sábado, 28 de maio de 2022

149 - ARTE E TÉCNICA

 

(Marcel Duchamp - A Fonte)
 

 A técnica, a capacidade de harmonizar e despertar nossos sentidos, só se realiza quando educa e constrói ao mesmo tempo esses sentidos, despertando a inteligência e o prazer que o belo nos traz. Não existe um belo absoluto, embora certas obras de arte sejam quase unanimemente consideradas belas. No entanto, só é belo aquilo que consideramos belo. O ser humano constrói para si e para os outros. A contemplação do belo é algo profundamente individual, como a construção da própria arte é um ato de total e profundo egoísmo. Ao compartilhar esse egoísmo, o artista não busca a consagração de sua obra, mas o reconhecimento de outros sentidos àquilo que ele sentiu. Portanto, não uma beleza, apenas: várias, dentre as quais a do próprio criador. A apreciação da obra de arte torna-se, assim, um ato de integração dos sentidos do observador com os sentidos do criador. O penico do Duchamps só é obra de arte para quem a considere uma obra de arte. Assim também a Vênus de Milo ou a Gioconda. O que há por trás da arte é apenas a arte, nada mais que a arte, ou seja, a técnica. Qualquer tentativa de buscar sentidos ocultos, profecias, mistérios e outras bobagens metafísicas cai no ridículo de tentar aceitar o inaceitável, de acreditar em duendes ou espíritos, de buscar o imponderável onde há apenas a técnica humana e a sua arte mais impressionante, a sua capacidade de criar. Não nos espantemos, portanto, com a morte do belo. Temos coisas mais importantes com que nos preocupar do que o reverenciarmos. Temos um mundo imperfeito e uma arte imperfeita a atrair nossos sentidos e, através deles, torná-los, ao mundo e à arte, imagens que nos agradam ou desagradam, sem qualquer juízo outro de valor que não esse filtro impressionante que se chama sensação, ou simplesmente, prazer. A arte só é arte quando nos causa prazer, deleite, sem que esses termos não deixem de conter em si algo de dor, de sofrimento, de angústia, pela compreensão do mundo que eles nos trazem ao contemplar aquilo que nos agrada. No fundo é isto: a arte só se realiza como arte quando nos revela um pouco mais de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Sem metafísicas. Sem juízo de valor. Porque, afinal, a arte só é arte quando a arte não é arte. Quando nós a transformamos em arte. E em beleza, que só existe porque nós existimos e porque nossos sentidos a registram.


quarta-feira, 25 de maio de 2022

148 - ARTE: ESSÊNCIA E APARÊNCIA

 

(Pablo Picasso - Naked woman playing with a cat)


“Dadá só é dadá, quando dadá não é dadá”, ou seja, a arte só é arte quando a arte não é arte. O lema dadaísta parece querer destruir o conceito mais arraigado da cultura humana: o conceito de arte, de beleza. Até então, a arte pertencia a um universo paralelo, frequentado pelos eleitos das musas, o qual nós, os simples mortais, só tínhamos o direito de apreciar e aplaudir. De longe, de preferência. E, é claro, pagar a conta. Ao deslocar para o ambiente dos deuses, ou seja, para o ambiente artístico, um simples e prosaico penico, Duchamps criava o estranhamento necessário para que pudéssemos começar a entender de forma completamente diferente o significado da arte. Era a vanguarda a escandalizar, a provocar. O problema é que a provocação só tem sentido na primeira vez. A vanguarda não se sustenta no tempo, porque o tempo é seu inimigo. Entendida, assimilada ou rejeitada, a vanguarda morre na primeira curva do tempo e torna-se, também ela, objeto de museu. Esclerosa-se como tudo o que veio antes dela. Não existe uma vanguarda eterna. Aquilo que escandaliza hoje é objeto de derrisão algum tempo depois. Pobre arte. E voltamos sempre aos mesmos problemas, aos mesmos conceitos aristotélicos, à mesma busca de algo novo, de um novo escândalo. Não há revolução que resista ao olhar por mais de alguns segundos. No momento seguinte a que nos espantamos, o novo se torna velho e o de sempre toma o lugar do recém-nascido. A arte é cruel, não admite o segundo olhar. Os dadaístas que o digam e que o digam todos os vanguardistas. A busca do novo, no entanto, é o desespero do artista. Romper padrões é necessário, mas tudo o que acontece entra, imediatamente, no rol das coisas comuns. E essa é a maldição de todo artista. Criar para renovar, renovar para envelhecer. Um roteiro cujos enredos todos conhecem e tentam quebrar e nada acontece. Então, pensar sobre a arte é pensar a arte. É curar a arte de seus tentáculos seculares e buscar não o belo, não aquilo que a famigerada metafísica idealizou, mas a sua constituição física e palpável: a técnica. O fazer. Não importa a essência, mas a aparência. O belo não está na contemplação espiritual, na elevação dos sentidos, mas na percepção de que algo foi feito e muito bem feito, que estamos diante de um artesão que faz de sua habilidade a busca daquilo que nossos olhos, nossos sentidos possam aceitar como harmonioso e agradável. O belo só é belo quando o belo não é belo. A beleza por si mesma, independente dos sentidos, não existe, não persiste ou simplesmente desiste.

