segunda-feira, 29 de agosto de 2022

178 - REPÚDIO AO VANDALISMO

 

(Cândido Portinari - dom Quixote arremetendo contra o moinho de vento-1956)

Já escrevi algures que nenhuma civilização se constrói sobre os escombros de outra. Que a destruição e, principalmente, a remoção dos escombros e a reconstrução sugam as forças de um povo, impedindo que se restabeleçam a ordem e a grandeza da antiga civilização. Portanto, revoluções que destroem para pretensamente construir estão fadadas ao mais absoluto fracasso. Isso justifica o fato de odiar vândalos e vandalismos. Não acho que seja necessário destruir seja o que for como forma de protesto, de transformação, de evolução. Aliás, para mim, mentes que destroem são mentes primitivas e, como tal, não saberão jamais conduzir qualquer processo de ruptura, de mudança e, principalmente, de evolução. Evoluir implica civilizar. E civilizar jamais foi ou será sinônimo de destruição. Até mentes destrutivas e primitivas, como a de Napoleão Bonaparte, souberam respeitar, por exemplo, as ruínas do Egito, embora os cientistas e arqueólogos da comitiva militar tenham saqueado as riquezas daquele país e levado os despojos para museus e praças de Paris. Destruir só passa pela cabeça de mentes extremamente primárias, sem visão de futuro. Por exemplo: se um povo resolver fazer uma revolução contra os capitalistas e destruir suas indústrias como forma de vencê-los, esse povo estará derrotando a si mesmo, porque a vitória, se houver, não terá como ser aproveitada sem a infra-estrutura anterior. Por isso, sou cabalmente contra qualquer ato de vandalismo, de destruição e acho que vândalos são indivíduos perigosos para si mesmos e para qualquer possibilidade de revolução que se tenha em mente.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

177 - PERSEGUINDO A UTOPIA DA CIVILIZAÇÃO

 

(Artus Quelllinus o Velho - Caritas romana - c.1652)


Qual é o índice de civilidade? O que é, realmente, uma civilização? Difícil responder, de forma simples, qual é o conceito de civilização. Porque pode um agrupamento humano ser extremamente civilizado em certos aspectos e tremendamente bárbaro em outros. O ser humano é múltiplo e muito mais múltiplo ainda quando reunido em sociedades de certa complexidade organizacional. No entanto, acho que o cumprimento das leis pode ser um bom índice civilizacional. Quanto mais cumpridor das suas próprias leis, mais civilizado é um povo. O problema desse índice, no entanto, está na forma como são elaboradas as leis e na sua própria essência. Eu acredito que não se obedece a ordens absurdas. Logo, as leis precisam ser sensatas para que o povo possa obedecer-lhes. E o que é sensatez? Aí, a coisa realmente pega, porque não é possível determinar graus de sensatez, quando se trata do pensamento humano e da própria história da humanidade. Para isso, teríamos que chegar a um grau de democracia republicana muito sofisticado, em que o poder realmente venha do povo, para ele se dirija e, principalmente, por ele seja controlado, sem nenhum resquício de tirania ou vilania. E isso, convenhamos, está mais para utopia do que possibilidade. Mas, se queremos, mesmo, ser utópicos, diria que civilizado é o povo que não precisasse de leis. Ou seja, o grau máximo de civilização estaria numa sociedade que abolisse leis, jurisprudências, regulamentos, decretos e congêneres e, até mesmo, por mais absurda que possa ser a ideia já há muito sustentada por correntes filosóficas, uma sociedade que abolisse qualquer ideia de poder, de governo, de diferença de classes. Um sociedade tão igualitária e tão cônscia de seus deveres e direitos que não precisasse de deveres ou direitos a serem defendidos ou, até mesmo, escritos ou ditos, para que se lhes obedeça. Uma sociedade em que cada homem e cada mulher respeitassem tanto a si mesmos, como ao outro e à natureza, que pudesse abolir a própria ideia de governo, de leis e de classes, por absurda e inútil. Tal sociedade cumpriria, sim, o requisito máximo de um povo civilizado: viver em harmonia consigo mesmo, com os demais e com o ambiente. Utopia? Sem dúvida, mas se a humanidade não perseguir esse tipo de utopia, não conseguirá jamais ultrapassar o estado de barbárie em que ainda se encontra.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

176 - DEÍSMO E CAPITALISMO

 

(Escultura de Camille Claudel - Persée et Gorgone)


