terça-feira, 20 de julho de 2021

048 - O FALSO PODER QUE VEM DOS FRACOS


(Marianne von Werefkin:1860–1938)



O homem-rebanho sempre necessitou de líderes – religiosos ou leigos. Os religiosos são uma praga que se aproveita da ingenuidade do rebanho para atiçá-lo ao niilismo e, assim, tornar mais fácil o saque. São, portanto, sempre perigosos. Já os líderes leigos, principalmente os políticos, dividem-se em inúmeras classes, mas basicamente se compõem de aproveitadores, a maioria, e de sinceros, uns poucos que existiram ou existem sobre a face da terra. No segundo grupo, pode-se contar nos dedos e cito-os, mesmo com o risco de cometer inúmeros erros de avaliação e de deixar fora alguns que realmente pautaram suas ações em prol do homem: Luther King, Che Guevara, Gandhi... Sim, todos da era moderna. Não foram guerreiros no sentido tradicional do termo (embora Che tenha sido guerrilheiro), não comandaram exércitos e deram a vida por aquilo em que acreditavam. Se tiveram poder, não foi poder político, mas poder de ideias, de vontade de um mundo melhor. Não cultivo admirações por nenhum líder religioso nem conquistador, como Alexandre ou Napoleão. Têm o seu panteão na história em virtude de grandes realizações, não de realizações que se possam aplaudir ou admirar. O sangue escorre de suas consciências. Foram, todos eles, vampiros. Construíram sua glória à custa de sacrifício do homem-rebanho, do homem fraco que necessita de um líder que lhe diga como agir. E dizer como agir implica, quase sempre, dar a vida por aquele líder, não por suas ideias, mas para lhe dar mais poder sobre mais vidas e, assim, levar ao limite ambições, conquistas e, claro, o poder de decidir sobre a morte e a vida. É preciso que a história da humanidade supere a necessidade desse tipo de líder, para o ser humano deixar de ser homem-rebanho, com destino de escravo, subserviente, sub-homem. O futuro nada reserva para esse tipo de ser humano, fraco e estúpido, sem consciência de si mesmo e da sua força. A história, também, não se fará com os líderes vampiros, com os homens de alta potência e pouca inteligência para compreender que é necessário construir uma sociedade que supere os instintos animalescos de sangue, para que o ser humano sobreviva e se constitua no guardião da vida. Os vampiros desejam apenas a morte, cultuam-na como forma de impor sua vontade, seus desejos. Não têm noção da história e não conseguem enxergar dois dias além do seu presente, pois não têm visão de futuro. O seu ódio à vida se transforma no culto à morte, como consequência, quase sempre, de um furor religioso misturado a um furor de batalha, de sangue e de sacrifício. Basta de sacrifícios. O ser humano precisa compreender que não há deuses a quem sacrificar. O bode expiatório já há muito cumpriu o desejo dos carniceiros. A realização de justiça, por mais tênue que seja, não precisa de sofrimento, mas de racionalidade. Os pobres e miseráveis do mundo só desaparecerão quando a razão estiver acima da moral religiosa, política e social. E a razão defende que não há motivos para haver diferenças, a não ser por uma questão histórica e de complexo de subserviência que têm os deserdados. O ser humano não precisa de humilhações para deixar de ser o rato do esgoto de uma sociedade consumista e absurda, que só vê a si mesma, no espelho do capitalismo de ganhos fáceis e de exploração do homem pelo homem. O deixar-se explorar constitui, mais até do que o explorar, num dos fatos mais lamentáveis da trajetória da humanidade. Significa a desumanização absoluta do ser, como durante a tortura e a sevícia. Significa adonar-se da integridade do outro, anulá-lo e torná-lo coisa. E isso, os grandes líderes vampiros sempre souberam manter. Pois da escravidão é que tiravam o seu poder. E o poder que vem dos fracos é sempre falso poder. Pode ter a duração de suas vidas, mas é sempre um falso poder. Oriundo da força bruta, relega seu detentor ao lixo da história, tornando-o desprezível.


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