domingo, 22 de maio de 2022

147 - PELA DEMOLIÇÃO DO EDIFÍCIO METAFÍSICO


 (Gustave Doré - la civilisation terrassant la barbarie - 1855)




Desagrada-me profundamente chegar a esse ponto da análise que faço da humanidade, mas não posso recuar ante os atos de barbárie que povoam as mídias de meu tempo, com narrativas de assassinatos, vandalismo, estupros, tortura, atos que os seres humanos cometem por causa da fome, da miséria, da crença em deuses estúpidos; por causa de motivos tão absurdos quanto a defesa de territórios cujas fronteiras são tão inúteis quanto as mortes que provocam; por causa de opiniões políticas divergentes ou simplesmente por causa do ódio que sentem em relação a seu semelhante, ódio alimentado por questiúnculas, por invejas, por motivos os mais fúteis que se possam arrolar, como se a vida, o único e verdadeiro bem humano, não valesse absolutamente nada. Esse traço de barbárie que perdura nos genes humanos, como marca de instintos primevos, não desaparecerá tão cedo, se não houver uma mudança profunda no modo de pensar dos seres humanos; se a humanidade não abandonar as crenças em mitos desastrosos que convidam à diferença, ao divisionismo, ao aprofundamento de usos e costumes antagônicos. É necessário queimar – física e metaforicamente - todos os altares, todos os deuses, todos os templos, todos os resquícios de divindade que a humanidade teima em cultuar, para povoar de demônios um mundo que nada tem de místico ou de metafísico. É preciso demolir o edifício metafísico incorporado ao pensamento humano, por séculos e séculos de imposição de conceitos absurdos. Porém, essa queima e demolição devem ser feitas de modo gradual, lento e seguro, para que não se transformem também em motivos de ódio, de desavenças, de mais guerras. Somente a educação pela filosofia e voltada para a ciência, para a observação e interpretação da natureza, sem metafísica, para o bem do ser humano e sua sobrevivência na Terra, transformará o bárbaro do século vinte e um no ser civilizado de alguns milênios para frente.






segunda-feira, 16 de maio de 2022

146 - BÁRBAROS SOMOS TODOS

 


 (Diego Rivera - The Uprising)

