quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

101 - CONHECIMENTO E TECNOLOGIA

 

(Oscar Bluemner - moinho e riacho ou sol de inverno, 1925)


Muitas civilizações, como a dos gregos, dos romanos, dos maias e de inúmeros outros povos em todo o planeta, já pagaram muito caro, com sua decadência social, econômica, militar e política, por não respeitarem a natureza. Felizmente, esses povos ainda não haviam conquistado tecnologia suficiente para que a destruição fosse total. Isso só aconteceu nos dois últimos séculos, o que torna a vida no planeta Terra extremamente frágil. Como seres que pensam, sonham e constroem, os humanos deviam conquistar primeiro o conhecimento e depois a tecnologia. No entanto, como não há um plano pré-estabelecido de evolução e tudo acontece mais ou menos ao mesmo tempo, de forma aleatória, poucos foram os que adquiriram conhecimento e tecnologia e muitos os que detêm apenas a tecnologia. Com o conhecimento, somos capazes de observar a natureza e respeitá-la. Com a tecnologia, somos capazes de explorar essa natureza. Com conhecimento e tecnologia, respeitamos a natureza e exploramos suas potencialidades sem depredá-la. Mas só com a tecnologia, destruímos a casa em que moramos, comprometendo o nosso futuro. Os faraós, com a força de uma religião equivocada, ao obrigarem os egípcios a lhes construírem pirâmides para sua sobrevivência após a morte drenaram as forças da nação e isso pode ter contribuído para leva-los à derrocada. Os maias comprometeram definitivamente sua civilização, quando não respeitaram as florestas e as sufocaram e as sugaram com suas cidades voltadas para divindades alucinadas e predatórias. O homem ocidental moderno tem menos compromissos com as divindades loucas e sugadoras das forças de um povo, mas ainda assim tem arraigada em sua mente a noção absurda de sobrevivência num outro mundo, o que o torna arrogante e ignorante. Arrogante a ponto de, com a bênção de deus ou de deuses, erigir templos absurdos à tecnologia, esquecendo-se de que essa mesma tecnologia lhe possibilita conhecimentos fantásticos quanto às consequências de suas ações. Ignorante, por não saber como usar de forma racional e verdadeiramente ecológica todo o conhecimento acumulado desde o início da civilização e todo o conhecimento que a tecnologia lhe traz da observação de mundos distantes e, até mesmo, da prospecção do futuro. A ideia de deus, esse vício de que o homem precisa se livrar para conquistar definitivamente a liberdade de pensamento, constitui, ao fim e ao cabo, um empecilho para o próprio desenvolvimento humano. A humanidade tem de parar de pensar em deus e inventar divindades, para pensar melhor em si mesma. E poder sobreviver.

domingo, 26 de dezembro de 2021

100 - DEUS É UM VÍCIO NA CABEÇA DO SER HUMANO

 

(Escultura de Maya Lin - a mesa de Einstein)

