domingo, 6 de junho de 2021

010 - ATEÍSMO E DEÍSMO

 

(Benvenuto Cellini - cruxifixo do Escorial)


Não tenho ilusões de que o ateísmo possa prevalecer em curto ou, até mesmo, em médio ou longo prazo. A conscientização do ser humano para uma verdade mais cristalina é trabalho para muitas gerações, desde que a força ateística consiga ganhar, pouco a pouco, posições de destaque no mundo e não seja perseguida pelo lobby deísta, cujos interesses, principalmente financeiros, são muito poderosos. Não adianta dizer às pessoas que não creiam em deus. Isso não leva a nada. É preciso que um trabalho lento de conscientização de massas que hoje trilham o caminho da mais absoluta ignorância seja feito de forma sistemática na busca da diminuição gradativa da influência de deus ou de deuses na vida humana. É preciso que as pessoas se convençam de que não precisam desse deus vingativo, explorador e mercenário. É preciso que as pessoas se convençam de que não serão, primeiro, punidas por não fazerem aquilo que o seu deus manda e, segundo, que não serão expulsas do paraíso depois que morrerem. E esse segundo passo é o mais difícil de todos. Porque a crença na vida após a morte ou na existência de uma alma imortal é um dos mitos mais arraigados na consciência humana, por ser um mito primário, ligado às forças mais primitivas da existência do homem sobre a face da terra. Eliminar esse mito creio ser tarefa hercúlea e quase impossível. Só o conseguiremos daqui a alguns milênios. Com a evolução da ciência, da mente humana, da capacidade de compreender melhor os mecanismos da vida e da natureza. E há ainda a crença mais ou menos moderna de que a religião serve de freio aos instintos maléficos do homem. Muitos argumentam que o ideário deísta, com suas regras e pregações pela união, amor entre os humanos e outras babaquices, tenha o efeito de evitar que os seres humanos se matem mais do que já o fazem. Mas eu penso justamente o contrário: que a filosofia deísta é muito mais responsável por matanças inúteis e assassínios absurdos do que a crença numa única existência que é o bem supremo do ser humano e deve ser preservada a todo custo. Por não dar valor à vida, já que haverá a recompensa após a morte, o deísta sofre diante da morte brutal de outro ser humano, mas a ela se conforma, não condenando de forma cabal a violência ou a guerra. Já o ateísta, tendo consciência de que não haverá segunda oportunidade, defende com maior vigor a punição do assassino, luta contra a pena de morte e contra a existência das guerras, procura sempre a melhoria das condições de vida na terra e tem uma visão mais humanista das relações entre as pessoas. Não quero, com isso, dizer que todos os deístas são maus e todos os ateístas sejam bons, porque isso seria uma grande bobagem. Estou dissertando em termos teóricos e abstratos, na busca de uma sociedade mais humana e mais igualitária. Não posso negar que a maioria dos grandes beneméritos da humanidade tenham tido suas crenças deístas, e muitas vezes justificaram suas ações com a fé em deus. No entanto, não há lógica em pensar que não fariam tudo quanto fizeram ou muito mais se não tivessem essa fé ou essa crença. Portanto, o que eu quero dizer, para concluir esse longo discurso ateísta, é que o homem não precisa de deus ou deuses para ter um conjunto de normas éticas de conduta, já que não foram os deuses que instituíram os tais mandamentos ou normas éticas, mas foram criadas pelo próprio homem. Basta continuar seguindo os mesmos princípios, agora sem a tutela de um deus inútil e vingador.


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