sábado, 31 de julho de 2021

052 - RECUSA AOS HERÓIS GENOCIDAS

(Antoine Caron - 1521-1599 - triumph of winter)



Se não existem categorias de bem e mal, como punir o assassino? Essa pode ser a pergunta que não quer calar. No entanto, não há por que duvidar da punição àquele que comete crimes contra a natureza. Embora a natureza humana seja, ainda, cruel, porque não nos livramos de nosso lado instintivo de preservação da vida através da destruição de outro ser, temos que fazer o esforço necessário para superar esse instinto e ascender como ser racional, para nos convencer de que provocar a morte de outro ser humano é um crime contra a nossa atual natureza e, portanto, deve ser condenado sob todos os pontos de vista como o crime mais cruel e desumano. Atingir esse estágio de evolução é proscrever da face da terra o crime de morte, as lutas e guerras, as armas e seu poder de destruição. O ser humano precisa deixar de ser o seu próprio predador. Precisa deixar de cultuar os heróis guerreiros e passar para uma fase de total condenação de todos aqueles que construíram reputações em cima da morte de outros seres humanos. São totalmente absurdos homens como os césares romanos ou como Carlos Magno ou Napoleão. Deverão ser considerados, no futuro, numa civilização mais avançada, como loucos, imbecis ou homens cujo exemplo não contribuiu para o aperfeiçoamento da raça humana. Deviam, desde já, ser execrados nos livros de história, nos ensinamentos a nossos filhos, e não servirem de exemplo de vidas gloriosas. São apenas loucos assassinos e nada mais. Seus atos são fruto de imbecilidade ou de loucura. Seus feitos devem ser jogados na lata de lixo da história, como seres desprezíveis que se aproveitaram de momentos únicos da história para revelar o lado monstruoso da natureza humana, o lado da conquista sem limites, do assassínio frio e sem motivos. A guerra, sim, é o ato mais doloroso da espécie humana, o lado mais negro da dura luta do ser humano para se tornar mais civilizado. Não há, no entanto, nessa condenação tácita do ato guerreiro o julgamento moral de que ele representa o mal. A guerra não é o mal e a paz, o bem. Apenas julgamos a guerra um ato desprezível, inventado pela incapacidade humana de buscar, no atual estágio de evolução, o verdadeiro equilíbrio que lhe possibilite compreender as diferenças e viver em harmonia com outros seres humanos. E na raiz de todas as lutas, de todas as guerras, está sempre o estranhamento pelo diferente, a não aceitação do que parece ameaçador à primeira vista, como hábitos distintos, cor da pele ou um jeito diferente de olhar. O ser humano não compreende que não precisa rosnar e defender o seu território com garras (ou armas), diante da aproximação do estrangeiro, como o faz o animal acuado diante do desconhecido. Os humanos possuem um grau de inteligência que lhes permite avaliar situações e uma capacidade que nenhum outro animal possui: a comunicação, para expor suas dúvidas e ouvir as razões do outro lado. O encontro entre desconhecidos, sejam indivíduos ou povos, não podia se transformar em tragédias anunciadas como aconteceu entre o europeu e os povos americanos, por exemplo. Somente a arrogância de um e o temor, confundido com a fraqueza, de outros pôde determinar um dos maiores crimes já perpetrados contra a raça humana e já cometidos por um povo contra outro. O preconceito e a ignorância nunca foram elevados a tal potência, como no encontro entre o cristão e o pagão, em terras da América. O olhar que viu o ameríndio não soube reconhecer o igual. E por não reconhecer, destruiu civilizações, matou milhares de seres humanos e contaminou outros milhões com o vírus de seu ódio, muito mais pernicioso do que os vírus reais que ajudaram a dizimar com a influenza e outras doenças milhões de outras vidas ao longo do tempo. A dominação selvagem do europeu repetiu-se em outras terras, como na África, sem que a lição anterior fosse devidamente apreendida. E se outros contatos houver, novos genocídios ocorrerão. Assim é o ser humano. E assim não devia ser o homem. No entanto, a compreensão dessa natureza selvagem podia ter um olhar um pouco mais ameno, se não tivesse a raça humana se vangloriado de suas crenças, de suas filosofias e de seus deuses. Crenças, filosofias e deuses que, segundo os livros ditos sagrados, os ensinamentos ditos superiores e os deuses ditos benfazejos deviam ter tornado o ser humano mais cúmplice de si mesmo, mais humano dentro de suas monstruosidades, mas compassivo diante do outro. Por isso, a minha revolta diante de todo esse falso conhecimento adquirido até agora pela humanidade. Não há niilismo em minhas palavras, mas nojo em relação a todos esses princípios deístas fundados em palavras infames, como as dos deuses que dizem que quem não está com eles está contra eles. Temos, todos os seres humanos lúcidos, de combater sempre essa praga que é o deísmo, como, isso sim, um dos maiores males da humanidade, como um desvio de rota da evolução humana, para poder (quem sabe, um dia?) vislumbrar uma nova linha de pensamento e de civilização para a humanidade, liberta de suas malditas crenças e superstições, quando, então, o bem o e mal deixarão de ser categorias absolutas e serão jogados para sempre no esquecimento ou no folclore. E a lata de lixo da história agradecerá, se contiver todos os livros ditos sagrados, todos os deuses ditos benfazejos, todas os ensinamentos ditos superiores e todos os heróis com suas mãos pingando sangue.

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