sexta-feira, 24 de junho de 2022

156 - MEDO DA MORTE

 

(Santiago Caruso - el eco de mis muertes - a Alejandra Pizarnik)


O ser humano é o único animal que tem noção de sua própria morte. E não a aceita. Pensar que vai desaparecer para sempre e que tudo quanto acumulou de bens materiais e de experiência de vida e conhecimento vai virar pó deixa-o angustiado e propenso a acreditar na primeira ideia de eternidade ou espiritualidade que lhe venha à mente. Para driblar o mais terrível dos medos, a morte, nós inventamos e reinventamos cultos a deuses, como forma de tentar amenizar o sofrimento da perda de nós mesmos. Não admitimos que, ao morrer, nós nos perdemos. Somos pó e ao pó voltaremos é a única lição válida. O único destino que não nos escapa. A fragilidade da vida transforma-se em tragédia, através da consciência de que morreremos. E morrer é perder mais do que a vida, é perder a si mesmo, destruir-se, aniquilar-se. A carcaça inútil presta-se tão somente a adubar a terra ou a servir de estudos para curiosos de plantão. Não valemos absolutamente nada. E esse sentimento de perda de si mesmo constitui-se na mais terrível ameaça ao ser humano, ao seu ego, àquilo que ele constrói durante toda a vida. Se vamos desaparecer, para que vivemos, então? A tentativa de compreensão desse interregno, que se chama vida, entre o nascer o desaparecer, tem sido a mais frustrante obra de observação do ser humano sobre a Terra. A necessidade de autopreservação faz que o ser humano invente ritos funerários. Exorciza, assim, o medo da morte, mas não a impede, o que o leva ao desespero. Ou ao absoluto estado de inconsciência a que denomina crença em um deus ou na vida além da morte. São formas de entorpecimento as falácias humanas a respeito de almas, espíritos e outras reencarnações. Destroem a capacidade humana de viver plenamente a vida, ao nos fazer gastar tempo e emoção na preparação para uma vida futura e na esperança de uma nova dimensão, numa outra forma de vida, chamada espiritual. A isso dedicamos grande parte de nossa existência, plano de fuga para a fuga final, certos de que, ao apagar-se o nosso cérebro, um deus justo e generoso nos receberá no outro mundo, para vivermos no paraíso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

187 - PALAVRA FINAL: O ALÉM DO HOMEM

  (Vincent van Gogh) Tenho plena consciência de que tudo quanto eu escrevi até agora constitui um rio caudaloso, uma pororoca, sobre a qual ...