segunda-feira, 16 de maio de 2022

146 - BÁRBAROS SOMOS TODOS

 


 (Diego Rivera - The Uprising)

Ainda a barbárie humana. Na África, o continente em agonia, países inteiros mergulhados na miséria e na fome, na luta étnica de tribos que se odeiam há séculos, crianças famintas a espalhar seus ossos pelas savanas. Na Ásia, um país imenso como a Índia, com ilhas de tecnologia avançada, ainda conserva usos e costumes bárbaros, como queimar e jogar cadáveres nas águas mais que poluídas do seu rio sagrado, como adorar animais e manter sistemas de castas entre os homens. No Oriente, o fanatismo religioso alimenta guerras fratricidas e não poupa inocentes na sua luta contra tudo e contra todos. Nas Américas, tanto nos Estados Unidos quanto nos países latinos, nesses um pouco mais, há ilhas de pobreza extrema ao lado de mansões de milhões de dólares, onde se encastelam dois por cento da população que detém oitenta por cento ou mais do PIB das nações. Mesmo a rica e próspera Europa ainda não resolveu o que fazer com seus milhões de miseráveis e de imigrantes, muitos ainda mergulhados em guerras civis de ódios étnicos ou provenientes de sistemas falidos de nações que não souberam dividir suas riquezas adequadamente. Todo esse breve cenário de desigualdades que a realidade teima em tornar muito mais agudo do que pode sonhar as inúteis estatísticas produzidas nos escritórios elegantes dos economistas ainda não é tudo o que se pode dizer da barbárie humana. Quando vemos populações inteiras mergulhadas na miséria, ainda conseguimos explicar, não justificar, o crime, o vício, o consumo e o tráfico de drogas. Porque o ser humano vive numa linha tênue entre o monstruoso e o humano. Bastam pequenos distúrbios nessa linha, que a sua verdadeira face bárbara reaparece. Justificam-se assassinatos por qualquer motivo fútil, quando o que se vê são populações atingidas por desgraças provocadas por fenômenos naturais, como enchentes, furacões, terremotos. Nesse momento, em que a solidariedade e o humanismo florescem nas mentes humanas, também a barbárie desse mesmo ser humano e os instintos mais básicos de sobrevivência camuflados em estupros, assassinatos, pilhagens ressurgem e, às vezes, sufocam os pretensos instintos mais elevados. A humanidade não se civilizou, como coletividade. Há um verniz, apenas, de civilização na pele ser humano, na mente do ser humano. Ainda persistem os instintos mais ferozes, quando se trata de sobrevivência. Os atos humanitários não conseguem esconder a barbárie e o instinto incivilizacional do ser humano, quando colocado em situações limite. As guerras estão aí para provar e, dentre elas, a guerra civil, a mais bárbara de todas as guerras. Contra o inimigo externo, desconhecido enquanto indivíduo, a luta é ideológica, a matança ganha justificativas heroicas de defesa do território, da vida, da cultura, dos interesses econômicos, embora continue sendo bárbara e desumanizadora. Mas, quando se trata de luta entre pares, entre pessoas que se conhecem, porque têm os mesmos interesses culturais e econômicos, dividem o mesmo território e falam a mesma língua, a luta ganha contornos de ódio muito mais intensos, revivendo o mito bíblico de Caim contra Abel, como se o irmão tornado inimigo se transformasse em monstro muito mais perigoso do que o inimigo desconhecido do outro lado da fronteira. Nesses momentos, o instinto de barbárie do ser humano se aguça, exorciza todos os seus demônios e torna-se muito mais odioso e sequioso de sangue. Irmão mata irmão com muito mais ódio do que mataria o desconhecido que lhe invade o domicílio. É na guerra civil que se exacerba aquilo que parecia adormecido dentro do ser humano: o animal sem racionalidade alguma dos tempos primitivos em que o bípede recém-saído de sua condição de ameba percebe, pela primeira vez, o outro como inimigo a ser devorado como condição para sua própria sobrevivência.

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