Ainda a barbárie humana. Na África, o continente em agonia, países inteiros mergulhados na miséria e na fome, na luta étnica de tribos que se odeiam há séculos, crianças famintas a espalhar seus ossos pelas savanas. Na Ásia, um país imenso como a Índia, com ilhas de tecnologia avançada, ainda conserva usos e costumes bárbaros, como queimar e jogar cadáveres nas águas mais que poluídas do seu rio sagrado, como adorar animais e manter sistemas de castas entre os homens. No Oriente, o fanatismo religioso alimenta guerras fratricidas e não poupa inocentes na sua luta contra tudo e contra todos. Nas Américas, tanto nos Estados Unidos quanto nos países latinos, nesses um pouco mais, há ilhas de pobreza extrema ao lado de mansões de milhões de dólares, onde se encastelam dois por cento da população que detém oitenta por cento ou mais do PIB das nações. Mesmo a rica e próspera Europa ainda não resolveu o que fazer com seus milhões de miseráveis e de imigrantes, muitos ainda mergulhados em guerras civis de ódios étnicos ou provenientes de sistemas falidos de nações que não souberam dividir suas riquezas adequadamente. Todo esse breve cenário de desigualdades que a realidade teima em tornar muito mais agudo do que pode sonhar as inúteis estatísticas produzidas nos escritórios elegantes dos economistas ainda não é tudo o que se pode dizer da barbárie humana. Quando vemos populações inteiras mergulhadas na miséria, ainda conseguimos explicar, não justificar, o crime, o vício, o consumo e o tráfico de drogas. Porque o ser humano vive numa linha tênue entre o monstruoso e o humano. Bastam pequenos distúrbios nessa linha, que a sua verdadeira face bárbara reaparece. Justificam-se assassinatos por qualquer motivo fútil, quando o que se vê são populações atingidas por desgraças provocadas por fenômenos naturais, como enchentes, furacões, terremotos. Nesse momento, em que a solidariedade e o humanismo florescem nas mentes humanas, também a barbárie desse mesmo ser humano e os instintos mais básicos de sobrevivência camuflados em estupros, assassinatos, pilhagens ressurgem e, às vezes, sufocam os pretensos instintos mais elevados. A humanidade não se civilizou, como coletividade. Há um verniz, apenas, de civilização na pele ser humano, na mente do ser humano. Ainda persistem os instintos mais ferozes, quando se trata de sobrevivência. Os atos humanitários não conseguem esconder a barbárie e o instinto incivilizacional do ser humano, quando colocado em situações limite. As guerras estão aí para provar e, dentre elas, a guerra civil, a mais bárbara de todas as guerras. Contra o inimigo externo, desconhecido enquanto indivíduo, a luta é ideológica, a matança ganha justificativas heroicas de defesa do território, da vida, da cultura, dos interesses econômicos, embora continue sendo bárbara e desumanizadora. Mas, quando se trata de luta entre pares, entre pessoas que se conhecem, porque têm os mesmos interesses culturais e econômicos, dividem o mesmo território e falam a mesma língua, a luta ganha contornos de ódio muito mais intensos, revivendo o mito bíblico de Caim contra Abel, como se o irmão tornado inimigo se transformasse em monstro muito mais perigoso do que o inimigo desconhecido do outro lado da fronteira. Nesses momentos, o instinto de barbárie do ser humano se aguça, exorciza todos os seus demônios e torna-se muito mais odioso e sequioso de sangue. Irmão mata irmão com muito mais ódio do que mataria o desconhecido que lhe invade o domicílio. É na guerra civil que se exacerba aquilo que parecia adormecido dentro do ser humano: o animal sem racionalidade alguma dos tempos primitivos em que o bípede recém-saído de sua condição de ameba percebe, pela primeira vez, o outro como inimigo a ser devorado como condição para sua própria sobrevivência.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

145 - UTOPIA RACIAL, SOCIAL E ECONÔMICA

 

(James Ensor)


Abolido o conceito de raça, assume-se a globalização do ser humano. Não haverá a divisão estúpida entre pretos, brancos ou amarelos, mas a mistura de todos os humanos, num espectro largo e diverso de culturas que tenderão a se interpenetrar, numa convivência universal de união, embora o regionalismo conserve suas raízes, para garantir a riqueza cultural da humanidade, que é a diversidade de usos e costumes. Povos indígenas, por exemplo, conservarão suas tradições, mas não serão excluídos das vantagens do progresso, competindo em igualdade de condições com quaisquer outros povos de qualquer parte do mundo. Miscigenada ou não, as sociedades humanas deixarão de ser isto ou aquilo por imposição étnica, mas poderão optar pela sua cultura originária ou, até mesmo, cada um poderá se adaptar e se integrar a um grupo social e cultural segundo suas disposições idiossincráticas. A raça humana só tem a ganhar com a eliminação de conceitos racistas e preconceitos culturais. Fronteiras de estados serão apenas riscos nos mapas, para melhor localização física, mas a liberdade de estar em qualquer lugar do mundo deverá ser uma das maiores conquistas humanas. Os processos migratórios deixarão de seguir correntes em busca de oportunidades, porque as diferenças econômicas e sociais entre as nações serão quase totalmente eliminadas, por um sistema único de proteção social, de empregabilidade e de oportunidades de vida. Cada povo continuará com seu sistema linguístico, mas todos falarão uma língua universal, provavelmente o esperanto, usado nas comunicações internacionais.

terça-feira, 10 de maio de 2022

144 - POR PARTIDOS POLÍTICOS MAIS REPUBLICANOS

 

(Roberto Matta, À beira de um sonho)


