sábado, 22 de janeiro de 2022

109 - O CULTO À MORTE E A BUSCA DA FELICIDADE

 

(Edvard Munch - death at the Helm - 1893)

O suicídio é a fuga para uma outra dimensão que não existe: a satisfação após a morte, o que resulta, pelo menos para a pessoa que se suicida, em solução, mas uma solução que contraria o princípio básico da vida: o próprio ato de viver. Morrer é natural. Matar e matar-se: constituem-se em atos extremos, condenáveis por si mesmos, em qualquer situação. No entanto, os instintos que trazemos de nosso passado e a fera que ainda mora na memória e na cadeia genética do ser humano ainda não foram amansados o suficiente para ultrapassarmos a condição bárbara de cometermos atos insanos. Nossa civilização foi criada e desenvolvida no culto à morte, fruto de milhares de anos de deísmo e culto a divindades abstratas, e isso é um complicador a mais na trajetória humana rumo a uma condição de superação da barbárie. Buscar a felicidade, como condição da vida humana, constitui-se num dos aspectos desse culto à morte. Ou seja, se não se alcança a felicidade em vida, essa virá após a morte, no seio de uma divindade ou num nirvana ou num paraíso absurdo. O que torna a vida humana uma trajetória absurda e o ser humano, um simples joguete nas mãos de um deus ou de um destino. Assim, a felicidade, como categoria absurda, invenção metafísica de filósofos deístas e ignorantes da real condição humana, torna-se, ironicamente, um elemento perturbador da própria satisfação humana, dificultando que o ser humano consiga ultrapassar o estado de barbárie em que ainda se encontra. Porque, muitas vezes, aquilo que se chama felicidade implica a desgraça e a assim chamada infelicidade de outro ou de muitos outros seres humanos. Justifica-se qualquer ato bárbaro pela busca de um estado inexistente e absurdo de satisfação absoluta, que se denomina felicidade.

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