quinta-feira, 9 de setembro de 2021

065 - REVOLUÇÕES E RUPTURAS

 

(Adam-Frans van der Meulen - Cavalery in the Battle, 1657)


No terreno da política e da sociologia, as rupturas estão mortas. Se é que viveram algum dia. Até agora, as grandes revoluções humanas redundaram em grandes fiascos. Se contribuíram para um avanço significativo da história humana, essa contribuição situa-se muito mais no campo do fracasso do que no do sucesso. Todas as revoluções foram autofágicas e destruíram a si mesmas. Porque eram rupturas. E o ser humano, em sua trajetória fantástica, da irracionalidade animal à descoberta da ciência, o seu feito mais notável, não tem momentos de ruptura, mas de evolução, constante, fria, às vezes, mas sistemática, num plano natural e sub-reptício de pequenas tentativas e retornos, de experiências de sucessos e de fracassos. Por isso, as revoluções, como propostas de rupturas, fracassaram terrivelmente. Porque continham em si o germe da autofagia. Deixaram lições valiosas, sem dúvida. Deixaram preceitos e ideias que se aprofundaram e redundaram em novos conceitos e novas formas de encarar a vida, a história, a sociedade. Mas a um preço muito alto, ao ceifar milhares de vidas, por quase nada, já que esses mesmos conceitos e novas formas de encarar a vida, a história e a sociedade iriam surgir naturalmente ou já haviam surgido e se imporiam logicamente, no correr do rio da história. Ficaram, ao fim e ao cabo, como o gosto de ressaca após uma grande bebedeira, um gosto amargo de fracasso e nojo. Essa percepção pode parecer trágica na sua aparente ideologia da chamada direita, mas é o que podemos verificar ao longo da história. O que restou da Revolução Francesa, senão uma frase utópica – liberdade, igualdade, fraternidade? O que ficou da Revolução Russa, senão a impressão de que o socialismo terá de permanecer como utopia? O que temos ainda da Revolução Cultural de Mao, senão uma China cada vez mais disposta a sacrificar todo um ideário no altar do capitalismo da economia de mercado? Só a chamada Revolução Industrial não fracassou. Simplesmente porque não era uma ruptura, era uma Evolução, um processo que teve início no século XVIII e que ainda não terminou, nem terminará, porque o homem continua e continuará a descobrir e inventar novas tecnologias e novas relações de trabalho e novas relações sociais. Todas as grandes Revoluções fracassaram. Porque tentaram provocar rupturas. E a história humana – a despeito de qualquer questão ideológica – não se constrói com rupturas, com grandes fracionamentos. O socialismo poderá e deverá vencer, sim, como sistema econômico, mas nunca através de uma revolução, do rompimento dramático com o capitalismo, mas como consequência do esgotamento das forças capitalistas e como imposição lógica de uma sociedade que não pode ficar à mercê apenas das forças do mercado gerido por corporações predatórias. Não se pode construir uma nova sociedade ou um novo mundo – mais justo – sobre os escombros da sociedade anterior, por mais cruel e injusta que seja essa sociedade. E é isso o que propõem todas as revoluções, esquecidas de que do niilismo nunca nasceu qualquer possibilidade civilizatória. Destruir para reconstruir é o maior dos engodos dos revolucionários, de qualquer espécie. E disso se aproveitam as forças de direita, no seu conceito clássico de conservadorismo. A direita não teme as revoluções. Nunca as temeu. Porque sabe que a vitória delas é sempre uma vitória de Pirro. A direita, sempre que parece derrotada por uma revolução, recua, se esconde, espera e se fortalece, para voltar mais forte, depois que a ressaca joga os ideais revolucionários no lixo das questões imediatas de sobrevivência. Nenhum revolucionário que eu conheça na História soube lidar com as questões cotidianas de sobrevivência, principalmente porque há a necessidade de construir uma nova ordem sobre os escombros da ordem anterior. Os esforços para remover os escombros acabam por esgotar toda a força criativa de qualquer revolucionário. Assim, não é possível instituir a justiça no mundo sobre os escombros das corporações globalizadas, porque isso é pura ilusão. Porque a vida urge em necessidades imediatas de alimentação, de trabalho, de casa, de saneamento básico, que não podem ser satisfeitas se a infraestrutura básica foi destruída. Podem uivar todos os revolucionários e todos os que defendem rupturas, mas essa é a mais extrema, embora cruel, realidade.


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