domingo, 3 de julho de 2022

159 - DROGAS E SOCIEDADE

(Piet Mondrian - Willow Grove, Impression of Light and Shadow, c. 1905)


E então, eu pergunto: é esse o caminho dos seres humanos, na sua trajetória sobre a face da terra? O que viria de uma sociedade em que as drogas, todas as drogas, fossem livres? Não seria essa uma forma eugênica de escolher os melhores para continuar o processo evolutivo, depois de uma fase de caos absoluto? O destino humano estaria definitivamente associado e atrelado aos interesses individuais, ou seja, toda a sociedade construída, e muitíssimas vezes muito mal construída, até agora foi apenas um arremedo do verdadeiro destino do ser humano? Estão nas drogas que amortecem o pensamento o futuro e o nascimento de um novo ser humano que se consumirá até desaparecer, dando lugar a uma outra espécie geneticamente imune ao seu uso? São questões que me assolam, quando penso que muitas pessoas defendem a total descriminalização das drogas, como forma de resolver os seus problemas pessoais, a sua inabilidade para tratar as coisas comuns da vida, a sua inadaptação orgânica à própria existência ou as suas crises existenciais e o desconforto perante o mundo que as ameaça com cobranças, com regras e leis às quais não conseguem se conformar. O ser humano é, mesmo, o mais complexo elemento da natureza e a convivência com desigualdades tem sido o seu grande salto de humanização, mas levantamos dúvidas cruéis quando está em jogo o absolutismo do direito individual contra o absolutismo do direito social. Qualquer julgamento que se faça a esse respeito resvala no moralismo absurdo da defesa de um dos dois extremos. Porque julgo moralista tanto a condenação de um lado quanto a condenação do outro lado. Defender o direito de contrariar a sociedade de forma total e absoluta é assumir uma posição moralista de condenação do outro tipo de vida, da mesma forma que condenar de forma absoluta os que se arvoram o direito de fazer o que quiserem com o próprio corpo e com a própria vida também se constitui numa posição moralista. O equilíbrio entre as duas posições torna-se quase impossível. Como não há o que se condenar, a visão de quem observa os contendores nessa luta parece indicar que, primeiro, embora sejam muitos os que pregam a liberdade absoluta, não são a maioria; segundo, a sociedade constituída, não importa em que tipo de regime, tem o fôlego de milhares de anos de imposição de valores e não vai abrir mão deles; terceiro, e talvez o mais importante a favor da sociedade, há o fator econômico, aquele que pesa mais do que qualquer ideologia religiosa ou filosófica: as drogas, ao mesmo tempo em que movimentam um lado economicamente ativo da sociedade, enriquecendo a uns tantos, não podem se tornar bem comum, simplesmente porque não interessa a quem aufere esses lucros que eles se coletivizem e, além disso, a própria sociedade economicamente produtiva, que se utiliza das drogas em suas festas e nos seus momentos de revolução individualista, não tem nenhum interesse em se desestabilizar em prol de uma causa de futuro incerto, preferindo manter tudo como está, sem o ônus de permitir o descontrole que pode levar ao caos o sistema produtivo. Porque liberar significa democratizar, e democratizar significa a possibilidade de perder o controle sobre a mão de obra que sustenta, com seu trabalho de formigas mal pagas, todo o sistema construído de forma sistemática por gerações e gerações de umas poucas famílias que dominam a economia em cada uma das nações da Terra. Portanto, continuarão a ganir ao longo dos caminhos os que a sociedade vê como cães desgarrados a defender a liberalização total das drogas como solução que essa mesma sociedade vê, com olhos às vezes condescendentes, às vezes com olhos condenadores, como uma ilusão, como um sonho ou pesadelo que a mão pesada da repressão e da polícia irá, com certeza, no seu devido tempo, coibir. Porque, numa visão extremamente pragmática, aquilo que
tem solução solucionado está.



 tem solução solucionado está.

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