Esquecemos, com o tal “milagre da criação divina”, que há um outro “milagre”, muito mais extraordinário que a criação: a longa e lenta evolução das forças da natureza, a construir de forma aleatória e através de experiências fantásticas uma trajetória que parte de um organismo unicelular (por sua vez fruto de forças evolutivas tremendas) para a construção de um animal que pensa, fala, sonha e se insere de forma às vezes atabalhoada num mais do que rico sistema vital, onde todas as forças da natureza se relacionam e dependem umas das outras. Não há desdouro em aceitar o nosso passado animal, porque não somos, dentro do raciocínio evolucionista, o último elo dessa corrente e também porque não sabemos o que seremos daqui a milhões de anos. Um milênio é como um segundo no grande painel do tempo que se conta em números tão fantásticos que nosso cérebro ainda tem dificuldades de compreender. O ser humano, com todo o seu potencial, com toda a sua inteligência, adquirida num lento processo que não ainda não terminou, é um ser imperfeito. A natureza tem feito inúmeras tentativas de aperfeiçoamento da nossa principal máquina, o cérebro, e por isso coexistem em todas as civilizações tanto os gênios quanto os imbecis. Também não há desdouro em reconhecer a existência dos imbecis, dos seres que, embora humanos, nasceram com muito poucos dotes de inteligência, ou ainda, aqueles que, embora com uma grande capacidade cerebral, apresentam falhas terríveis de caráter e pendem para o lado mais negro da humanidade, como certos líderes cujos nomes nem vou lembrar, para não cometer a injustiça de omitir vários outros nomes de tantos monstros que assombram a história humana. Não há preconceito ou rancor em aceitar a existência de seres extraordinários, tanto numa ponta quanto na outra. Os pouco dotados, os que chamei acima de imbecis (sem nenhuma conotação pejorativa, mas por falta de palavra mais apropriada), devem merecer nosso respeito, como resultado de combinações genéticas que ainda não controlamos nem sabemos se um dia controlaremos. Quanto aos que causam desgraças terríveis à humanidade, os loucos e megalomaníacos, assassinos e tarados em geral, são também fruto desses mesmos genes e a humanidade terá de aprender a se defender de seus atos. Não são, nem os gênios nem os loucos nem os “santos” nem os “demônios”, frutos da mente inescrutável de uma divindade, mas seres humanos, demasiado humanos, para recuperar o título de um livro de Nietzsche. Não é à toa que o deus que esses humanos criaram, à força de nele pensar, é um deus que tem, elevadas a várias potências, as mesmas qualidades humanas e mais algumas que consideramos supra-humanas. Um deus que é um vício na cabeça do homem. Quando nos livramos dele, a sensação é a mesma de um viciado que se livrou do fumo ou do ópio ou de qualquer outra droga: alívio e liberdade. Alívio por não se precisar mais prestar contas de nossas vidas, de nossos atos, a essa divindade terrível que tudo vê e que está pronto a nos punir com a perdição eterna. Liberdade para poder enxergar a vida e a natureza com olhos de compreensão e de humildade diante de sua capacidade de nos surpreender. Liberdade, principalmente, para traçar um destino mais sensato para a humanidade, sem as armadilhas das superstições que nos levam a crer em sobrevivência de uma alma que não necessita de corpo físico e, portanto, da natureza, para existir. Quando o ser humano se sobrepõe à natureza, ele se condena ao desaparecimento.


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

099 - O VÍCIO DE PENSAR EM DEUS

(Henry Woods)


Perdida entre as páginas de algum livro antigo de minha biblioteca, lembro claramente, está uma folha de revista, amarelecida pelo tempo, provavelmente de 1960, quando ainda era muito jovem, em que há uma citação de um autor cujo nome será demais recordar agora, mas sua máxima me acompanhou a vida toda e está clara em minha mente: “Se Deus não existisse, os homens já O haveriam de ter criado, à força de pensar Nele”. Assim mesmo, com todas as maiúsculas de respeito. Passados tantos anos, essa frase, que me soava enigmática, tem, agora, um sentido bastante interessante. A ideia de deus ou de uma divindade acompanha o homem há tanto tempo, que o cérebro humano já se acostumou a pensar na sua existência, imposta desde os primeiros vagidos da criança, talvez, mesmo, desde a concepção, transmitida geneticamente, de geração a geração, e durante toda a vida intrauterina. Há um vício, portanto. Um pensamento que parece grudado à mente dos humanos, ou da maioria dos humanos. Como o vício do fumo. O organismo se acostuma ao tabaco e, depois, abandonar esse vício torna-se extremamente penoso. A única diferença é que o vício do fumo é um vício adquirido, enquanto o vício de pensar numa divindade é imposto como um dogma absoluto na mente humana, trabalhado através da repetição constante, a começar, por exemplo, no cristianismo, com o sacramento do batismo e, depois, com a educação da criança, estendendo-se, num cerco que beira a lavagem cerebral, a toda a sua vida. Em qualquer circunstância, em todos os momentos, não há quem não repita frases feitas de conteúdo deísta, como um “deus me livre” ou “deus te ajude” ou “vá com deus”. São inúmeras as vezes, durante apenas um dia de nossas vidas, que ouvimos, e às vezes até citamos, aforismos ligados à divindade, aparentemente repetidos de forma inocente e alheia à nossa vontade. São expressões que, de forma inconsciente, reforçam a ideia de deus em nossa cabeça: à força de pensar em deus, acabamos criando a criatura que achamos que nos criou. Como um vício. Um vício que não nos permite contemplar de forma isenta o mundo que nos cerca. Um vício que oblitera a nossa mente para outras possibilidades, muito mais humanas, de nos relacionar com as forças naturais a que estamos submetidos como seres que nascem, vivem e morrem como todos os demais seres vivos. Creio que podemos denominar esse vício de o mais poderoso meme já inventado pela imaginação do ser humano, algo quase impossível de erradicar de nossas mentes. Mas, tenha certeza de uma coisa, ó ser humano deísta que me lê, se você conseguir se livrar desse meme, desse vício, você se tornará, em sua mente, um ser absolutamente livre. E essa sensação de liberdade, pode ter certeza, é uma das maiores conquistas que um ser humano pode alcançar em termos de filosofia, de visão de mundo, de viver intensamente a vida de forma ética e comprometida com a própria vida e tudo quanto a ela está ligado: a natureza e o mundo em que vivemos, o nosso próprio corpo, ou seja a vida única e possível que temos. Portanto, cuidar de tudo isso é a primazia ética da liberdade de não ter que pensar em deus.



segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

098 - O TEATRO DOS METAFÍSICOS

 

(Edvard Munch - the hands)


Na mente dos metafísicos está escrita a sua maldição: é preciso, sempre, complicar, para explicar. E não adianta mostrar, provar ou dizer que nunca, em nenhum lugar do mundo, em qualquer circunstância, algum mortal tenha visto, percebido ou tocado a essência de qualquer coisa. Nenhum laboratório, até hoje, nenhum telescópio, nenhum detector controlado pela ciência, conseguiram, até hoje, encontrar sequer algum vestígio da essência da matéria, a não-matéria, a alma ou espírito, como querem fazer crer os truques de prestidigitação a que se dedicam os chamados espiritualistas. Nenhum homem retornou do sono da morte, como escreveu Shakespeare, para, logo em seguida, fazer Hamlet conversar com o fantasma de seu pai. Porque, acima da contradição, o genial dramaturgo prezava a construção poética do drama, o teatro em sua forma ideal. A diferença é que Shakespeare utiliza o paradoxo no palco. Os espiritualistas, os metafísicos, os lógicos de plantão pretendem que o palco substitua a própria vida e são audazes nisso: constroem templos, organizam festas e cerimônias, entoam cânticos, celebram eventos nunca ocorridos, inventam outros que jamais poderiam ocorrer e, assim, montam seu espetáculo teatral sobre a própria vida, acima da natureza, ocultando do espectador iludido com suas pompas a verdadeira natureza que permanece ali, atrás de toda aquela encenação, pronta a ser vista por quem tenha olhos de ver e de entender, sem dogmas, sem sectarismos, nua e crua em si mesma, sem nenhuma “essência” oculta.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

097 - DISCURSOS METAFÍSICOS SÃO PIRÂMIDES: BELOS E INÚTEIS

 

(Yves Tanguy)


A metafísica é antinatural e, por isso, criou produtos antinaturais, absurdos, embora atraentes e belos. São como as catedrais e as pirâmides, os discursos metafísicos: não servem para nada, a não ser para criar ilusões, sobre as quais navega a mente da maioria dos seres humanos. A ilusão da vida, essa a finalidade precípua da metafísica. Os metafísicos odeiam a vida verdadeira, que não tem essência, não tem dificuldades e complexidades além das que a própria vida oferece, em seu existir e em suas leis. Para a metafísica, é necessário, primeiro, negar a vida, depois, reconstruí-la na mente das pessoas como uma pirâmide de cristal, embalada numa lógica interna e perversa, elaborada para criar ilusões. E então, os cristos ressuscitam, os mortos falam, o inferno e o céu se povoam, as hagiografias se compõem, os milagres se realizam. E os cofres das igrejas se enchem do ouro dos tolos, aquele mesmo que não tem valor algum. Porque o mundo de ilusão está criado, estabelecido e estratificado nas mentes que não ousam olhar para fora, para a vida, para a natureza e observar sem sectarismos como essa vida e essa natureza realmente se comportam, muito distantes das metafísicas inúteis e enganadoras. Então, ao discurso cético só resta o caminho do testemunho, da análise serena e objetiva do mundo e da transformação dessa análise em filosofia do cotidiano, o que, às vezes ou quase sempre, parece pobre para as mentes “esclarecidas” dos metafísicos, sempre preocupados em buscar de cada objeto a sua “essência”, esquecidos, em suas elucubrações imbecis, de que a natureza é apenas aquilo que ela é, sem nenhuma “essência” espiritual além da matéria atômica de que é composta.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

