quarta-feira, 25 de maio de 2022

148 - ARTE: ESSÊNCIA E APARÊNCIA

 

(Pablo Picasso - Naked woman playing with a cat)


“Dadá só é dadá, quando dadá não é dadá”, ou seja, a arte só é arte quando a arte não é arte. O lema dadaísta parece querer destruir o conceito mais arraigado da cultura humana: o conceito de arte, de beleza. Até então, a arte pertencia a um universo paralelo, frequentado pelos eleitos das musas, o qual nós, os simples mortais, só tínhamos o direito de apreciar e aplaudir. De longe, de preferência. E, é claro, pagar a conta. Ao deslocar para o ambiente dos deuses, ou seja, para o ambiente artístico, um simples e prosaico penico, Duchamps criava o estranhamento necessário para que pudéssemos começar a entender de forma completamente diferente o significado da arte. Era a vanguarda a escandalizar, a provocar. O problema é que a provocação só tem sentido na primeira vez. A vanguarda não se sustenta no tempo, porque o tempo é seu inimigo. Entendida, assimilada ou rejeitada, a vanguarda morre na primeira curva do tempo e torna-se, também ela, objeto de museu. Esclerosa-se como tudo o que veio antes dela. Não existe uma vanguarda eterna. Aquilo que escandaliza hoje é objeto de derrisão algum tempo depois. Pobre arte. E voltamos sempre aos mesmos problemas, aos mesmos conceitos aristotélicos, à mesma busca de algo novo, de um novo escândalo. Não há revolução que resista ao olhar por mais de alguns segundos. No momento seguinte a que nos espantamos, o novo se torna velho e o de sempre toma o lugar do recém-nascido. A arte é cruel, não admite o segundo olhar. Os dadaístas que o digam e que o digam todos os vanguardistas. A busca do novo, no entanto, é o desespero do artista. Romper padrões é necessário, mas tudo o que acontece entra, imediatamente, no rol das coisas comuns. E essa é a maldição de todo artista. Criar para renovar, renovar para envelhecer. Um roteiro cujos enredos todos conhecem e tentam quebrar e nada acontece. Então, pensar sobre a arte é pensar a arte. É curar a arte de seus tentáculos seculares e buscar não o belo, não aquilo que a famigerada metafísica idealizou, mas a sua constituição física e palpável: a técnica. O fazer. Não importa a essência, mas a aparência. O belo não está na contemplação espiritual, na elevação dos sentidos, mas na percepção de que algo foi feito e muito bem feito, que estamos diante de um artesão que faz de sua habilidade a busca daquilo que nossos olhos, nossos sentidos possam aceitar como harmonioso e agradável. O belo só é belo quando o belo não é belo. A beleza por si mesma, independente dos sentidos, não existe, não persiste ou simplesmente desiste.

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