sexta-feira, 16 de setembro de 2022

184 - O RESPEITO

 

 (Pietr Bruegel - the_Elder - Children’s_Games)


Já disse e repito: não há absolutamente nada para se colocar no lugar do deísmo. Ou seja, não acreditar em deus ou deuses, em metafísicas e transcendências não implica buscar novas formas de crenças, de fé ou de metafísicas. No entanto, não há desespero ou pessimismo no pensamento ateu. Pessimismos e desesperos são condições humanas, além de quaisquer crenças filosóficas e são atinentes a estados mentais, a situações de vida, a condições químicas do cérebro e, até mesmo, dos demais órgãos de nosso corpo. Portanto, não há pessimismo no pensamento ateu. Há apenas a liberdade. Não pensar em deus, não cultuar doutrinas baseadas apenas na fé, não aceitar a metafísica, tudo isso é libertar a mente para aceitar as leis da natureza, é voltar o pensamento para nós mesmos, e criar uma nova forma de humanismo, em que o ser humano passa a ser, efetivamente, o centro de suas próprias preocupações, sem que isso o leve ao egocentrismo, à arrogância de pensar que é criatura e, portanto, pode fazer e desfazer o mundo em que vive, porque está tudo escrito ou determinado por uma consciência superior. Pensar de forma ateia é libertar a nossa mente do determinismo torpe em que ela se jogou até hoje e poder olhar o futuro como construção e não como fato consumado. O ser humano evolui a cada segundo, mas essa evolução é lenta e cautelosa. Não depende de forças externas à própria vida e à natureza: só depende de si mesma, da composição de fatores que devem fazer que a humanidade supere o estado de barbárie em que se encontra, agravado por pensamentos mágicos. Há que cessar a matança. Há que controlar a explosão demográfica. Há que se consolidar o pensamento de que a vida é o único bem e o mais precioso de todos. O ser humano caçador de si mesmo deve dar lugar ao ser humano planejador, racional e verdadeiramente humano, livre de toda e qualquer peia que lhe trava a possibilidade de buscar o seu próprio destino. Mas há um longo, longuíssimo caminho até que isso venha a acontecer. Não estou prescrevendo a eliminação do deísmo a ferro e fogo. Porque seria trocar uma barbárie por outra. O despertar da consciência é um projeto natural da condição humana. Vai acontecer, independentemente dos esperneios e estrebuchos deístas, das maldições que lançam sobre aqueles que pensam diferente os que temem perder o fio da vida, porque não há mais deuses, porque não há mais fé. A essas mentes opacas e obscurecidas pelas crenças inúteis só posso deixar o meu riso de compreensão, não de escárnio. Devo dizer-lhes que o seu deus, a sua fé e as suas crenças metafísicas ainda viverão e sobreviverão por muitos e muitos séculos, para desgraça da evolução do pensamento verdadeiro e natural do ser humano. E quando acontecer a destruição completa de todos os altares, as piras ainda arderão por outros tantos e tantos séculos. O pensamento ateu, a descontaminação ecológica do pensamento humano, isso não é exatamente um projeto com o qual eu esteja comprometido ou pelo qual alguém possa lutar, mas é a evolução natural do pensamento humano. Um dia acontecerá. Naturalmente. Sou, infelizmente, para desgraça de muitos, somente um arauto, nem profeta nem desbravador, apenas alguém, infinitamente pequeno, nesse mar de angústias que assola a humanidade atolada em miséria, em guerras, em destruição, que tem um ainda infinitamente pequeno alumbramento das possibilidades do ser humano, alguém que apenas luta por uma humanidade um pouco melhor, apesar de todos os instintos animalescos que fazemos questão de conservar e cultuar. Não tenho compromisso com nenhum ramo de pensamento, com nenhuma organização ou seita ou partido político ou academia ou seja o que for que se inventou para reunir pessoas. Não têm minhas diatribes nenhuma intenção de arregimentar seguidores ou influenciar pessoas. Por isso, não faço nenhuma questão que me leiam, que me compreendam, ou mesmo que ouçam minhas palavras. Discuto-as, sim, porque sou livre para isso. Mas não as imponho. Apenas não quero mais ouvir os argumentos dos deísmos estupidificadores, porque já os conheço há muito, já os degluti e os vomitei há tantos anos, que não tenho mais paciência para historinhas ou contos de fadas e duendes. Não mais preciso deles, como eles não precisam de mim. Quero, apenas, que eles se calem, pelo menos em relação a mim. Assim como tiveram o direito de envenenar a mente humana por tantos milhares de anos, posso reivindicar para mim um segundo de atenção, uma gota de orvalho na infinidade do meio aquático, para, humildemente dizer que há caminhos diferentes para a mente do ser humano trilhar, muito além das metafísicas e das transcendências que criaram como obrigação ab-ovo do pensamento humano. A liberdade de ir além, de buscar, de não nos deixar envolver por raciocínios criados para embaralhar a percepção da natureza e de suas leis deve ser o primeiro passo para que possamos dar os primeiros passos para o entendimento entre as pessoas, baseado num princípio fundamental e numa postura que nenhum deísmo até hoje levou ao pé da letra: o respeito.

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