096 - O DESAFIO DO DISCURSO CÉTICO

 

(Suzanna Schlemm)

O discurso cético. Esse o desafio. Criar crenças absurdas e superstições metafísicas é muito fácil. E, a partir dessas invenções, construir um sistema teosófico ou inventar teogonias é um pulo bastante simples, basta um pouco de imaginação. E torna-se fácil, com o discurso metafísico, impressionar as mentes mais frágeis, para transformar em verdades as suas absurdas interpretações do mundo. Basta usar a lógica, a estupenda lógica dos socráticos, dos platônicos. E o mundo se ordena maravilhosamente na especulação de belos edifícios filosóficos. Tudo se explica. Tudo se encaixa. Na mentira mais deslavada. Na enganação espúria das pessoas que preferem acreditar em religiões, em superstições, em magias, do que simplesmente olhar ao redor de si e contemplar o movimento da natureza. Não há mistério, não há magia maior do que a própria vida a se desvelar ante os olhos de quem olha sem preguiça mental para os eventos que a natureza nos oferece. O vento é apenas o vento. Não traz em si nenhuma conotação espiritual de vingança nem age a mando de deuses estúpidos. A fera é apenas a fera. Defende sua prole e seu território com as forças que a natureza lhe deu. Não tem intenção de matar para cumprir qualquer tipo de desígnio superior ou inferior. Não há demônios na natureza. Nem santos, nem anjos, nem deuses. Não há entidades abstratas. Há apenas as leis simples e precisas que conhecemos e não aprendemos a reconhecer como o motor da vida. As abstrações foram plantadas na mente humana, por obra e graça dos metafísicos. E não adianta fornecer àquele que crê em superstições um discurso objetivo e sem dogmas, porque a crença obscurece todos os sentidos e impede que o crente enxergue, ouça e perceba (pelo tato ou pelo gosto ou pelo olfato). Seus sentidos ficam embotados. Aliás, não há discurso filosófico sem dogmas. Por isso, não há filosofia no ceticismo. Há apenas o discurso que apresenta uma visão de mundo, uma experiência, que cada um que o ler deve aproveitar ou não sua lição. Não há possibilidade lógica no ceticismo, porque a lógica é a mãe de todos os fundamentalismos baseados na metafísica. Também não há apenas o experimentalismo que coloca o pensamento subordinado aos eventos. O pensamento cético caminha lado a lado com a experiência, transforma a experiência em ideias e ideias em experiências. E constrói o edifício da sua visão de mundo, especial e diferente em todos os sentidos do discurso lógico e filosófico. É um discurso voltado para o outro, para a natureza e para si mesmo como agente e paciente da ação da vida que transcorre, esta sim, com a simplicidade de suas lógicas e de seus meandros.

sábado, 11 de dezembro de 2021

095 - TECNOLOGIA E CONSUMISMO

 

(Anish Kapoor - Dismemberment)



