quinta-feira, 7 de abril de 2022

133 - PARA VENCER O FANATISMO

 

(Johannes Hendrikus Moesman - evening hour,1962)

 
O fanatismo, muitas vezes travestido de fundamentalismo, traz em si mesmo a barbárie e a estupidez. Deve o ser humano sensato, mesmo o adorador de qualquer deus, fugir de toda e qualquer associação em que os componentes se tratem por irmãos. Não somos irmãos, porque não somos filhos de quem quer seja a não ser de nossos pais fisiológicos. Qualquer tentativa de impor conceitos de irmandade transforma-se em sociedade de exclusão, de preconceito e, se a seita ou a associação que se constitui a partir desse tipo de denominação, tornar-se forte o suficiente, a perseguição aos excluídos, isto é, aos que não a adotam como crença, tem início, com todas as consequências a que estamos acostumados. Irmandades são construções muitas vezes xenófobas, de origem nazi-fascista ou racial ou religiosa, mas sempre contêm a ideia de dominação dos outros através do autorreconhecimento como seita salvacionista. Fugir dessa gente significa esvaziar movimentos fundamentalistas de origem cristã, muçulmana, judaica ou de qualquer outra origem. Todos os profetas dessas seitas miseráveis em sua concepção de mundo ordenado segundo suas vontades arrebanham seus seguidores com essa ideia de mansidão, de irmandade, de acolhimento dos que são menos favorecidos, para transformá-los em monstros de ódio a todos os demais, monstros muitas vezes dispostos a sacrificar a própria vida, a martirizar-se para impor o seu tipo de pensamento e, mais estúpido ainda, dispostos a matar o diferente como forma de agradar a um deus assassino e sôfrego pelo sangue tanto de seus pretensos mártires quanto de seus inimigos. E combater esse tipo de gente torna-se algo extremamente complexo e paradoxal. Se os deixamos agir, imbuídos da ideia de tolerância, somos julgados fracos, dominados por diabos ou pelo pecado, e, por isso, devemos ser destruídos, porque fraqueza significa confissão, diante do deus deles, de que não somos dignos. Se os combatemos pela força, além da perda de inúmeras vidas inocentes, como sói acontecer nesse tipo de atitude, construímos mártires, porque esse tipo de gente transforma em herói todo aquele que morre pela causa. Então, não há muitas saídas no combate aos fundamentalismos e fanatismos. O bom senso, a velha e boa arma de que dispõe o homem, sugere que busquemos uma solução que contemple nem tanto o combate frontal nem tanto a tolerância enfraquecedora. Entre esses dois extremos, de cuja dificuldade não conseguimos nos livrar, mas que devemos adotar, deve haver um longo processo de investimento na educação, no convencimento através de ações que promovam nas gerações mais novas um outro tipo de visão de mundo, mais de acordo com os valores de respeito às individualidades, de convivência pacífica entre os contrários, de aceitação do outro como necessário à diversidade da própria vida. Sei que isso pode parecer um tanto inocente diante dos atentados brutais das forças da intolerância, tanto de um lado quanto de outro, porque nessa guerra não há inocentes, mas creio ser a única saída para a humanidade. Será um caminho difícil, oneroso, complexo, de idas e vindas, de ações arriscadas, em que muitas vidas ainda se perderão nos meandros do ódio, mas não há outra saída. Enquanto se adotar a velha lei de talião, enquanto a vingança for a única forma de reação, os dois lados da guerra contra o fanatismo se tornam tão extremistas quanto os profetas barbudos e insanos desejam como palco ideal para o fomento de suas ideias assassinas. A estupidez é sempre a bandeira maior de todos os extremistas, de todos os vingadores, de todos os fundamentalistas. E estupidez só se combate com o lento processo educacional de convencimento e de troca de valores. Mas, para isso, para que esse processo seja efetivo, não podemos simplesmente imaginar que devem se sobrepor os valores de um dos lados, mas buscar o equilíbrio numa nova vertente de pensamento humanista que jogue na lixeira da humanidade todas as formas de deísmo e de crenças estúpidas há tanto tempo elaboradas pelos homens. Talvez, uma nova humanidade, portanto. Uma nova humanidade sem deuses, sem religiões, sem castas, sem raças, sem nações e etnias. Utópica, mas necessária.


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