quarta-feira, 6 de julho de 2022

160 - POR QUE GOSTAMOS DE DROGAS (1)

 

 (Edgard Degas: absinthe)

Ainda o problema do uso das drogas. A posição moral oficial é condenar e criminalizar definitivamente o uso das drogas, ou ainda, numa posição mais radical, demonizar consumidores, traficantes e dependentes. Tal posição torna-se extremamente confortável, porque, a partir dela, todas as objeções caem por terra: não há discussão, não há racionalidade. Fiquei, então, preocupado: se condeno o uso de drogas, assumo um moralismo com o qual não concordo. Um beco sem saída? Devo buscar uma razão que não esteja ligada à metafísica, ao moralismo platônico, ou mudo de lado. Apelo para a ciência: se tenho pensamento científico, se a ciência condena o uso de drogas, logo, não devo estar errado ao assumir uma posição também contrária. Mas isso é ir a reboque de informações que me passam e que eu não posso conferir se estão certas ou erradas. Penso, então, no indivíduo, apenas no indivíduo. Por que razão alguém há de se drogar? Que prazer é esse? Como nunca me droguei, também aí o terreno é movediço, pois não tenho nem experiência nem conhecimento suficiente para dizer em que estado fica o indivíduo que se droga. Tudo é, portanto, muito nebuloso para mim. Passar pela experiência de uma viagem para a qual não estou preparado, isto é, experimentar alguma droga para ver como é, isso, definitivamente está fora de meus propósitos. Portanto, tudo o que vou escrever a partir de agora situa-se no terreno da especulação, do ouvir dizer, do haver lido e pesquisado, enfim, da experiência tomada emprestada. Posso passar longe da verdade, ao tentar explicar o que eu penso do uso de drogas e, até mesmo, passar por moralista sem causa. Um risco menor do que ficar no lusco-fusco das ideias mal resolvidas e não tomar uma posição clara a respeito. Volto ao indivíduo. Nele pode estar o motivo de minha recusa às drogas e por ele começo a investigar a minha própria ojeriza ao ato de drogar-se. Ao nascer, trazemos em nossos corpos imperfeitos uma grande carga genética de que não sabemos a origem, ou sabemos muito, muitíssimo pouco. Há em nossas células, a conformar nossa índole, milhares de influências de inúmeras gerações, desde que o ser humano se descobriu a pensar ou até mesmo antes, quando ainda rastejávamos nos pântanos como organismos primitivos. Nesses milhões de atos evolucionistas que nos transformaram em seres pensantes e comunicativos, nossos antepassados caminharam por sendas inimagináveis, na luta pela vida e pela sobrevivência em ambientes hostis. Experimentaram de tudo. Comeram de tudo. Mataram e morreram milhares e milhares de vezes, para chegarem a um organismo que hoje atende por homem e mulher, num cadinho misterioso de influências, de heranças das quais ainda não temos a mínima ideia. E mais: nessa trajetória intrincada, cada organismo humano é único, apesar da quase total semelhança. Impossível quantificar o quanto somos iguais e o quanto somos diferentes. Talvez, numa tentativa de aproximação, sejamos muito semelhantes numa percentagem que se aproxima em muitas casas decimais dos cem. Mas, a milésima da milionésima parte de diferença que temos de uns para com os outros já nos torna únicos e completamente diferentes. E todos, desde que nascemos até a nossa morte, lutamos para nos adaptar. Ou seja, viver é tentar adaptar-se ao mundo. De milhões de formas diferentes, procuramos nos adaptar ao meio em que vivemos. Isolados ou gregários. Em pequenas ou grandes comunidades, felizes ou infelizes, loucos ou sadios, todos temos um só objetivo: adaptarmo-nos.

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