Por paradoxal que possa parecer, somente a tecnologia pode nos salvar. Desde que usada com conhecimento. Porque é isto o que acontece: temos tecnologia e sabemos disseminá-la, mas não sabemos fazê-la acompanhar-se daquilo que lhe deu origem – o conhecimento. O ser humano é um animal hábil. Só isso. Não é, em essência, um animal sábio. Se fosse sábio, não se condenaria à extinção, ao usar a tecnologia apenas para destruir a casa onde mora. Assim, só o conhecimento, a sabedoria, poderá tirar a humanidade da enrascada em que se meteu. No entanto, conhecimento não é algo que se distribui facilmente. Como convencer o pobre diabo faminto de que não deve pescar durante certas épocas do ano? Como convencer o sem-teto a não invadir a área de manancial, porque estará degradando as fontes e destruindo o futuro? Não há futuro para quem tem fome. O imediatismo da miséria conspurca qualquer possibilidade de futuro. Então, o conhecimento, a sabedoria, deve ser usado, primeiro, para resolver questões econômicas de curto prazo. Vencer a miséria torna-se uma das metas a ser cumprida, para reverter a degradação de nosso planeta. Mas há a outra ponta da encrenca: o consumismo. Também é preciso convencer milhões a consumirem só o indispensável, a cortar o supérfluo, a desperdiçar menos e olhar mais para o futuro. Outra tarefa tão difícil quanto combater a miséria. Então, temos dois lados de uma mesma moeda, com o capitalismo selvagem fazendo a liga entre o mundo consumista e o mundo miserável, constituindo ambos o cerne de um dos problemas mais complexos da humanidade, a preservação de sua existência, a construção de seu futuro. Para combater a miséria, temos o conhecimento e nos falta vontade política, pois implica buscar soluções como distribuição de renda, criação de empregos, controle da natalidade, combate às doenças etc. Para combater o consumismo, não temos nenhuma tecnologia, a não ser o uso da razão, do convencimento simplesmente, mas diante das pressões econômicas dos capitalistas, isso se torna uma tarefa tão inútil quanto enxugar gelo. Ficamos, então, num beco quase sem saída. O grito dos ecologistas e o desespero dos cientistas a alertar para o desastre iminente precisam ganhar as manchetes dos meios de comunicação. A sirene do alarme deve ter seu ruído aumentado ao infinito, para que o mundo desperte da letargia do consumo desmesurado e busque o equilíbrio entre ser humano e natureza, para interromper o processo acelerado de destruição que a tecnologia possibilitou. Nunca se destruiu tanto em tão pouco tempo, com tão poucos recursos. Esse o preço que estamos pagando por uma tecnologia barateada pelo consumismo, usada sem o devido conhecimento, sem a devida sabedoria. Até quando vamos elevar a base e a atura dessa pirâmide chamada consumismo? Só uma grande catástrofe, talvez, possa acordar o homem. Infelizmente. E essa catástrofe está logo ali, a poucos anos a nossa frente, a nos espreitar com seus olhos silentes e sombrios. Só nos resta torcer para que, num determinado momento, os que têm sensibilidade para perceber o que está acontecendo possam ser ouvidos e, então, os povos comecem a cobrar de seus dirigentes a responsabilidade pelo equilíbrio do grande ecossistema em que vivemos. E tomem as providências necessárias, antes da grande catástrofe ecológica que nos espera. É preciso que paremos de queimar a vela da vida pelas duas pontas.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

094 - A GRANDE PIRÂMIDE DO CONSUMISMO

 

(Dinho Bento - o animal consumista)

A civilização egípcia construiu pirâmides para seus faraós. Monumentos imensos e perfeitos, que necessitaram de recursos formidáveis, para o nada, para a morte, para o engrandecimento de uma casta mínima de dirigentes. O culto à morte condenou todo um povo, toda uma civilização, ao desaparecimento, pelo esgotamento de suas reservas na construção de monumentos inúteis. As pirâmides, por mais fantásticas que as consideremos, são as obras mais fúteis já construídas pelo engenho humano. Não serviram para nada e não servem, hoje, para nada, a não ser para atrair turistas com suas máquinas fotográficas de último tipo e manter uma indústria mais ou menos próspera de antiguidades. Ao longo da história, o ser humano construiu e continua construindo pirâmides, adaptadas à ideologia e ao deus de cada época, chamadas ali de catedrais, mais adiante de palácios, mas todos esses monumentos maravilhosos, de pedra e materiais nobres, desafiadores da capacidade humana de criar coisas belas, todos eles monumentos à inutilidade. A grande pirâmide dos nossos tempos – iniciada a sua construção a partir da revolução industrial – não tem paredes de pedra, não tem existência visível, mas demonstra muito mais capacidade de esgotamento das reservas do planeta do que qualquer outro monumento já erguido pela humanidade em todos os tempos. Denomina-se consumismo. Chamo-a de catedral da absorção. Tem a boca de milhões de demônios famintos e os olhos de milhões de voçorocas a devorar as riquezas da terra, simplesmente pelo prazer de possuir seus tesouros, transformados em tantos bens inúteis, em tantas tralhas sem finalidade, em tantas geringonças a atravancar os lixões, que não somos mais capazes de controlar sua produção em série. Escravos dos subempregos que gera, abrutalhados pelo círculo vicioso do produto que gera uma necessidade que gera um produto, não percebemos, escondidos atrás das fumaças das fábricas, que estamos comendo por dentro o nosso planeta, vorazes bichos da fruta a matar a mãe que nos alimenta. Usamos e desperdiçamos recursos preciosos sem nos dar conta de que essa pirâmide infernal cresce a cada dia e esgota nossa capacidade de construir e preservar, esquecidos de que a Terra não é fonte perene de energia, de vida, de recursos. Não aprendemos com os povos que desapareceram que não podemos usar sem repor os recursos que parecem, à primeira vista, abundantes. Degradamos num simples piscar de olhos ecossistemas que levaram séculos para se desenvolver. Transformamos montanhas em lixo em poucos anos. Trituramos florestas imensas em poucos meses de exploração predatória. E com todos esses e outros recursos, queimamos vida, vida que não se repõe ou, se o faz, levará séculos ou milênios, quando, talvez, já não haja mais tempo para a humanidade. Tudo isso é fruto da estupidez humana. Ou, pelo menos, da maioria absoluta da humanidade. Não há racionalismo nenhum nessa autofagia desenfreada em que se meteu a humanidade, desde a sua existência, exacerbada agora pela tecnologia.

