segunda-feira, 27 de setembro de 2021

071 - NÃO HÁ METAFÍSICA NO UNIVERSO

 

(Adrien-Jean Le Mayeur de Merpres)

Entre o tudo e o nada navega o universo. Não há metafísica nisso. Apenas o girar gélido dos planetas e dos sóis e dos milhões e milhões de corpos nas galáxias. O universo é apenas isto: forças em luta, movimento e tempo, vida e morte. Aliás, nem sei se se pode categorizar em vida e morte o que são apenas forças em movimento, movimento que constrói o tempo. O universo tem em si mesmo o poder da criação e da destruição e oscila entre esses dois polos num pêndulo que nossa capacidade de compreensão não alcança. Não há fim nem começo, mas o fim e o começo ocorrem ao mesmo tempo. E isso é a lei maior da vida ou o que chamamos de vida. Desde o átomo com elementos mínimos até as galáxias, as forças de criação e destruição se manifestam e operam para manter ora o equilíbrio ora o desequilíbrio, num eterno retorno de simultâneos fins e recomeços. Não há metafísica nisso. Não há metafísica no embate das forças do universo. O ser humano nasce, vive e morre dentro dessas forças que não entende e, possivelmente, não entenderá nunca. Sem deuses, sem almas, sem retornos. Apenas a vida a fluir nas veias como nas galáxias flui o tempo no movimento dos átomos e dos objetos estelares. Apenas o estar, para o universo; e o ser, para o ser humano. Sem nada a ligar um ao outro, senão a própria perspectiva de viver. O mundo é apenas isto que veem os nossos olhos ou percebem nossos sentidos e isso é muito mais do que pode pensar ou sonhar a imaginação humana. Então, por que não olhar apenas o mundo e parar de inventar o além? Por que não apenas o que já existe e que já é tão maravilhoso? Será que os humanos não percebem que, inventando mundos, criando o além, eles perde o contato com o mundo verdadeiro e, assim, perdem o contato com a própria vida? Vã e inútil toda a filosofia humana que criou a metafísica para afastar o ser humano de si mesmo. Ao criar o criador, os humanos deixaram de criar e recriar a si mesmos. Ao acreditar em vidas além da vida, em almas e espíritos, em deuses e anjos, em categorias abstratas de seres que nos comandam de um impossível outro mundo, o ser humano está perdendo o próprio espetáculo da vida, deixando de entender a natureza e a si mesmo. Muito tempo foi e está sendo perdido com as crenças absurdas de mundos abstratos. O basta a tudo isso, a essa estúpida metafísica, é que tornará o ser humano mais humano e não o contrário. É preciso reinventar crenças e destruir a fé que cega e obscurece. Crer deve ser apenas o ato de acreditar-se vivo e parte indivisível da natureza, nada mais. Um altar é só uma pedra sobre a outra ou pedaços mal-arranjados de madeira podre para sustentar deuses absurdos. O deus precisou inventar a fé para sobreviver no imaginário humano. E a fé está destruindo o ser humano. Destruamos a fé e nada restará do mundo podre desses deuses. Destruamos a ingenuidade humana e coloquemos em seu lugar a crença na vida, o respeito à natureza, a integração ao universo e estaremos restaurando a verdade e a vida: com a verdade, um novo ser humano; com a vida, um novo modo de encarar a existência. E então, nós, o humanos, diante da verdade e da vida, seremos seres livres para cumprir com dignidade a nossa existência. Sem metafísicas, deuses, sem crenças absurdas, absurdamente livres, afinal.

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