O capitalismo ou os capitalismos degenerados em que se transformou o sistema econômico mundial são os frutos podres da árvore deísta. Caminham juntos, unidos num só ideal, amparando-se mutuamente: o deísmo dá ao capitalismo o estofo filosófico para continuar sua obra malfazeja de perpetuação da estupidez humana, das diferenças sociais e econômicas e, consequentemente, da escravidão do homem pelo homem, ou seja, da submissão de povos aos interesses de menos de dez por cento da população mundial que detém quase noventa por cento das riquezas produzidas pelo ser humano. Capitalismo e deísmo, as duas pragas unidas a inviabilizar o futuro da humanidade, pois, por serem ambas antinaturais, não têm nenhum interesse na preservação da vida e contribuem decisivamente para a deterioração das condições ecológicas do planeta Terra. Enquanto estiverem unidos, não haverá muitas oportunidades para se salvarem os rios, as matas, as águas, os animais e o próprio ser humano. Urge destruir tanto a um quanto a outro, se ainda se quer plantar alguma esperança de salvação do ecossistema em que vivemos.

sábado, 20 de agosto de 2022

175 - CICLOS DA NATUREZA

 

(Foto de Fátima Alves)

Águas de março. Fecham o verão. E um ciclo de vida. Porque a natureza vive de ciclos. O rio sobe e desce, à mercê das chuvas. As plantas crescem, florescem e frutificam à mercê das chuvas, trazidas pelos ciclos das estações. A vida é um ciclo. Estabelecido pela natureza, como um relógio vital, que condiciona a vida pelo andar de seus ponteiros. Só o ser humano, com o conhecimento, pode, às vezes, interferir no ciclo vital e direcionar o relógio para os seus interesses. Desde que isso não implique violar princípios básicos, como impedir que a chuva caia ou que as leis da natureza sigam seu curso. O ser humano tem o poder de manipular células e construir organismos, sejam eles outros seres ou plantas ou minerais. Cria, assim, com o conhecimento das forças da natureza, oportunidades e mistérios, mas não cria a vida: apenas a recria, como faz a própria natureza. E usa as forças da natureza em seu proveito. Mas, repito, não pode contrariar os princípios naturais. Querer que um rio não suba na época de chuva é invocar princípios mágicos. E a natureza não tem magia, tem forças e leis. As águas de março que fecham o verão não podem fechar os olhos humanos aos ciclos naturais da vida.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

174 - ECOLOGIA: MITO E REALIDADE

  

(Charles Marion Russell - driving buffalo over the cliff-1914)

Ecologia. A humanidade precisa aprender a respeitar a casa onde mora. Casa cujo ecossistema é frágil e pode colocar em risco a própria sobrevivência humana. Não pode haver estupidez maior que o desrespeito à natureza e o ser humano tem sido estúpido o suficiente para não entender que é preciso mais do que políticas antipoluição e antiaquecimento global para salvar a Terra. O conhecimento científico acumulado pela humanidade deveria ser suficiente para uma ampla campanha de esclarecimento e sensibilização quanto aos aspectos mais simples da nossa relação com o meio em que vivemos: não sujar os rios e o ar, não destruir florestas, respeitar os ciclos da natureza, preservar animais, praticar sistemas agrícolas não invasivos etc. No entanto, cometem-se milhões de agressões à natureza a cada minuto, no planeta todo. Por quê? Mais do que ignorância, o ser humano comum perdeu a noção precisa de seu relacionamento com o ambiente, com os animais e com as plantas, com os rios e os mares, porque não entende as lições dos cientistas e não têm mitos, lendas, histórias que o ensinem, que o sensibilizem, que se comuniquem diretamente com sua mente, sem fórmulas ou explicações complexas advindas do conhecimento científico racional. Exemplifico. Joseph Campbell, no livro O Poder do Mito, conta uma história que vai ajudar-me a explicar o que eu quero. Uma tribo de índios pés negros conseguia carne para o inverno através de uma “cachoeira de búfalos”: conduziam a manada até o alto de um rochedo de onde todos despencavam e morriam. No entanto, durante uma época, os búfalos passaram a escapar do cerco. A jovem filha do cacique prometeu casar-se com um deles, se os búfalos voltassem a se atirar do penhasco. O chefe da manada ouviu-a e levou-a em troca de seus parentes mortos no rochedo. Seu pai, no dia seguinte, percebeu pelas pegadas que a filha tinha ido embora com um búfalo e saiu atrás dela. Num charco, perto de um rio, o pai encontrou um pássaro que lhe informou que a filha estava próxima e, a seu pedido, avisou a menina de que o pai tinha vindo buscá-la. A moça disse que aquilo era muito perigoso, mas ia dar um jeito. Quando seu marido búfalo acordou e pediu-lhe que buscasse água para ele, aproveitou para encontrar o pai e pedir-lhe que fosse embora. Quando voltou, o búfalo sentiu o cheiro do índio e fez que toda a manada corresse pelos charcos e campos até espezinhar e destruir completamente o pai da indiazinha, que chora copiosamente. O búfalo retruca que ela está chorando apenas por seu pai, enquanto os seus filhos e parentes estão lá no rochedo, prontos para o sacrifício. Então lhe propõe: se ela trouxesse o pai de volta, o búfalo os deixaria ir? A índia obtém com o pássaro um pequeno osso do pai e, com isso, consegue revivê-lo com cantos e danças de sua tribo. Os búfalos ficam espantados e propõem: por que você não faz isso para nós? Ensinaremos a você cantos e danças dos búfalos e quando vocês tiverem matado nossas famílias, você cantará e dançará para que voltemos à vida. E assim foi feito. Através do ritual, os búfalos atingiram não a dimensão transcendental que defende Campbell, mas se transformaram de coisa em “alguém”, ou seja, ganharam o respeito dos índios, que passaram a matar somente os animais necessários para sua sobrevivência. O que garantia a preservação de ambas as espécies, dos búfalos e dos índios. Estabeleceu-se a harmonia da relação caça e caçador. Quando o homem branco chegou à América do Norte, dizimou os búfalos por causa, apenas, da pele, porque não tinha noção do mito que garantia o respeito à caça, como forma de preservação. É isto o que aconteceu: o ser humano moderno, geralmente urbano, perdeu a noção do mito esclarecedor e, com isso, tornou-se o predador estúpido que hoje vemos em todo o mundo. Perdeu esse tipo de informação mítica, trazida pela sabedoria dos antigos, e não ganhou ainda a sabedoria nova, trazida pela ciência. Nesse interregno perigoso de tempo, a natureza está sendo destruída e isso pode levar a humanidade a crises imensas de sobrevivência, pois as forças naturais seguem o seu próprio ritmo e não esperam que o ser humano se torne menos estúpido.

