sábado, 5 de junho de 2021

009 - A MAGIA INÚTIL DOS DEUSES

(Augustin Pajou - Mercury)



Eu não sou ateu porque não creio na existência de um deus. Porque deus existe, sim, criado pelos seres humanos para satisfazer suas necessidades de magia. Eu sou ateu porque acho inútil a crença em deus, tão inútil quanto dançar para fazer chover. Eu sou ateu porque acho que a humanidade não precisa de deus ou de deuses. Eles são parte do imaginário humano tanto quanto o saci-pererê e a mula-sem-cabeça. Só que o saci-pererê e a mula-sem-cabeça, pelo que eu sei, não exigem do homem templos para seu culto nem orações por suas bênçãos nem dinheiro por suas graças. E os deuses que o homem inventou exigem isso e muito mais. Além de ocupar uma grande parte da capacidade de imaginação e de invenção do cérebro humano, que poderia e deveria ter sido orientado para coisas muito mais importantes e úteis e mais belas que a crença e o culto em divindades que, se formos pensar com objetividade, nunca trouxeram nada de aproveitável para o conhecimento humano. Trouxeram, sim, divisões e exclusões, maldições e guerras. Contribuíram para aprofundar diferenças e provocar ódios. Impediram e impedem descobertas e criações que tornariam melhor a vida humana. Separam países e famílias e pessoas. Pregam amor e semeiam ódio. Pregam o perdão e exigem a vingança. Ameaçam os seus seguidores e até mesmo os não seguidores com o fogo do inferno e outras desgraças. Enfim, as divindades que a humanidade criou e a quem presta cultos são divindades medonhas, em suas exigências e doutrinas. Sugam do ser humano o entendimento mais claro e lógico e, por isso mesmo, mais belo e verdadeiro, do mundo que o cerca. Impedem uma visão mais simples da vida e a desvalorizam com a crença em espíritos, almas ou vida além da morte. Acabam, por isso, sendo deuses da morte e não da vida. Livrar-se deles pode ser um exercício difícil e complexo, mas não há saída para a humanidade senão deixar de cultuar esses deuses malditos. Ou amenizar sua influência em sua vida. Ou, ainda, humanizá-los de tal modo que eles passem a permitir que o ser humano seja dono de si mesmo. Mas, nesse caso, o paganismo acabaria por prevalecer e os deuses pagãos são tão perniciosos quanto os deuses cristãos, muçulmanos, judeus ou de qualquer outro povo moderno. A saída é mesmo botar porta fora todos os resquícios de magia inútil prometida pelos deuses.


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