As campanhas políticas deverão ser devidamente financiadas pelo poder público, que repassa as verbas aos partidos e não aos candidatos, que não podem gastar nada de seu próprio bolso. Essas verbas deverão ser definidas em lei, quanto aos valores e mecanismos de prestação de contas. A campanha, custeada com recursos públicos, deve ter regras definidas em lei sobre o que pode e o que não pode ser feito em termos de gastos, não impedindo, no entanto, a criatividade e empenho dos candidatos. O voto para os candidatos a vereador e deputado estadual e federal é dado à legenda e, dentro da legenda, a um nome de escolha do eleitor. Os eleitos serão sempre os que obtiverem mais votos. O eleitor pode votar apenas na legenda. Ficam proibidas as coligações. Ao partido que eleger o candidato ao cargo majoritário (prefeito, governador e presidente) será consignada a bancada majoritária, ou seja, elegerá cinquenta por cento mais um do total de legisladores, a fim de garantir a governabilidade. O partido vencedor ganha, assim, o direito de aplicar o seu programa de governo, sem necessidade de alianças, muitas vezes espúrias. O funcionamento de um partido político fica condicionado à sua performance eleitoral, em leis regulamentadoras que não inibam a fundação dos partidos, mas também não permitam sua proliferação descontrolada. Uma democracia republicana não precisa ter em funcionamento nada além de oito ou dez siglas partidárias, o que é suficiente para cobrir todo o leque ideológico mais representativo da sociedade. As demais minorias podem e devem encontrar outros meios de divulgação de suas ideias, até que essas contaminem um número suficiente de cidadãos para se tornarem um partido político ou se acomodem dentro de legendas que melhor atendam a seus interesses, como subgrupos até que se tornem hegemônicas dentro do partido. Também não será permitido pela lei o funcionamento de organizações que contrariem os ideais democráticos e republicanos. Transformados em formuladores de ideias, os partidos políticos deixam de exercer a função deletéria da simples busca do poder. Porque o poder propriamente dito não mais estará nas mãos dos políticos, mas da população, da sociedade que indicará seus candidatos e votará livremente naqueles que melhor satisfazem suas necessidades. O exercício da política ganhará nobreza e importância, por serem poucos os cidadãos a exercê-la e porque serão esses cidadãos pensadores do bem público, debatedores de ideias, verdadeiras inteligências em busca de soluções para a sociedade. Seu poder terá uma dimensão muito mais profunda, de responsabilidade e de condução dos eleitores, embora não possam governar. Tornar-se-ão os políticos os guardiões da república, os condutores da chama de liberdade. Terão prestígio, mas não o poder. Enquanto isso, como será proibida a reeleição, o povo, aos poucos, aprenderá a escolher melhor os seus representantes, acabando com o voto comprado, o clientelismo e o corporativismo. E os partidos políticos ganharão prestígio, pois através deles é que a nação realizará os seus projetos.

sábado, 7 de maio de 2022

143 - POR UMA NOVA ESTRUTURA PARTIDÁRIA

 

(Diego Rivera)

O que deve ser um partido político: um núcleo forte de homens e mulheres dispostos a propor à sociedade um programa de governo baseado em uma ideologia. Constituído de, no máximo, mil e duzentas pessoas de várias localidades, de várias formações, mas com um só pensamento: a ideologia partidária, descrita de forma clara e concisa nos seus estatutos. Tal núcleo deve ter a função de, além de definir a linha ideológica do partido, buscar financiamento para sua existência; gerenciar a máquina burocrática; defender os interesses partidários em todas as instâncias sociais; representar o partido em apresentações públicas e na mídia, divulgando as ideias e os conteúdos programáticos; acolher os candidatos que se apresentarem para concorrer às eleições por sua legenda; analisar os currículos desses candidatos e escolher aqueles que verdadeiramente mostrem conhecer os ideais do partido e estejam dispostos a colocá-los em prática; dar suporte ideológico e financeiro aos candidatos escolhidos; assessorar os eleitos na escolha de seus principais colaboradores; orientar os eleitos na aplicação dos programas de governo ou na defesa dos projetos do partido; fiscalizar a consecução dos projetos e programas de governo; repreender e até mesmo desfiliar os eleitos que não tenham conduta compatível com os ideais partidários, caso em que estes perderão o mandato para um suplente que o complete. Torna-se, pois, o partido o avalista perante a sociedade da conduta dos eleitos por sua legenda. Seus dirigentes, que constituem o núcleo do partido, nunca mais de mil e duzentas pessoas, não podem em nenhum momento ser eleitos ou escolhidos para qualquer cargo público. São cidadãos que vivem full time para o partido, tendo seus vencimentos pagos pelo partido, através de financiamentos privados, devidamente controlados e comprovados pela justiça eleitoral. São substituídos apenas em caso de expulsão por má conduta ética, auto desfiliação ou morte. O componente de um partido que se desvincular dele deverá cumprir um prazo mínimo de seis anos para se filiar a outra agremiação.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

142 - MECANISMOS REPUBLICANOS

 

(Roberto Matta - The Oppressors-1983)


