sábado, 1 de janeiro de 2022

102 - EXISTO, LOGO PENSO


(Edvard Munch (1863-1944), Friedrich Nietzsche - 1906).


“Penso, logo existo”. A essa máxima, chegou Descartes por caminhos tortuosos. Ficou. Não há como refutá-la usando o mesmo raciocínio, apesar de eivada de metafísica. Mas a existência humana não está condicionada ao pensamento. Aliás, não existe o pensamento como entidade abstrata, como dádiva ou dom da natureza. O cartesianismo obscurece. Talvez devêssemos plagiá-lo e dizer: existo, logo penso. A existência precede o pensamento e não o contrário. O ser humano criado pela divindade sente inevitável vontade de se considerar o rei da criação. Por isso, pensa para existir. A arrogância humana só é comparável à arrogância de seus deuses. Uma é reflexo da outra, não importa a ordem. O pensamento é fruto de ligações químicas e elétricas processadas dentro de um organismo vivo, o mais perfeito da natureza, o cérebro. Isso, sim, é incontestável, dentro dos conhecimentos científicos até agora alcançados. Se o cérebro humano processa a linguagem, é porque desenvolveu áreas específicas para isso. Com a linguagem, o cérebro humano se aperfeiçoou, num processo de troca entre a possibilidade de falar e a possibilidade de processar o que se fala. A capacidade de falar desenvolveu ao infinito a capacidade de imaginar. Nada ou muito pouco sabemos sobre o funcionamento das sinapses cerebrais dos animais ditos irracionais. Aliás, também muito pouco ou quase nada sabemos do funcionamento de nosso cérebro. Só o que podemos deduzir, com muita possibilidade de acerto, é que eles, os animais ditos irracionais, também pensam, raciocinam e deduzem. E possivelmente, também imaginam. Mas só o ser humano levou ao limite a capacidade de transmitir através da linguagem o que se passa em seu pensamento. Aves que falam, como o papagaio, têm limitada capacidade de construir novas frases com o vocabulário que adquirem porque ficam restritas à narração do mundo exterior, não conseguem articular frases que nos permitam chegar ao seu pensamento. Já os humanos exteriorizam o que ocorre em seu processo mental, o que lhes permite uma gama infinita de novas relações, lógicas ou não. Pensar é um exercício químico ou, no mínimo, um esforço das nossas sinapses cerebrais. Não pensamos para existir. Existimos para pensar e sonhar e imaginar e construir novos pensamentos que nos permitem entender melhor a nós mesmos e ao mundo em que vivemos. Embora ainda estejamos mergulhados na metafísica inútil de sábios que levaram ao limite a sua imaginação e têm, com isso, influenciado negativamente a humanidade, contribuindo para a perpetuação de superstições e irrealidades construídas sobre uma base metafísica de que a natureza e os objetos naturais têm uma “alma” ou uma “essência”. Na busca desta essência, temos perdido tempo precioso para a construção de uma verdade filosófica natural e materialista, libertadora das trevas do deísmo em que está mergulhada a humanidade, apesar de todos os avanços científicos.

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