domingo, 14 de agosto de 2022

173 - IGUALDADE DE SEXOS

 

(Edward Munch - Adam and Eve - 1918)

Homem e mulher: a dicotomia natural dos sexos. A forma que a natureza desenvolveu para preservação da espécie humana. Diferentes, não opostos. Complementares. Que a estupidez de filosofias excludentes e obscurantistas transformaram em opostos. A aparente inferioridade física da fêmea, aliada a essas filosofias criacionistas de poder ou de divisão de poder entre deuses e deusas, trouxe ao macho a impressão de que era superior e, portanto, podia impor-se à fêmea, como forma de reproduzir na natureza a estupidez do olimpo. Não há motivos para que haja superioridade de um sexo sobre o outro. Isso é coisa de culturas arcaicas e pensamentos primitivos de dominação. Serviu e ainda serve para estabelecer injustiças, em nome de seitas que apregoam a superioridade do macho porque o seu deus também é macho. Macho e dominador. Então, o homem, estúpido e estupidificado por falácias, oprime a mulher, considerando-a mero objeto de seu desejo e de sua vontade, ignorando que o legado genético da humanidade passa por ambos os sexos. Não há que se discutir superioridade sexual, entre humanos. Também não há que se exaltar um dos sexos, seja o masculino, seja o feminino. As diferenças entre ambos existem para se complementarem, não para se oporem. Ressaltá-las ou escondê-las só servem para acirrar ânimos idiotas de tentativa de comprovação de superioridade de um sobre o outro. O que se deve fazer é conhecer essas diferenças para saber lidar com elas. O macho não é superior à fêmea, nem a fêmea é superior ao macho, isso é um preceito que precisa retornar à consciência do ser humano, para que a humanidade não continue cometendo injustiças inolvidáveis de um sexo sobre o outro. Há muitos séculos de desigualdade para que a situação da mulher atinja o nível desejado de ausência de discriminação. As conquistas femininas de superação da desigualdade devem tornar-se ponto de honra para superação da barbárie. Porque todo ato de violência de um sexo contra o outro se constitui num gesto de barbárie e é preciso ser apresentado ao público como opróbrio e precisa ser punido sistematicamente até ser definitivamente rejeitado por todos. Os exemplos deístas de inferioridade da mulher, a começar pelo mito da criação, quando a primeira mulher desobedece ao criador e torna-se culpada pela queda do homem, precisam ser destruídos da mente humana como mitos tremendamente perversos e estúpidos. Todas as civilizações têm repetido esse mito abominável, de uma forma ou de outra, contribuindo para o sentimento de superioridade do macho humano e fazendo que esse sentimento se transforme em mil maneiras de humilhação e de violência contra a mulher. Repudiar tais mitos também se torna ponto de honra para a superação da barbárie.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

