sábado, 9 de julho de 2022

161 - POR QUE GOSTAMOS DE DROGAS (2)

 

(Max Hierro - opium smoker)

As dificuldades começam aí: na luta para nos tornarmos coerentes com o mundo que nos cerca, para não sermos levados pela maré, para não sermos surpreendidos na contramão da vida. Uns mais, outros menos, todos buscam viver o máximo possível. E como temos consciência de que vivemos e morremos, e como temos consciência de que o corpo em que habitamos é nossa única ligação com o mundo, com a vida, podemos, em função de milhares e milhares de heranças genéticas que carregamos, não obter um nível desejável de adaptação, não só ao meio em que vivemos, mas também ao corpo que nos dá vida. Por menor que seja essa inadaptação, há sofrimento. Em graus tão variados, que não nos permitimos quantificá-lo. Sofrimento que gera tanto os gênios quanto os idiotas. Se, na natureza, o animal que não se adapta é morto pelos seus ou é abandonado para morrer, entre os seres humanos somente em muito poucas culturas há essa possibilidade, porque o grau de consciência de nossa humanidade não nos permite que assassinemos friamente um filho que nasça com algum tipo de inadaptação, embora haja registros históricos de povos que o fizeram (ou ainda fazem?). Além disso, não há apenas as inadaptações físicas: muitas dessas inadaptações são fruto de nossa química cerebral, que nos faz pensar diferente do comum dos mortais, que nos faz ver o mundo de forma enviesada em relação aos outros, ou que nos faz agir de forma diferente, configurando desvios de comportamento mais ou menos inaceitáveis pela sociedade. Dentre os milhões de seres humanos com algum tipo de desvio do que se chama normalidade, uma categoria arbitrária, muitos e muitos só vislumbram saída em algum tipo de fuga através de fármacos que lhes entorpeçam o pensamento diferenciado ou lhes permitam agarrar-se a algum tipo de lucidez possível na luta pela adaptação à sociedade, ao mundo e, principalmente, a si mesmos. As drogas, não importa quais sejam, agem na química cerebral e modificam as sinapses mentais, alterando a percepção que as pessoas têm do mundo, enquanto estão agindo. Não há nenhuma porta metafísica de percepção de outras realidades, mas apenas a exacerbação de uma visão que já existe no cérebro e que a droga, ao estabelecer ligações esquecidas ou obliteradas pela realidade, ativa ou reativa como fuga dessa mesma realidade. Como são elementos químicos, viciam e, ao viciarem, a droga faz de seu usuário um escravo de estados alterados da consciência como forma de adaptação a um mundo que, agora, não é mais o real, mas o mundo criado e transfigurado pela capacidade inaudita do cérebro de inventar e imaginar, a partir da realidade, outras realidades mais agradáveis ao indivíduo. Alguns mitos se formam a partir daí, mitos que a ciência nunca comprovou. Por exemplo, um indivíduo criativo não tem essa qualidade exacerbada pela droga e, às vezes, pelo contrário, tem-na diminuída, mas o cérebro engana o pensamento lógico e faz que ele acredite estar tendo visões fantásticas e ideias ainda mais incríveis do que em estado normal. O vício químico obriga, por outro lado, a que o indivíduo tome doses cada vez maiores ou que as tome sempre, ligando-o definitivamente a um estado de imaginação a que os drogados chamam de viagem.

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