terça-feira, 12 de julho de 2022

162 - POR QUE GOSTAMOS DE DROGAS (3)

 

(Theodore Pallady - Opium smoker)

Não há viagem, há apenas estados enganosos de falsa felicidade ou de falso bem-estar do cérebro, para exigir que o indivíduo se drogue. Portanto, a droga não faz do indivíduo um ser mais adaptado do que outro, apenas leva-o a acreditar que o mundo a seu redor se tornou menos agressivo para ele, ou que o seu corpo deixou de ser motivo de sofrimento ou, ainda, que as barreiras morais impostas pela sociedade desapareceram e o indivíduo pode tudo, inclusive matar ou matar-se. Assim, a tendência é buscar sempre o estado de distanciamento da realidade provocado pela droga, como forma de driblar as angústias da inadaptação. O artificialismo da situação leva-me, portanto, a concluir que a tal fuga pelas drogas é uma rota sem saída, porque o indivíduo perde aquilo que é um dos bens mais preciosos da vida, além da própria vida: o domínio de seu pensamento, o domínio de si mesmo, a sua capacidade de sonhar os seus próprios sonhos, de imaginar os seus próprios caminhos e viver a sua própria vida. Perde o direito de decidir sobre si mesmo. O efeito das drogas deve ser, guardadas todas as devidas proporções, como contemplar um pôr do sol tirado por uma foto ou visto na tela do cinema e o verdadeiro ocaso. Por mais belo que seja o do filme, não terá comparação com a realidade, por mais simples que ela seja. Perder a consciência, perder a lucidez da visão do mundo, por mais dolorida que seja essa visão, por mais difícil que seja a realidade a ser enfrentada, não vale o prazer ou até mesmo o desprazer de enfrentar o mundo como ele é. Essa visão é uma experiência milhares de vezes mais rica do que fugir através de um estado alterado de consciência provocado seja por que droga for. Por isso, a minha ojeriza em relação às drogas: funcionam tanto como entorpecimento e desfiguramento da realidade, quanto qualquer fuga dessa mesma realidade através da metafísica ou da religião. Pode-se explicar, portanto, o uso e abuso de drogas, mas não se pode justificar. Há, sob a minha condenação, uma visão estritamente humana, muito humana. Jamais uma condenação moral ou com qualquer resquício moralista. O ser humano é livre para decidir por si mesmo o seu destino. Por isso, acredito que a depuração de todos esses desvios, e considero o uso de drogas alucinógenas um desvio da trajetória humana (embora acredite também que seja uma trajetória necessária), se dará de forma lenta e gradual, para a formação de uma humanidade livre da necessidade de usar muletas para enfrentar a realidade e com ela conviver de forma lúcida e racional. Quando e como isso se dará, deixo para as mentes criativas imaginarem ou sonharem, de preferência, se possível, que essa criatividade não seja provocada por estados alterados de consciência, provocados pelo uso de drogas alucinógenas.

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