172 - O ÓDIO DEÍSTA AO SEXO

 

(Lenkiewicz - orgasmo)

A ojeriza deísta ao sexo como instrumento não só de procriação, mas também de prazer tem trazido formas importantes de discriminação, de desavenças, de exclusão. E, principalmente, de sofrimento. Porque nos faz lidar com nossa sexualidade como um tabu, como algo proibido, proveniente do chamado pecado original, aquele que levou o homem à queda, à expulsão do paraíso, segundo a doutrina deísta ocidental, chamada de cristianismo. A cosmogonia cristã já traz em seu bojo a condenação do sexo como algo fora da alçada do deus gerente que sabe tudo, mas não sabe que a sexualidade é não só uma forma de procriação, mas também fonte de extremo prazer. Um deus, sem dúvida, muito estranho. Dá à sua criatura o prazer, mas proscreve-o, como imundo. E pior: não só dá ao ato procriador uma imensa carga de prazer, mas permite que outras formas de sexo sejam descobertas pelo ser humano. E estupidamente condena essas formas alternativas como bestiais, como ainda mais indignas. E expulsa do seu rebanho uma imensa parte da humanidade que as pratica. Condena os homossexuais às chamas do inferno, simplesmente porque eles fazem sexo de forma diferente do que ele, o criador, ordenou que se fizesse. Ou, então, podia-se perguntar: serão os homossexuais seres que não foram criados por ele? O que traria ainda mais problemas, pois teríamos criaturas não-criadas, um inominável paradoxo. Para algumas seitas cristãs (e acredito que para muitas outras religiões não cristãs também), a homossexualidade é coisa do diabo ou é doença. Em ambos os casos, sua condenação e exclusão fazem parte das grandes contradições teológicas não resolvidas do deísmo. Se é coisa do diabo a homossexualidade, então deus não é assim tão poderoso como apregoam. Se é doença, então todos os doentes deveriam ser estigmatizados, e não somente os homossexuais. Enfim, teologia e sexualidade são como água e azeite: não deviam se misturar, mas a estupidez deísta, não podendo ignorar os instintos humanos, cria mil empecilhos a que o ser humano tenha uma relação sadia com seu corpo, com seus instintos, com seu sexo. E cria mais uma fonte interminável de discussões idiotas e sofrimentos inúteis.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

171 - SEXO E RELIGIÃO


(Bernini - o êxtase de Santa Teresa)


Sexo e religião. Um tema complicado. Porque se misturam, de uma forma absurda. Pergunto: por que são as religiões tão preocupadas com o sexo? O cristianismo sataniza o máximo possível toda e qualquer manifestação sexual humana que não tenha por objetivo a procriação. É doentio, isso. A preocupação de todos os teólogos, não importa a qual seita pertença, com o controle da sexualidade contém uma patologia que não se coaduna com os tais princípios da criação. Porque, se deus criou tudo o que existe, também criou o sexo, a sexualidade, com todas as variações possíveis. Não vou nem cair no ridículo da discussão inútil de que o ato criador é um ato sexual. Isso apenas traria a ira inconsequente dos deístas e não levaria a lugar algum. O que me incomoda, nessa excessiva preocupação deísta, existente em praticamente todas as religiões, em demonizar o sexo, é que não há nisso nenhum objetivo aparente, não há nenhum motivo real ou imaginário. Por que o ato sexual, seja ele praticado de que forma for, ofende tanto a natureza desse deus? Não me venham os teólogos com suas citações canalhas de textos da bíblia ou de outros textos ditos sagrados ou de autores antigos, filósofos ou teólogos, a justificar que deus é assexuado e sexófobo por isso ou aquilo. Não há explicação lógica. Em que o ato sexual poderia apresentar-se como antirreligioso? Principalmente sabendo-se que ninguém, absolutamente ninguém, até há pouco tempo, nasceu sem que um homem e uma mulher tivessem relações sexuais (e é ainda mais estranha a irritação dos deístas com a ciência, por descobrir métodos de concepção artificial, como a reprodução in vitro ou a clonagem. Mas isso é outro assunto). Ouso levantar uma teoria, provavelmente tão absurda quanto a própria ideia de que o sexo é ofensivo ao criador. Talvez a aceitação da sexualidade humana, desprovida de qualquer outro objetivo que não seja o de procriar, contamine de forma definitiva a própria ideia da existência desse deus, por ser o ato sexual uma ação animalesca, no sentido mais puro da palavra, isto é, o ser humano faz sexo exatamente como os animais, tendo, porém, um componente a mais: o prazer consciente do próprio prazer. O homem procura a mulher ou vice-versa por um instinto animal, o que contraria a ideia de que tenham sido os humanos criados à imagem e semelhança de deus. Mas aceitar o sexo como forma de prazer é aceitar a ideia de que deus também o pratica e com ele também obtém prazer, o que pode ser uma idéia tão tola quanto rejeitar aquilo que cientificamente está provado: que somos, sim, seres provenientes da evolução, e conservamos em nossos genes instintos primitivos de sexualidade e de violência, ligados ao instinto básico de todo ser vivo, a preservação da espécie.


