terça-feira, 21 de setembro de 2021

069 - RACIONALIDADE E METAFÍSICA

(Escultura de Javier Marín)



O que é, afinal, o ser humano? Dizer que é um animal racional é pura pretensão e, se examinarmos um pouco mais profundamente a natureza humana, não conseguiremos definir o que seja racional. Sabemos que ele pensa, mas não podemos afirmar a mesma coisa a respeito dos animais. No entanto, não creio que haja um ser vivo que não pense, a não ser que esse ser não possua cérebro, o que só acontece com algumas espécies invertebradas e microscópicas. Quando, no zoológico, vejo um hipopótamo, fico imaginando se, dentro daquele cérebro, pode haver pensamentos mais complexos do que a vã metafísica de Aristóteles. Então, não pode ser pela capacidade de raciocínio que nos diferenciamos dos animais, senão por algo mais sutil. A genética, ciência que promete dar a verdadeira dimensão do humano, talvez, algum dia, consiga encontrar no código genético do ser humano aquilo que o torna singular na natureza, provavelmente a incrível capacidade do cérebro humano de evoluir ou de se transformar ou de ser capaz de realizar operações tão complexas que ainda não temos conhecimento suficiente para desvendá-lo. Enquanto isso, convivemos com a tranquila e muito cômoda noção de racionalidade como aquilo que nos distingue no reino animal. Contesto, no entanto, essa racionalidade quando observo a quantidade de crenças absurdas e de superstições que povoam a mente humana, alimentadas por histórias sem pé nem cabeça, por teorias e filosofias que não resistem a meio minuto de raciocínio lógico. Jogar ao mar oferendas para Iemanjá pode ser apenas um gesto simbólico de respeito a um passado ancestral, mas acreditar piamente que isso possa trazer qualquer tipo de benefício mágico não pode ser considerado um ato lógico, senão uma refinada estupidez. No entanto, é o que vemos a cada ano, em datas específicas. E isso é apenas um exemplo de milhares de outras superstições que pessoas dotadas de inteligência e de cultura adotam como fuga da realidade. O pensamento mágico, o desejo de imortalidade, a crença em deuses e espíritos, a fé cega em doutrinas absurdas são o apanágio de nossa pretensa racionalidade. Também a destruição de outro ser humano é um ato absolutamente ilógico. No entanto, a cada minuto, assassinatos são cometidos e a vida humana – o bem mais precioso que o ser humano possui – é deslavadamente jogada no lixo, como coisa descartável. Tudo se recicla, na natureza, menos a vida. E o ser humano, que se diz racional, não percebe os absurdos que comete contra si mesmo. Podemos nos considerar racionais? Não, enquanto houver qualquer vestígio de metafísica na mente humana. Poder-se-ia argumentar que um mundo sem metafísica seria um mundo triste, materialista, sem poesia. Pois eu acho justamente o contrário. A metafísica, ao enganar e mentir, ao construir na mente humana um imenso castelo de dejetos, mata a cada minuto a beleza da vida, o incomensurável tesouro que temos a possibilidade de criar, quando conseguirmos enxergar a natureza, o mundo em que vivemos e tudo o que nos rodeia, com olhos de realidade, sem atribuir a cada ser uma dádiva divina, ou um lampejo de sobrenatural. O mundo sem metafísica é muito mais belo e espantosamente mais poético do que o mundo imaginário que criamos com nossas estúpidas elucubrações metafísicas. O ser humano não precisa de deuses, e devo repetir isso à exaustão, para que me compreendam. O ser humano não precisa de Aristóteles, nem de Cristo nem de Buda, nem de nenhum profeta ou mártir idiota que crie seitas e religiões e templos e sacrifícios para deuses idiotizados ou papas carcomidos pela falta de ética e de compreensão da vida, para dar lições de moral. Com a metafísica, mate-se também a moral estúpida dos preconceitos, do desrespeito e da derrisão que esses gurus, profetas, pastores ou seja o que for gostam de pregar para seus seguidores e, com isso, conseguem arrancar mais dinheiro para templos inúteis ou para sua vida nababesca de tiranos da consciência dos humanos que creem em suas homilias e em seus discursos recheados de metafísica e de deuses inexistentes.

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