais de tiro curto, indispensáveis num determinado momento, mas condenados ao fracasso se se tornarem política social definitiva. O que tem de ser feito, em termos definitivos, é melhorar as condições de vida da população, através de políticas de distribuição de renda, cujos princípios e, até mesmo, processos, todos têm na ponta da língua, mas que ficam entravadas nos gabinetes burocráticos de governos de aparência e ideologia democrática, mas fortemente presos a compromissos econômicos com grupos que são os verdadeiros donos do capital e, por conseguinte, os verdadeiros governantes.



domingo, 4 de julho de 2021

037 - CAPITALISMO E DEÍSMO

(Adriana Varejão - carnivorous - contemporary ceramic art)



No campo da economia, criam-se fantasmas como a globalização, para que as nações mais fortes imponham seu predomínio e mantenham sob o seu tacão centenas de povos que não conseguem acompanhar o ritmo de crescimento da economia desses países e sofrem a mais desbragada e mais cruel forma de colonialismo que houve sobre a face da terra: o colonialismo mercantilista, de um mundo pretensamente sem fronteiras, mas sem fronteiras para os donos do dinheiro, que movimentam capitais virtuais por todos os países, levando ao desespero e à miséria milhões de seres humanos, se isso lhes convém. O capital tornou-se o deus ex-machina do mundo moderno, amparado por doutrinas e religiões que falsamente se colocam ao lado do pobre para anestesiá-lo com promessas de um mundo melhor... depois da morte. Esse, talvez, o viés mais cruel do deísmo, a sua face mais horrenda, aquela que contribui com a degradação social e econômica do planeta, sem fazer muita força, apenas aprovando tacitamente a exploração dos pobres e miseráveis pelos capitalistas sem doutrina e sem sentimento.



sábado, 3 de julho de 2021

036 - FUTURO DA HUMANIDADE

(Tetsuya Ishida)


Em termos sociais, a humanidade ainda sofre os mesmos receios e medos de pestes do homem medieval, apesar das vacinas e das drogas descobertas ou inventadas nesses últimos tempos, agravada essa situação pelo estado de miséria absoluta em que ainda vivem milhões de seres humanos em todas os rincões do planeta. E agravada ainda mais essa situação de miséria pela superpopulação, que não se consegue controlar. O planeta deve ter um limite de pessoas e acredito que esse limite não esteja muito longe de ser alcançado. Os sistemas de manutenção, desde a agricultura até a exploração do petróleo, têm limites que não podem ser estendidos e isso deve ser motivo de preocupação para os governantes que não conseguem se unir aos cientistas para equacionar problemas tão complexos e diversos, como a poluição, o controle populacional, o preço dos alimentos e a expansão da área agricultável sem a predação do meio-ambiente, a cura de doenças endêmicas e epidêmicas, a melhoria da qualidade de vida das grandes cidades ou a distribuição de alimentos a populações carentes, com a sua respectiva inclusão na cadeia produtiva. O mundo parece estar a ponto de explodir, com guerras inúteis e absurdas matando milhões de pessoas anualmente, com conflitos de poder entre nações sem solução em curto prazo, com a destruição de nações inteiras por motivos raciais ou tribais. A situação social do globo neste século XXI não permite que se possam ter predições otimistas quanto ao futuro do ser humano, numa terra devastada pela incúria capitalista, que destrói o ambiente sem pensar que está dando um tiro no próprio pé. Sem a preservação e conservação de reservas florestais, das águas e de todo o ecossistema, o que nos restará será conviver com doenças endêmicas e pandêmica, com a fome e a miséria. Pobre planeta, nas mãos de gente tão estúpida, que não consegue enxergar um palmo à frente do nariz e destrói o futuro em nome de uma falsa prosperidade presente!


sexta-feira, 2 de julho de 2021

035 - A GENÉTICA

 

(Sculpture Ribbon of Life -DNA Double Helix by Mike Field)

A mais devastadora ciência, hoje, para os deístas, chama-se genética. Ao descobrir o DNA, a humanidade começa a desvendar o mistério da vida e a perceber que não há mistério algum, há apenas uma cadeia de genes que contém em si toda a história do ser humano e essa história é muito mais interessante e bela que a contada pelos deístas. E não tem nenhuma fantasia, a realidade dessa história. No entanto, arma-se um ataque terrível contra a genética, usando como arma aquilo que eles sabem muito bem manipular: a ignorância. Infelizmente, nesse início de século XXI, ainda está a humanidade mergulhada em trevas muito mais negras do que aquelas que se atribuem à Idade Média. Naquele tempo, tínhamos a dificuldade inerente ao momento histórico, de profundas modificações sociais num meio em que não havia uma classe burguesa definida, quando os meios de comunicação ainda não haviam sido inventados, quando o conhecimento tinha mínimas chances de ser amplamente divulgado, quando a ciência ainda era um arremedo de teorias confusas. O homem medieval não contava com ganhos científicos fantásticos que se obteveram durante o século XX. Seu mundo era restrito. Não eram de trevas, evidentemente, o mundo do homem medieval, mas um mundo limitado em si mesmo, fechado em doutrinas e teorias que não se podiam provar, incrustado entre uma civilização greco-romana de grande brilho e um futuro incerto de expansão e modificações sociais. Neste século, não. Temos à mão a mais complexa das invenções humanas: as comunicações. E temos a possibilidade de divulgar a ciência através de um sistema de ensino sem par na história da humanidade. E mesmo assim, não conseguimos dissipar as trevas da ignorância, porque o progresso científico ainda não se reverteu em progresso social, econômico e político.


quinta-feira, 1 de julho de 2021

034 - ESCRAVIZAÇÃO DO SER HUMANO


(Clovis Trouille - The Confession)

O deísmo e seu representante ocidental, o cristianismo, vivem da idealização do ser humano. Uma idealização fantástica, de absurdidades e incongruências. Não admitem ser humano como produto de milhões de anos de evolução, porque, se o fizerem, perdem o seu quinhão de “almas”, poder e dinheiro, muito dinheiro. Precisam mantê-lo escravo de doutrinas facciosas e tolas, para que não percam terreno sobre aquilo que mais lhes interessa: o domínio da humanidade. Perdido está no tempo esse objetivo, mas se mantém vivo através de milhões e milhões de páginas escritas, de sermões proferidos, de milagres inventados e, acima de tudo, através da ameaça constante de seu deus poderoso e vingativo.

187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...