terça-feira, 10 de agosto de 2021

056 - ATEÍSMO É CONDIÇÃO NATURAL DO SER HUMANO

(Adriana Varejão - transbarroco)


Um mundo ateu. A utopia mais que desejada. Mas que não deve ser confundida com o ateísmo marxista ou falsamente marxista provindo de um organismo estatal. A ditadura de um ateísmo de estado seria tão ou mais prejudicial do que o deísmo até agora praticado. Ateísmo é um estado de consciência, não é nem mesmo uma filosofia. Filosofia pressupõe sistema complexo de pensamento, doutrinas e princípios. O ateísmo, não. Ser ateu é simplesmente não aceitar a estupidez da existência de um ente criador do universo e rejeitar qualquer tipo de culto religioso e dar um pé na bunda da metafísica. Nada mais simples e, ao mesmo tempo, mais complexo. Porque significa livrar a mente de superstições e ideias absurdas. Se o ateísmo passar a ser visto como um sistema filosófico, deixará de ser ateísmo para ser um novo sistema metafísico. Significará trocar seis por meia dúzia. E isso é tão estúpido quanto acreditar em deus. O mundo ateu deve ser apenas um mundo sem superstições, porque livre da ditadura de qualquer deus, de qualquer pensamento metafísico. Um mundo voltado para o belo: eis o ateísmo em plena vigência no pensamento humano. Pode-se ser ateu e ser de direita ou de esquerda, em termos de política. Pode-se ser ateu e ser um bom ou mau ser humano. Pode-se ser ateu e, ao mesmo tempo, um ladrão ou uma pessoa honesta. É claro que a escolha ética de princípios opostos aos vigentes na sociedade não tem nada a ver com o pensamento ateu. Acredito, apenas, que não haverá mais desculpas deístas para o assassínio, para os atos de covardia contra os demais seres humanos. Então, o ateu que cometer atos contra a vida terá contra si apenas sua consciência, que deverá, pelo menos em tese, ser muito mais pesada do que a do deísta. Porque ele sabe que tirou uma vida para sempre, que não haverá perdão divino ou outra oportunidade para a vítima, como costumam raciocinar ou imaginar os deístas para aplacar suas culpas. O ateísmo de estado, repito, nada tem a ver com o verdadeiro ateísmo. Qualquer sistema político que condicionar sua existência ao ateísmo está definitivamente equivocado. Aliás, qualquer grupamento humano – seja político, social ou de qualquer outra natureza – que condicionar sua existência ao ateísmo também está definitivamente equivocado. Não pode e não deve haver sociedades ateias ou de ateus. Não em termos de constituição legal. Podem os ateus até mesmo se encontrar para trocar ideias ou se conhecerem, mas mesmos esses encontros correm o risco de se transformarem em movimentos ou escolas ou sociedades e, assim, colocar em risco a própria existência do ateísmo. No fundo, o que eu quero dizer é que o ateísmo é a condição natural do ser humano e não o deísmo, como se propala há tantos milênios. O ser humano natural é, por princípio, ateu. O deísmo nasceu depois, como resultado de contingências históricas e de formação equivocada do pensamento metafísico. Portanto, não há como pregar o ateísmo. Não há como defender o ateísmo. Não há como transformar um deísta em ateu pela simples pregação do ateísmo. Um deísta só se torna ateu, quando for convencido de que não há nenhuma possibilidade de que exista um criador e, para isso, ele precisa se convencer de coisas tão complexas quanto a complexidade do universo e de coisas tão simples quanto o fato de que ele não precisa crer em deus para sua vida continuar do mesmo modo como vem sendo levada. Convencer o ser humano de que ele não precisa de deus não é uma tarefa fácil nem deve ser tentada quando o deísmo enraizado se manifesta em forma de crenças ingênuas e de superstições absurdas, próprias de pessoas que não se preocupam com esse tipo de pensamento e acham que basta crer em deus e levar a vida, que é tudo o que o ser humano precisa para obter algum tipo de recompensa após a morte. Também o medo da morte provoca o deísmo simplório da maioria e, então, é impossível qualquer tipo de diálogo. Se o ateísmo não é um complexo de filosofias e princípios, sua aceitação, no entanto, implica fazer o caminho de volta de todo o complexo filosófico deísta implantado na mente humana desde há muitos e muitos milhares de anos. E isso se torna bastante difícil para mentes acostumadas ao pensamento deísta, seja essa mente a de um ser humano comum, seja essa mente a de um cientista com a capacidade de raciocínio e de lógica, como alguns cientistas, que podem ser deístas, apesar de todo o seu conhecimento científico. O deísmo, apesar de conter em si uma complexa rede de princípios metafísicos, tem em si um princípio quase mágico em si mesmo, que leva os seres humanos a se acomodarem em sua própria natureza humana de medo e de incerteza: a fé. Essa palavrinha contém em si a maior invenção do sistema metafísico da crença em deus. Se, ao final de uma extensa argumentação contrária, um deísta, convencido pela lógica, não quer, no entanto, renunciar à sua situação de crente, ele encerra qualquer tipo de possibilidade de vir a se tornar ateu apelando para a questão da fé. E ponto final. Nada mais pode demovê-lo do contrário. A fé remove montanhas. Pelo menos para aquele que acredita. E a capacidade humana de inventar e acreditar em suas invenções é infinitamente maior do que qualquer argumentação lógica. Por isso, um mundo ateu torna-se a utopia das utopias. Acredito que, um dia, em um momento muito distante no tempo e, talvez, no espaço, o ateísmo predominará sobre as superstições, mas nunca será hegemônico ou absoluto. Sempre haverá células metafísicas de resistência. E isso não será de todo mau. Bastará que as crenças absurdas e as superstições deístas regridam a níveis que impeçam que as religiões se tornem uma ameaça à integridade e ao princípio de liberdade da humanidade, para que o mundo se torne um pouco melhor. Embora, para que o mundo se torne melhor, não é necessário absolutamente que ele se transforme num mundo ateu. É exatamente o contrário: quando se tornar melhor, provavelmente será um mundo muito mais ateu do que é hoje.


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