sexta-feira, 5 de agosto de 2022

170 - A ÉTICA DE VALORIZAÇÃO DA VIDA

 

(Maria Bashkirtseva: Jean and Jacques-1883)


A convivência pacífica, acima de credos absurdos, de superstições inaceitáveis pela lógica mais comezinha, deve ser a meta do ser humano para os próximos séculos. A superação da ideia de guerra, em primeiro lugar, e, depois, da ideia do assassínio, constitui o salto que nenhum outro ideário ético logrou alcançar até hoje, porque toda a ética praticada até agora, baseada em pressupostos metafísicos, está amarrada a crenças deístas de superação do espírito pelo corpo, o que leva o ser humano a procrastinar a ideia de felicidade, ela mesma uma criação absurda da metafísica, para depois da morte, como uma conquista impossível da vida humana, num dos mais profundos e maléficos absurdos da consciência, do pensamento e da filosofia do ser humano. Desvencilhar-se desse arcabouço de estupidezes permitirá o salto qualitativo da mente humana, preparando esse ser complexo e preso às armadilhas da metafísica para assumir a posição de ponto mais alto da escala evolutiva, que ele teima em pensar que já tem, mas está longe de alcançar. A ética desse ser, não um novo ser humano, mas já um ser um passo além da barbárie em que está naufragado, permitirá que ele repense a própria trajetória e planeje com consciência o seu futuro, agora baseado em dados de realidade, de conhecimento, e não em superstições tolas e impeditivas do seu progresso. A ciência não será a deusa num altar, porque não haverá mais deuses nem altares, mas a ela o ser humano dará a importância devida, não como um avatar, mas como a bússola que leva aos melhores caminhos, com a certeza de que, podendo enganar-se em seus pressupostos, não se prestará jamais a tornar-se a ditadora de todas as verdades, porque acima da ciência estará a ética da valorização e do respeito à vida.

terça-feira, 2 de agosto de 2022

169 - CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ÉTICA

 

(Pierre Auguste Renoir - l'enfant au chat: mademoiselle Julie Manet,1887)

Ética. Talvez o mais complexo conceito do pensamento humano. Porque não existe uma só ética, como não existem um só povo, uma só civilização, uma só cultura. Mas há elementos éticos universais, que dizem respeito à ideia de ser humano, ou seja, um ser que vive em relação com os outros. E esses conceitos não têm nada de maniqueístas, não dependem da existência de contrários, são apenas conceitos afirmativos, que guiam o pensamento humano na direção de uma vida menos bárbara, de uma convivência mais amena entre semelhantes ou opostos. O ser humano nada tem de divino ou de transcendental: nele mesmo estão todas as taras, todos os ódios, todos os medos, toda a ancestralidade devida à evolução. Tampouco é um ser pronto, acabado: embora pareça estar no topo da cadeia evolutiva, seus passos são ainda incipientes na estrada da evolução. É um ser de poucos milhares de anos, tem muito a evoluir, tem muito a modificar-se e, com certeza, não atingirá jamais a perfeição, porque os caminhos são inúmeros e inúmeras serão as tentativas para um novo padrão de existência. Tem ainda na boca o sabor do sangue de outros humanos e a autofagia está presente em todos os momentos da trajetória desse bicho que domina a terra e não domina a si mesmo. Enquanto esse gosto por sangue da própria raça não se esvaecer da sua mente, não haverá progresso digno desse nome na sua escala evolutiva. Imprimir na memória desse ser um novo código de ética, mais voltado para a valorização da vida, estritamente antimatança, com altíssimo grau de aceitação do outro, de respeito ao semelhante, mesmo que esse semelhante tenha crenças e culturas opostas, pode parecer um sonho, mas se constitui na única saída para a continuação de sua existência. Ou, pelo menos, será a única via para a construção de uma sociedade mais harmônica.

187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...