domingo, 5 de dezembro de 2021

093 - BARBÁRIE ECOLÓGIA

 

(Wols - Alfred Otto Wolfang Schulze - 1937-50)

Dominar a Terra. Ser o seu dono absoluto e sobreviver. Missão da humanidade. Não da humanidade atual, mas de um ser humano mais inteligente. O que vemos hoje constitui um estado de barbárie. Há cérebros extremamente lúcidos quanto aos problemas ambientais, trabalhando para que se ultrapasse esse estado de barbárie. Mas são minoria. Os interesses políticos e econômicos falam mais alto. E a estupidez da maioria faz o resto. Não há justificativa, além da estupidez, para a degradação do ambiente. Estamos, literalmente, cuspindo no prato em que comemos. Na verdade, cagando. Porque a sujeira dos rios, por exemplo, com dejetos humanos e industriais, só pode ser coisa de gente muito estúpida. A água, causa e consequência da existência de vida, torna-se, a cada dia, mais rara no planeta. A água potável transformar-se-á, se providências urgentes não forem tomadas, em verdadeiro pesadelo para a existência dos seres humanos neste planeta. Regiões de mananciais são tomadas pela especulação imobiliária, fruto da ganância, inviabilizando a captação de água para milhões de pessoas, sem que ninguém tome providências. Justifica-se a inoperância com o problema social, pois são, em geral, pessoas de baixa renda os invasores dessas regiões, incentivados pelo imediatismo de grileiros acobertados por interesses políticos. No entanto, coloca-se em risco a sobrevivência e o futuro de uma cidade como São Paulo, de dez milhões de habitantes, por causa de cinco ou dez mil invasores, que deviam ser retirados, nem que fosse a poder de polícia, para regiões onde não pudessem comprometer a própria vida e a de seus descendentes. Está-se dando um tiro no pé da civilização. Pobreza não pode justificar a burrice. E a burrice, nesse caso, não é dos pobres, mas daqueles que se aproveitam deles para tirar vantagens eleitoreiras. E não é só a degradação de rios e represas por esgoto humano e industrial que preocupa. Há também a terrível poluição provocada por mercúrio e outros produtos tóxicos provindos da atividade mineradora, da exploração descontrolada de rios importantes em busca de metais e pedras preciosas, também aí uma exploração resultante da ganância e da estupidez humana. A indústria de joias, essa fonte de vaidade estúpida, que cria maravilhas de arte e beleza infernais, para enfeitar o corpo de homens e mulheres, contribui decisivamente para a degradação do planeta, num canto de sereia que pode custar muito caro ao ser humano do futuro. Também o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras, além de levar veneno para a mesa das pessoas, polui a terra e as águas, contaminando os rios e os aquíferos, matando a fauna e a flora, inviabilizando o uso da água subterrânea ao torná-la imprópria para uso humano. Também os mares e oceanos não escapam da fúria destruidora do ser humano, porque além de despejar nas águas marítimas a sujeira que vem dos rios e dos esgotos, acidentes com grandes petroleiros e perfurações em águas profundas sujeitas a vazamentos que despejam no mar milhões de litros de óleo ocasionam danos quase permanentes à fauna e à flora, sem que os governos tomem providências enérgicas contra as grandes companhias petrolíferas, que mandam e desmandam no mundo, refém de seu poderio econômico. E a poluição das águas é só um dos grandes problemas de degradação ambiental a que assistimos nesse início de milênio. Há outros, tão ou mais graves, como o desmatamento incontrolável das florestas em todo o globo, sob a responsabilidade de madeireiras que só visam ao lucro imediato, sob os olhos complacentes e, às vezes, até mesmo a contribuição de governos, polícia e judiciário corruptos; a poluição do ar com componentes cada vez mais tóxicos provenientes das grandes indústrias do mundo inteiro, principalmente dos países mais desenvolvidos, que despejam milhões de metros cúbicos de poluentes na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global, cujas consequências catastróficas podem se tornar apocalípticas para a humanidade; a pesca predatória, sem nenhuma preocupação com o ritmo da natureza, feita por grandes companhias donas de imensos navios pesqueiros que utilizam técnicas que não só capturam as espécies que lhes interessam mas também arrasam com toda a fauna marinha em quilômetros, sabendo que podem circular livremente por todos os oceanos, sem serem perturbados, porque confiam no seu poder para corromper e tornar reféns desse poder nações inteiras; a exploração sem controle das reservas naturais de petróleo e outras riquezas, esgotando em poucos anos o que deveria constituir em patrimônio da humanidade, sem investir em busca de energias alternativas que possam impedir uma catástrofe mais do que anunciada. Enfim, a humanidade torna-se cada dia mais refém de sua própria estupidez. Estupidez alimentada pela ganância do lucro imediato, pela especulação em torno da vida, sem pensar que o ganho de hoje pode ser a tragédia do futuro. A isso eu chamo barbárie, uma das tantas que acomete a humanidade, que é capaz de criar tecnologias fantásticas e não é capaz de pensar com o cérebro privilegiado que tem uma solução imediata que torne viável a vida humana de um futuro não muito distante, porque, diante do grau de avanço cada vez mais rápido da degradação, não haverá mais vida neste planeta dentro de cinco ou seis séculos, ou seja, a humanidade não comemorará o quarto milênio.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

