segunda-feira, 7 de junho de 2021

011 - A CRÍTICA DAS RELIGIÕES

 

(Agnolo Bronzino- The Holy Family with the Infant Saint John the Baptist)


Abandono, aqui, o discurso antideísta, mas não o discurso antirreligioso. Ou seja, independentemente de qualquer deus, é preciso fazer a crítica das principais religiões que disputam a fé dos homens e apontar suas mazelas e contradições. A divisão da humanidade em seitas e religiões é uma das mais perversas formas de segregação e exclusão que o ser humano exerce sobre si mesmo. Nem a divisão em raças é mais perversa. Acredito, mesmo, que o racismo seja fruto muito mais do estranhamento e do ódio à diferença de usos, costumes e crenças do que da cor da pele ou de traços fisionômicos. Ou seja, a religião tem, sim, alguma culpa pela existência do racismo, já que indivíduos que pretensamente pertencem a raças diversas (com cujo conceito não concordo e o qual discutirei mais adiante) convivem melhor quando têm o mesmo credo. Mas se odeiam mais profundamente quando têm práticas religiosas divergentes. Além de usos, costumes e tradições, é claro.

Como ser gregário, o ser humano se uniu em torno de necessidades básicas, em primeiro lugar: sobrevivência e procriação. Depois, em torno de coisas comuns, como ter ou não o fogo, cultivar ou não determinadas plantas, caçar ou não determinados animais. Ter ou não ter determinadas habilidades etc. Na sociedade mais evoluída, as ideias passaram a ser o fator de união: crenças, costumes, cultos. Assim nasceu a religião. Como elemento mágico e como elemento de união entre indivíduos e de divisão entre tribos e nações. Creio que, no início, cada clã tinha o seu deus, mas novamente o gregarismo apontou para a fusão de deuses até chegar ao monoteísmo, um conceito altamente sofisticado, mas de tremenda força de exclusão. Ou se acredita no deus único ou está fora da criação. E os exilados arderão para sempre na ira desse deus. Assim, religiões monoteístas autoritárias suplantaram e destruíram o politeísmo democrático, embora tão embrutecedor quanto o primeiro.

A assim autodenominada civilização ocidental herdou os princípios do monoteísmo judeu e criou, como uma meia dissidência, o cristianismo. Não vou, aqui, argumentar sobre a origem do cristianismo, ou se esse deus pendurado num madeiro existiu ou não, ou se os conceitos cristãos foram criados por ele ou por seus seguidores a posteriori. Interessa, apenas, nesse momento, fazer a crítica de sua doutrina e do quanto essa doutrina representa em termos de crença estupidificadora para o ser humano moderno.

O cristianismo não tem novidades filosóficas, em relação a seus antecessores. Remontou em máximas de fácil aceitação o que há muito existia em religiões orientais e no judaísmo antigo. Mesmo a ideia de amar uns aos outros já existia em dogmas anteriores. Ao acrescentar “tanto quanto eu vos amei”, sendo aí esse “eu” o do fundador, não há nenhum acréscimo significativo, porque é impossível medir uma quantidade de amor. No entanto, essa máxima tem sido um dos pilares do cristianismo. E também um dos seus maiores problemas. Porque ninguém consegue amar o outro. A louca vontade de amar o outro esbarra em obstáculos intransponíveis: o ser humano não foi talhado para amar o outro, porque, desde os primeiros tempos, no seu código genético, está escrita a desconfiança para com o diferente. Superar essa desconfiança tem sido um dos maiores esforços da humanidade para atingir um grau razoavelmente civilizado de convivência. E isso exige um esforço imenso do cérebro humano, novas sinapses e novas relações químicas têm de ser ativadas para chegar à compreensão do outro e maior esforço ainda para a sua aceitação. Além disso, o conceito de amor, um dos mais sofisticados sentimentos produzidos pela química cerebral, é muito recente na genética humana. Provavelmente, o amor tenha sido desenvolvido pela fêmea para proteger o seu filhote e, depois, num lento processo de convencimento e de transmissão genética, ela fê-lo chegar ao macho, como necessidade monogâmica de proteção ao clã. Portanto, o sentimento de amor é despertado para com o outro apenas enquanto o outro seja visto como o companheiro ideal e para com alguns dos demais membros do clã ou da família, em termos modernos. Quando muito, o amor se estende a um “amigo”, tratado como um ser que não pertence ao clã, mas que pode eventualmente ajudar a proteger esse clã e nunca o ameaçar. Assim, o amor ao próximo pode, quando muito, traduzir-se em reconhecer o próximo, desde que não haja ameaça. É impossível amar o inimigo ou, mesmo, o desconhecido. Porque tudo quanto é desconhecido pode tornar-se inimigo. Então, se não consigo amar o inimigo, por não o conhecer, o sentimento mais próximo é o desprezo e, depois, o ódio. Ou, então, crio um falso amor ao inimigo que me leva a destruí-lo, como uma forma de compensá-lo por ser diferente e não alcançar, como eu, os benefícios prometidos por meu deus àqueles que o louvam e adoram. Ou ainda: como não consigo amar o inimigo, desumanizo-o. Desumanizando-o, posso destruí-lo como aberração, como obstáculo aos desígnios de meu deus. E assim, seguem as guerras e uma boa desculpa para a sua existência.

Só com esse preceito absurdo, do “amai-vos uns aos outros”, o cristianismo criou mais desavenças e mais ódios do que todos os demais preceitos, que se tornam secundários diante desse estrago. Em torno disso, no entanto, mil formas de superstições foram criadas e desenvolvidas, até chegar aos processos complexos que hoje permitem que religiões e seitas tão distintas entre si se digam cristãs e se odeiem pelos mesmos princípios.


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