A fidelidade partidária será sempre fundamental. Além, é claro, de mecanismos de controle do poder pelo próprio povo, através de consultas diretas ou mesmo por meio dos partidos oposicionistas. Um sistema democrático e republicano implica o reconhecimento de que os derrotados não podem usar de chantagem ou de qualquer estratagema espúrio para desestabilizar um governo. Se houver denúncias de desvios, a apuração e o julgamento devem ocorrer de acordo com as leis vigentes, com acompanhamento pelo povo, de acordo com princípios democráticos. O tempo é sempre muito cruel com os governantes. Não se pode esperar que um governo colha os frutos de seu empenho em mandatos muito curtos. Também os mandatos muito longos deterioram as relações do governo com a sociedade, gerando crises. Acredito que seis (talvez cinco) anos são suficientes para que projetos sejam propostos, discutidos, aprovados, aplicados e avaliados em seus resultados. Com mecanismos sérios de fiscalização, não há dúvida de que se colherão frutos substanciosos para toda a sociedade, sem que haja necessidade de reeleger os governantes. Aliás, a reeleição deve ser sumariamente abolida, em nome da renovação, do não continuísmo de homens e sistemas viciados. Pode-se pensar, por exemplo, que um determinado líder possa eleger-se prefeito e candidatar-se ao governo do estado e, depois, à presidência, numa carreira ascendente, nunca descendente. Se já foi prefeito, não pode se candidatar mais a esse cargo. O mesmo valendo para os cargos legislativos. Também pode um governador, por exemplo, pleitear um cargo no legislativo e vice-versa, desde que não o tenha ocupado antes. Assim, não se desperdiçam todos os talentos revelados na política, mas também não se permite o continuísmo desgastante de políticos profissionais. Porque política não pode e não deve ser uma profissão. A ninguém será permitido declarar-se político de profissão, a não ser os poucos componentes dos núcleos partidários. A chamada classe política fica, assim, restrita e não deve se constituir numa casta intocável ao longo dos anos, como clãs que se perpetuam no poder e dele usufruem como se fosse o bem público seu negócio particular. Um rígido código de ética deve regular as relações de todos os que postulam cargos públicos e de todos os dirigentes partidários, de modo a se resguardarem sempre o bem maior, a república, e o interesse do povo. A democracia republicana é o sistema mais legítimo de governo. No entanto, precisa renovar seus mecanismos de atuação, para que não se desgaste com as distorções que esses mecanismos têm apresentado ao longo do tempo. Sua renovação e o aperfeiçoamento de participação popular tornam-se, mesmo, em muitos casos, uma necessidade vital para a consolidação definitiva de um sistema que, se possui vícios, são todos oriundos não de sua concepção como sistema, mas do desgaste de mecanismos operacionais.

domingo, 1 de maio de 2022

141 - GOVERNA QUEM VENCE

 

(Delacroix: liberty leading the people,1830)


A arte do governo deverá estar com os legítimos representantes do povo, escolhidos ou indicados por diversas manifestações desse povo, acolhidos pelos partidos políticos com o consentimento desse povo, porque aquele partido detém, na visão do povo, a melhor proposta em determinado momento para a solução de seus problemas. Caberá ao partido viabilizar a candidatura; dar suporte teórico e ideológico aos candidatos; discutir planos de governo e projetos; dar, enfim, toda a assistência necessária ao candidato para se eleger e, se eleito, propiciar-lhe a melhor forma de conduzir e aplicar os planos e projetos gestados e discutidos na campanha. Serão, portanto, os partidos políticos os avalistas diante do povo de que o eleito governará segundo seus princípios éticos e ideológicos, cumprindo o programa anteriormente acordado e apresentado à população. Com a eleição de um candidato de determinado partido, deve ser constituída também a maioria no poder legislativo, através de distribuição proporcional de cadeiras ao vencedor e aos demais partidos, como forma de garantir a governabilidade. O partido vencedor tem o direito de aplicar o seu programa e governar segundo os ditames e diretrizes escolhidos. Não pode um prefeito, um governador ou presidente serem compelidos a fazer alianças espúrias para garantir aprovação de projetos de governo, simplesmente porque a oposição tem maioria nas casas legislativas. Ou uma minoria que impede a votação de matérias importantes. Isso é uma das tantas distorções dos sistemas atualmente vigentes, por isso acho que a única saída é proibir alianças e coligações, dando ao eleito a maioria das assembleias legislativas. A oposição não pode impedir um governante de aplicar suas ideias, seus programas, seus projetos, se foram eles os escolhidos pela maioria do povo. A missão dos partidos opositores é fiscalizar, reclamar, apontar desvios, nunca impedir que o governante escolhido pelo povo imponha seu programa.

187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...