092 - O FUTURO COMEÇA AGORA

(Zdzisław Beksiński)

O desaparecimento de um planeta como o nosso, na ordem universal, não passaria de um acontecimento extremamente inexpressivo. Somente nós, que somos parte desse planeta, na nossa pequenez, é que nos achamos importantes. Se pudéssemos juntar toda a areia que há em nosso planeta numa só praia, a Terra seria menos que um minúsculo grão. Praticamente nada sabemos do Universo que nos cerca. E, possivelmente, nunca saberemos. Pensar sobre isso pode conter uma dose de pessimismo que muitos não devem tolerar, mas é a única forma de nos colocar frente ao problema de nosso próprio destino. Temos a capacidade de escolher o caminho. Isso é fato. Não é fato que façamos a escolha correta. Por isso, é preciso levantar vozes de alerta contra a destruição do ambiente em que vivemos, contra a corrida armamentista, contra o desenvolvimento brutal da capacidade de destruição que a humanidade vem acumulando. O pacifismo e os movimentos ecológicos não são criação da mente de poetas e sonhadores, de utópicos e covardes que, simplesmente não gostam de armas ou de guerras, ou que não desejam a exploração das riquezas da Terra, mas constituem, mesmo em suas formas mais exageradas de manifestação, um alerta precioso quanto ao mundo que queremos deixar para as gerações futuras, ou, até mesmo, se vamos deixar alguma coisa para as gerações futuras. E o futuro não se planta no futuro, tem que começar já, agora, no preciso momento em que estamos. Ações globais e planos nacionais de combate à poluição e à degradação do ambiente devem ser adotados por cada um dos indivíduos conscientes desse planeta. Caso contrário, não saberemos nunca o caminho da evolução da mente primitiva do ser humano, não teremos, na realidade, saído das cavernas, apenas construímos cavernas tecnologicamente mais avançadas, com luz elétrica, água corrente e ar condicionado. Mas cavernas, apenas cavernas.

187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...