quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

115 - CAPACIDADE CRIATIVA DO SER HUMANO

 

(Valquíria Cavalcante)


A ciência ainda tem poucas respostas, mas as religiões não têm nenhuma. Tampouco considero a ciência a dona da verdade. Aliás, não há verdade, principalmente a verdade absoluta pregada pelas religiões. Mesmo a metafísica, essa forma de pensar cheia de absurdidades, pode oferecer algum alento e algumas respostas para algumas pessoas. Ainda que eu acredite não serem as melhores respostas. Isso não importa. O que realmente se torna fundamental para uma nova maneira de pensar é o criticismo, a possibilidade de colocar em xeque qualquer conjunto de verdades constituídas em cânone. O poder do ser humano está em duvidar de tudo, mesmo de seu antideísmo. Embora não haja nenhuma possibilidade da existência real de um deus supremo, criador de todas as coisas, essa forma de pensar estratificada na mente humana tem criado concepções que atendem às necessidades filosóficas de uma grande parte da humanidade. O repúdio ao deísmo de forma acrítica pode, até mesmo, fortalecê-lo. Por isso, pensar em deus ainda pode ser um exercício fundamental para os seres humanos durante muitos e muitos séculos. O receio maior que se pode ter, quando a ideia de deus for varrida da mente humana, é que ele busque substitutos muito mais terríveis do que a própria ideia de deus. Se a humanidade se voltar para o cientificismo absoluto, como substituto ideal da religião, podem os seres humanos cair nas mãos dos mesmos prestidigitadores e falseadores da realidade que teimam na pregação da existência de deus, com agravantes muito mais poderosos: o conhecimento e a tecnologia a seu serviço, para escravizar a mente humana e mantê-la na ignorância mais profunda, com pouquíssimas possibilidades de ressurgir, aí sim, de longos e tenebrosos tempos de trevas. O motivo dessa preocupação tem um nome: igualdade, ou melhor, a ausência de recursos que possibilitem a todos, ao mesmo tempo, alcançar o mesmo nível de conhecimento. Nem em termos teóricos, a nossa capacidade de projetar e planejar o futuro consegue ou conseguirá imaginar um mundo em que todas as diferenças sociais e econômicas tenham sido superadas. Mesmo que obtivéssemos de mentes absolutamente brilhantes no trato da economia, da sociologia e da política uma sociedade de bem estar total, mesmo que a genética tivesse conseguido assegurar qualidade total na concepção de novos seres humanos, mesmo que os filósofos e os educadores assegurassem a esse homem um código universal de ética, a obtenção desse aparente paraíso terá custado ao ser humano a perda de sua liberdade e, consequentemente, a possibilidade de cada um seguir a sua própria trajetória em busca do bem estar individual, o que levaria ao desmoronamento desse mundo de perfeição, por total falta de equilíbrio natural entre o ser humano e sua capacidade de buscar e sonhar e pela estagnação, pela impossibilidade de que a humanidade continuasse a sua trajetória de evolução e desenvolvimento. O desaparecimento da humanidade passaria a ser questão de tempo, ou haveria uma revolução contra esse estado e uma volta da barbárie, uma espécie de fantasma, de nuvem negra, que ronda a história humana e não se dissipará apenas com a construção de um mundo mais justo ou de uma utopia. O cientificismo cego não pode ser a opção à selvageria do deísmo. O conhecimento pode, sim, substituir parcialmente a ignorância que leva à metafísica, mas não pode impedir que o ser humano seja o ser sempre imperfeito em busca de um estágio mais elevado de consciência, de pensamento e de estrutura física. Há necessidade de se criarem novas formulações do pensamento abstrato, para que o sonho e a imaginação não criem outros monstros na mente humana. A aceitação da vida como ela é, sem os engodos deístas de sobrevivência, exigirá uma nova estrutura cerebral a ser construída ao longo de muitos séculos de evolução, o que implica um tempo de maturação que, hoje, nenhum filósofo da realidade terá condição de imaginar. No entanto, é essa a trajetória da humanidade, sem dúvida nenhuma, para a construção de um mundo mais justo, embora ainda imperfeito, com o auxílio da ciência e da tecnologia, sem que essas se transformem na ditadura da sapiência sobre os demais elementos constitutivos da psique humana, como os sonhos, a imaginação e a capacidade criativa.

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