sexta-feira, 3 de setembro de 2021

063 - DEMOCRACIA BRASILEIRA (PRIMEIRA PARTE)



Veja-se o caso do Brasil. Foram poucos os presidentes eleitos, na nossa breve e conturbada história republicana, sobre os quais se possa afirmar que tenham sido, além de probos, verdadeiros representantes do povo que o escolheu. Ou foram representantes das oligarquias, muito bem municiados por financiamentos de fazendeiros, industriais e banqueiros, ou foram um total fiasco. Da história mais recente, podemos lembrar Jânio Quadros e Collor de Melo. O primeiro, um farsante e ladrão contumaz. O segundo, um ladrão ainda mais contumaz e ainda mais farsante. Só diferem por ter sido mais esperto o primeiro, ao renunciar, e mais estúpido o segundo, ao pensar que poderia seguir enganando por muito tempo, com medidas tão absurdas quanto de impacto. As medidas de impacto, algumas delas até importantes, como a abertura do mercado brasileiro ao mundo, com um choque de realismo através da concorrência de produtos do exterior, o que obrigou muita gente que tinha reserva de mercado a se mexer para enfrentar os concorrentes, tinham por objetivo lançar uma nuvem de fumaça na imprensa e na opinião pública, para esconder os desmandos da caterva que tomara conta da capital federal. Governou dois anos e foi embora sob as vaias dos estudantes e do povo que o elegera. Durante o período militar, a república foi varrida para debaixo dos coturnos dos generais de plantão no palácio presidencial. Ao recuperar a capacidade de escolher, não se pode afirmar que o povo tenha sido sábio. Primeiro, elegeu um aproveitador, o já referido Collor. Depois, um enfunado e pavoneado sociólogo, que teve a oportunidade de, como representante, não mais das oligarquias, mas da chamada inteligência brasileira, iniciar uma verdadeira revolução na arte de governar, como exemplo até mesmo para toda a América Latina. No entanto, suas alianças com as forças mais conservadoras tornaram seu governo uma série de equívocos, cujas consequências poucos puderam perceber. Sob o tacão liberal, fez asneiras incomensuráveis, como sucatear o sistema de saúde e entregá-lo à iniciativa particular ou entender a educação como produto que o mercado pode regular através da concorrência e, com isso, permitir a abertura de centenas de faculdades e universidades que são verdadeiras arapucas para aqueles que não conseguem obter vaga no também sucateado e desnorteado sistema público de ensino. Vendeu por trinta dinheiros o patrimônio público e não se sabe até hoje onde foi parar o dinheiro da venda ou a economia obtida com ela. Depois, a experiência realmente mais radical, com a eleição de um metalúrgico sem curso superior, oriundo das camadas mais sofridas de nossa população. E nas costas de Lula se depositaram, pelo lado do povo, um excesso de esperança e, pelo lado das oligarquias, o desejo de que ele colocasse em prática, com medidas de impacto, todo o ideário esquerdizante que lhe atribuíram, durante sua trajetória política. No entanto, mais espertamente do que poderia imaginar qualquer cérebro mais maquiavélico das oligarquias, Lula não “chutou o balde”, para usar uma expressão de uso popular. Escaldado por experiências anteriores (e, nesse caso o desastroso governo de Collor de Mello foi, até certo ponto útil), Lula optou por uma política econômica conservadora em sua essência, para colocar o País num patamar de desenvolvimento sobre o qual ele possa, então, tentar impor medidas que privilegiem o povo que o elegeu. Em termos políticos, seu governo sofreu a perseguição ferrenha dos adversários da direita, incomodados com sua política social. Inventaram-se mil artimanhas para derrubá-lo, mas sua política social, que tirou da miséria milhões de brasileiros, acabou tornando-o um dos presidentes mais estimados da História, alçando o Brasil, em termos econômicos, ao posto de oitava economia do mundo, sendo admirado internacionalmente pelo seu combate à miséria e à fome. Escolheu como sucessora, depois de dois mandatos vitoriosos, a ministra Dilma Rousseff. Em quatro anos de governo, Dilma manteve a política econômica de seu antecessor e, principalmente, suas políticas sociais. Ao final de seu primeiro mandato, o país gozava de pleno emprego e começava a sair dos voos de galinha do desenvolvimento para realmente se tornar um país sem inflação e com índices econômicos sustentáveis, para se tornar realmente um país desenvolvido. No entanto, ao tentar um segundo mandato, a direita articulou um golpe dos mais sujos da história republicana: para interromper uma série inéditas de mandatos do Partido dos Trabalhadores, um complô canalha de empresários da indústria e do agronegócio, os golpistas pisaram no freio da economia e, em seis meses, os o País desandou. Mesmo assim, Dilma obteve um segundo mandato. No entanto, o golpe contra ela veio certeiro: as forças de direita, no Congresso, articularam seu impeachment e colocaram no poder um presidente franco e traidor, Michel Temer. Uma campanha sórdida contra os políticos do Partido dos Trabalhadores nas mídias oficiais, imprensa, rádio e televisão, e principalmente nas redes sociais inflamaram o povo contra Lula e seu candidato. E mais: inventaram uma sórdida “operação lava-jato” comandada por um juizeco mal intencionado de Curitiba, Sérgio Moro, que conseguiu prender Lula e desmoralizar totalmente seu partido ante a opinião pública, com acusações não provadas de corrupção. Estava em curso a segunda etapa do golpe: a eleição de um candidato da direita. Mas, quem acabou se elegendo foi o que se pode chamar de o lixo do “centrão” da Câmara (aquele grupo de deputados inúteis e vendidos a quem lhes acene com verbas e acordos espúrios): Jair Bolsonaro. Seu governo, até agora, dois anos depois, tem todos os sinais do mais completo desastre para o País, cujas instituições ele destrói dia a dia, com medidas absurdas. Além disso, a incompetência de seu governo ou desgoverno traz de volta a inflação, o aumento de preços, a miséria, enfim, do povo, num momento crucial da vida do planeta, assolado por uma pandemia que tem matado milhares de pessoas. Um governo calcado em negacionismo, que não conseguiu fazer o mínimo pelo povo e mais, tem conseguido até mesmo dificultar o combate à pandemia de coronavírus, ao deixar de comprar vacinas no mercado externo no momento certo, atrasando em meses o início da vacinação. Bolsonaro tem um histórico de crimes que o tornam um dos seres mais asquerosos que já governaram o Brasil, sua estupidez está causando uma tragédia ao País, que levaremos muitos anos para consertar todo o estrago que ele provocou e está provocando. Somente com seu afastamento imediato é que se pode pensar em ter alguma esperança de que esse ano de 2021 termine com alguma possibilidade de se iniciar, com algum sucesso, uma nova escalada para tirar o país desse atoleiro. Mas, infelizmente, o cenário não permite qualquer análise otimista. Nosso sistema cameral ou bi-cameral de legislativo patina na eleição de uma maioria de indivíduos cujo compromisso público não ultrapassa a soleira de sua casa ou sua conta bancária. Engessados por interesses corporativos, oligárquicos e coronelistas, a Câmara e o Senado não respondem às demandas de um moderno sistema republicano de representação realmente popular, e só atendem realmente a seus interesses. Assim como articularam o golpe para derrubar Dilma Rousseff, agora não se mexem para derrubar um presidente corrupto, incompetente, negacionista, assassino, genocida que está destruindo o país.


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